domingo, 2 de setembro de 2007

Contos Fantásticos - Autor: Pompa




BREVE INTRODUÇÃO AO LIVRO DE CONTOS:

Estes, sim. Grande falácia seria se não os estimasse. Os contos inseridos neste libreto são de natureza singular, já que muitos deles são engraçados e dotados de grande conteúdo imaginativo. Os objetivos que me levaram a ter a idéia de inserir contos neste livro são os de entreter-me e entreter ao leitor com um momento de descanso mental, algo desta espécie certamente será citado na parte de “Palavras do autor”, espero que os contos aqui colocados sejam agradáveis às vossas imaginações. Há de se alertar os leitores desprevenidos de que estes contos não possuem o objetivo tão somente de entreter pelo simples deleite como também de trazer mensagens que sejam interessantes às nossas linhas de pensamentos apresentadas no decorrer dos capítulos, acrescentando, mesmo que de maneira indireta valores morais ao esporte em questão, dando margem a muitos pensamentos relativos à sociedade e a nós mesmos. O que faz com que a formação de valores contidas neste livro seja integral ou holística, pois, abrange os mais pitorescos e inebriantes contos com soluções de idéias das mais fantasiosas ou extraordinárias, também pequenas incitações que dão vazão a ramificações distintas. Quê é um conto? Como poder-se-ia definir isto afinal? Seria uma mentira muito bem inventada, uma mentira bem estruturada e de tal modo constituída que a única coisa que faltaria fosse ser uma verdade efetiva? Seria o conto uma descrição das verdades contidas na psique humana? Seja a primeira alternativa, a segunda ou as duas juntas a verdade é que um conto é sempre de bom proveito, já que dele muitas vezes extraímos algo de útil para nossas vidas, seja uma profunda verdade moral ou uma palavra adicional ao vocabulário. A maioria dos contos inseridos neste livro são de caráter fantástico, em muitos uma filosofia existencialista se impregna numa hilária e cômica história, julgo que esta seja a melhor maneira de se pensar sobre a vida, de um modo cômico e engraçado quebramos uma série de pré concepções, conceitos que há tempos utilizamos e mesmo certas idéias que há muito julgava-se de teor definitivo e irrefutável. A grande vantagem dos contos é que inovamos idéias com o deleite e prazer de uma leitura descompromissada, as histórias são por muitas vezes retratações de um mundo abstrato e irreal onde as coisas mais importantes são as que se posicionam na mente e não no mundo externo.
Os contos têm também um forte caráter existencial, por conseqüência a questão espiritual é muito discutida. É irreversível: após nos darmos conta da importância destas questões não as podemos mais relegar como se fossem algo supérfluo, são simplesmente as questões mais pertinentes e importantes ao ser humano pelo fato de que são a essência das cogitações mais profundas do homem no decorrer de toda a sua trajetória através do tempo em todos os lugares do mundo. É justo por este motivo que decidi colocar este tema de importância central na vida de todos, ainda que muitas vezes estão permeados de uma trama hilariante e até de certa comicidade.
Os contos possuem relativa vantagem com relação a romances vastos e infindáveis, pelo motivo de que há grane facilidade em lê-los, não necessariamente em assimila-los, isto porque mesmo que a extensão métrica seja bastante limitada isto não quer dizer que a proporções de seu contexto ideológico seja pequena, ler um conto não é pois uma atividade de leitura e assimilação direta do que está escrito senão um trabalho fervoroso da mente em relacionar as idéias com abstrações de caráter moral, científico e fantasioso da humanidade. Ao ler é bastante provável que teu consciente profundo continue atuando nas questões mais íntimas que pelo conto foram incitadas, mesmo que você queira se desvencilhar do que foi lido. Ler um conto é atividade de proporções avassaladoras, e nisto se encontra a importância da literatura na tua vida, principalmente de uma literatura voltada para as questões essenciais do homem. Não se trata de vã filosofia, senão da filosofia, que através de um pensamento dialético, e mesmo da concepção estética do modo com que são postas palavras e situações, traz ao homem a possibilidade de rever todos os seus conceitos, e se auto incitar novas percepções da realidade externa e de sua realidade interna.

Pompeo Marques Bonini


CONTOS:
PRIMEIRO CONTO : A louca do condado.
SEGUNDO CONTO: Masdar e sua aventura.
TERCEIRO CONTO: A sombra que assolava Bellmonte.
QUARTO CONTO: As três irmãs.
QUINTO CONTO: O menino curioso.
SEXTO CONTO: Um sonho, uma corrida.
SÉTIMO CONTO: Seres fantásticos que com sorte nascem.
OITAVO CONTO: O marketing ganhou.
NONO CONTO: O desconhecido que não vemos existe.
DÉCIMO CONTO: A metamorfose de Draj.
DÉCIMO PRIMEIRO CONTO: A essência do caos.
DÉCIMO SEGUNDO CONTO: O dilema de Felisberto
DÉCIMO TERCEIRO CONTO: O fulgor de um projeto.
DÉCIMO QUARTO CONTO: Solução para dois problemas: Arte e vida.
DÉCIMO QUINTO CONTO: Para cada casca um novo conto.
DÉCIMO SEXTO CONTO: O homem que decidiu olhar à sua estante de livros:
DÉCIMO SÉTIMO CONTO: Cidade de isopor: Revisão da vida
DÉCIMO OITAVO CONTO: O discurso da lembrança
DÉCIMO NONO CONTO : O pintor de sonhos
VIGÉSIMO CONTO: Quê faz o amor?
VIGÉSIMO PRIMEIRO CONTO: A visão de Izaquiel, o bêbedo
VIGÉSIMO SEGUNDO CONTO: O sonho de todo artista.
VIGÉSIMO TERCEIRO CONTO: O amor de todos os tempos!
Vigésimo quarto conto: Suspiro de desespero
Vigésimo quinto conto: As muitas vestimentas do imperador Gasildo
vigésimo sexto Conto: A intuição
VIGÉSIMO SÉTIMO CONTO: Homenagem aos gênios
Vigésimo oitavo conto: Meio embasbacado!
VIGÉSIMO NONO CONTO: O céu de Pedro
TRIGÉSIMO CONTO: Em outro planeta
Trigésimo primeiro conto: Noites estreladas
Trigésimo segundo conto: A vingança de Dr. Loc
TRIGÉSIMO TERCEIRO CONTO: Aqueles que não souberam ouvir



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PRIMEIRO CONTO – A louca do condado
Os tambores rufavam com toda a imponência ao mesmo tempo faustoso o rei descia as escadarias dum magnífico castelo, iluminado por um sol causticante os plebeus digladiavam-se a ver toda a pompa de seus governantes. Clamorosos ímpetos insuflaram a ira do rei quando notou que uma dama de honra sentia-se constrangida por um suposto contratempo.
- Quê passa com a senhorita?
- Dentro do âmago de minhas efervescentes indagações tenho muitas dúvidas.... – Disse ela ao rei, enquanto este acorria pela escadaria à ajuda-la, no mesmo tempo em que todos os outros abismados contemplavam-nos.
- Não entendi! Explique-se mais detidamente por favor.
- Meu caro rei: Há muito tempo, eu como discípula da mais requintada família da corte fui acometida de loucura, ao menos assim acham muitos daqueles que travaram relações e conversações comigo, mas nunca julguei isto, neste mundo não sei como podem acusar uma pessoa tão honesta como eu, jamais roubei ou estorvei uma pessoa, nunca tive vontades contraditórias, e ainda assim julgam sem quaisquer circunstâncias que sou desregulada, que simplesmente sou débil e que não tenho nada de cabível....
- Não temas! – Afirmou o rei, mesmo temendo ele próprio que fosse ela feiticeira, bruxa ou que tivesse parte com o demônio. – Farei o que estiver ao meu alcance a resolucionar este seu caso, agora não posso despender mais de meu tempo, devo prosseguir à outro reinado, passe bem, e venha ao meu castelo amanhã mesmo.
- Claro, meu senhor rei, ficarei aqui, pois acaso tenha o senhor olvidado vivo no mesmo castelo que tu.
- Sim, sim... Disto já sabia. – Retrucou o rei completamente sem graça pelo equívoco, já virando o rosto à um de seus auxiliares, insinuando que este já deveria há muito haver preparado o cavalo. – Claro que já era ciente deste fato minha querida, apenas fiz esta paródia, burlesca, satírica, cômica e engraçada a ver se a senhorita notasse algo de estranho, e se acaso notasse seria um veemente sinal de que teus pensamentos condiziam com a normalidade. – Assim se safou com exímia presteza deste erro o rei.
- Claro, tudo faz sentido. – Disse a donzela extremamente satisfeita, e já menos estorvada. – Vês? Sou tão normal como qualquer outro...
- Bem... Se me concedes a permissão devo apressar-me.
Assim o rei foi resolver seus negócios de magnata, tratavam-se de negócios relativos à gado, igreja, feno e plantações. As vantagens que ficaram com o suposto outro negociante foram trocadas por uma valiosa aliança, recurso que resguardaria seu reino aos impropérios de uma futura e escandalosa guerra entre os reinos daqueles sítios. Devido ao fato de que o lugarejo não era lá demasiado distante ocorreu que no mesmo dia, no período da noite estava o rei de volta à seu suntuoso castelo. Extremamente satisfeito pediu que fosse servido um magnificente manjar, e foi-se dormir. No outro dia levantou-se de supetão pis ouvira não um mas muitos estrondos provindos da porta se seu grande e belíssimo quarto. – Mais que raios acontece neste castelo? Quase não tenho sossego! Parece mais um inferno que a casa do rei abençoado pelos desígnios de nosso santíssimo reverendo... – Então o rei disse uma série de impropérios enquanto vestiu-se enfadado com a ocorrência que curiosamente não havia cessado de ocorrer.
- Meu rei, há uma mulher desesperada querendo falar-lhe algo de importante vigor, diz ela que a questão é de tamanha importância que as coisas da terra nem os assuntos do céu podem equiparar-se à premente discussão que visa direcionar-lhe.
- Mas que desrespeito! – Blasfemou o rei, extremamente indignado com aquele funcionário, que segundo sua opinião era um vagabundo, ignorante e ignominioso que não devia nem seu respeito nem sua consideração. – Não notaste algo de estranho nela? Não percebeu que é uma louca?
- Desconfiei senhor... – Redargüiu o pobre, notando sim a impetuosidade do rei que não gostara de nada que ele dissera, e principalmente com o estrondoso modo como despertara ao digníssimo comandante. – Mas é que ela falava com tal veracidade que desejava muito falar-lhe, e que inclusive havia marcado uma reunião com o senhor. Sim, disse que seu nome é Margarida, é por certo uma pessoa bastante peculiar, uma destas burguesas, não sei se vive em nosso castelo, mas é fato que deseja com grande urgência falar-lhe.
- Claro que vive aqui, margarida é uma nobre de grande requinte e distinção. – Disse o rei, como se sempre, em toda sua vida, soubera disto, já metendo um dos braços pelo rosto do servo obediente e passando pelo estreito corredor com o nariz empinado.
O pobre ajudante ficou para trás, totalmente desfigurado pela discrepância que o rei, a quem ele muito venerava, o transmitiu. O rei, a passos largos atravessou o passadiço, não queria mais perder tempo com aquilo, quando então finalmente chegou no grande salão viu aquela linda donzela sentada numa das belíssimas ornamentadas cadeiras de ébano compradas à muito tempo de um mercador oriental, aliás por um preço bastante salgado, mas o rei não se importava com isso já que quando fez a aquisição deste produto concebeu que o valor artístico era inconcebível, simplesmente não era possível estipular, mas como não vem isto ao caso neste momento devemos com rapidez retornar ao assunto nevrálgico deste conto....
Chegando então o rei ao salão, olhou ele empertigado à mulher, à margarida, enquanto ela com um olhar confuso não sabia que dizer, somente proferiu algo quando ele comentou um bom dia ou algo similar.
- A luz meu senhor ! Vejo luzes por todos os lados e não consigo me conter. Quê serão estas coisas? Me parece um túnel ou algo similar.
- Luzes todos vêem, minha querida Margarida! Há luz no sol, na lua, nas velas dispostas nos candelabros e nos archotes embebidos em beberagens.
- Não! São luzes coloridas, pontos luminosos de todas as cores. Sim! É isto.... Por isto me chamam de louca nesta terra de ímpios. Ó, mas que dor mais cruel, não terei mesmo apaziguamento. Serás tu que poderás me dizes quê é que passa comigo?
- Margarida, por favor – reforçou o rei com boa vontade, recorrendo à outra daquelas magníficas cadeiras enquanto sentava-se à sua frente. – Não terás acaso te enganado? Não serão estas luzes como todas as outras? Por uma suposição creio que a senhora há de haver cometido um cabal engano.
- Não meu rei. – Disse ela com angustia nas feições. - O mundo não é conduido por suposições. Devemos apenas nos ater aos fatos reais tais como eles são, as suposições por certo são imaginações demoníacas que somente os bruxos ousam a colocar em vigência.
- Talvez tenha me expressado erradamente. – Falou o rei apenas para apaziguar seu ânimo e reconciliar o tom da conversa – Disseste-me ontem que dizem por aí que eres louca?
- Sim é tudo o que dizem, meu rei. Mas quê é a loucura senão a divergência de idéias?
O rei então ficou sem saber o que responder, já que concordou plenamente com sua colocação, e após um breve momento de silêncio apenas olhou-a de esguelha, já que havia criado uma distração extremamente inconveniente naquele momento, que tratava-se justamente de tamborilar com os dedos em sua perna uma canção bastante interessante, segundo sua opinião. O que deixou Margarida empertigada, e ela após estes breves momentos não suportando mais tal gesto do rei redargüiu novamente, com um tom de insistente angústia e melancólica alucinação:
- Hei de resolver estes enigmas meu rei, se acaso encontrares algo que me possa servir anseio por tuas palavras.
- Não tenho, minha cara, no momento muitas elocubrações a dizer, apenas poderia proferir vagas opiniões à respeito destas suas idéias...
- Não são idéias. - Interferiu Margarida bastante contrariada, enquanto pegava um leque negro todo rendado e de maneira afoita e frenética começava a abanar seu lindo e ingênuo rosto – Não são idéias meu senhor, as idéias ficam na mente, e o que vejo, vejo com os olhos é real, é real... São umas luzes bastante peculiares sabe? Parecem com... Com qualquer coisa que nunca havia visto até então. Uma novidade, sim isto: uma novidade.
- Têm certeza de que não são apenas idéias? É que nos últimos tempos eu andei pensando bastante sobre o assunto e cheguei à conclusão de que as idéias são tão reais quanto qualquer outra coisa que possamos estar vendo e que teoricamente esteja exteriormente com relação ao nosso ser, acho mesmo que as idéias não são apenas o que se designa por criatividade mas sim uma realidade. – Falou o rei com grande conotação, quando notou que aquele assunto se enquadrava aos seus mais íntimos divagares. – Pois veja bem: A própria palavra criatividade, é de se conceber que é a atividade que cria. Pois então aquilo que é criado é real. Se então tenho uma cria de filhotes de cachorrinho estão eles criados, vivos, belos, bem alimentados e muito reais. Assim é viável correlacionar que aquilo que criamos, a criatividade por certo, é uma realidade pois já foi criada.
- Mas quê quer dizer isto? Acaso o que vejo: estas estranhas luzes e túneis são reais? – Falou Margarida desacreditando de suas próprias crenças.
- Claro, claro. – Esclareceu o rei, com ares de superioridade. – Veja bem minha amiga: a partir do momento em que criamos uma idéia será ela uma parte de nossa realidade, e por certo algo real, mesmo que seu início tenha se procedido no campo das idéias e não no campo exterior ao ser.
- Sabe, meu rei, acho que o senhor explica-me tudo de maneira bastante singular. – Disse a mulher respeitosa e alegremente. – Mas por vezes tenho dificuldade em assimilar estas idéias, pois que assim seja! Não quero saber amiúde dos detalhes, a min me basta saber a verdade, pois esta será somente uma. Não é?
- Claro que sim! A realidade há de ser uma e não mais, inclusive assustei-me diante de tua prodigiosa afirmação: A loucura é apenas a diferença de idéias, tão verdadeira quanto é a própria vida. Mas no que se refere à estas diferentes e coloridas luzes diria que, segundo minha teoria é algo que por certo por ser ou haver sido provinda de sua imaginação criativa, o que pode também ser chamado de alucinação, entretanto em nosso mundo e em nosso tempo ainda inexiste esta concepção, por este motivo não posso afirmar tratar-se disto, o que por certo creria se nossa tecnologia e ciência permitisse, ma como esta realidade trata-se de um conto ambientado num lugar dos mais longínquos e num tempo dos mais remotos ainda não estou apto a concluir diagnósticos de tais prodigalidades ( e nunca estarei, pois o conto se acabará antes que se passem as 500 gerações necessárias de minha dinastia ). Hilaridades à parte, eu diria por certo que se não pode ser alucinação ou é realidade externa ou interna, sendo que quando é interna não deixa de ser externa.
- Como assim? – Perguntou ingenuamente Margarida pegando um pedaço de pão de maneira audaz, duma mesa em que estavam dispostos uma série de guloseimas do café da manhã real.
- Bem... – Elocubrou o rei, enquanto consentia com a periculosa e arriscada audácia da mulher em usurpar comida real. – explicar-lhe-ei com a maior boa vontade, dentro de minhas capacidades é claro.... errr... – Disse ele fingindo simplicidade e humildade enquanto preparava a garganta com um grunhir bastante estranho, bastante similar à um cavalo relinchando ou à um porco roncando alto, som ao que ela assustou-se e julgou espalhafatoso mas fingiu não notar o ato deselegante. – O que quis dizer quando disse que a realidade interna não deixa de ser externa é que o mundo não é tal como prevemos por regras, mas sim como sentimos por idéias, sentidos e ilusões... Cada um vê o mundo de maneira distinta, assim como disse a senhorita de maneira espontânea e perspicaz, assim, se cada um vê o mundo da maneira que quer e bem entende, duma maneira distinta, peculiar e diferente todos então são loucos, já que isto se entende por loucura. Isto eu disse baseado nos preceitos de que cada pessoa deste, e de todos os outros reinos têm valores morais diferentes, idéias das mais variegadas, concepções de obscuras às luxuriantes e crenças das diabólicas às angelicais, por isso o mundo não é só um. Eu diria de maneira originalíssima que os mundos são muitos, e tantos quanto o número de pessoas que neles vivem, como s cada um, por ver o mundo de maneira diversa o tranformasse numa veia deste. Há tantas veias que parecemos então viver num entrelaçado infindável de veias, sendo que o sangue que corre por todas elas é o mesmo: a essência do mundo!
- Quer dizer o senhor, respeitável rei... – Disse margarida consternada com as idéias com as quais tomava contato, e procurava assimilar na medida em que recebia aquela avalanche de informações, ao mesmo tempo que pegava uma belíssima amostra de maçã silvestre dum cesto de prata, e logo em seguida sentisse em seus lábios carnudos seus doces e sussurantes sulcos. – Quer dizer que a essência é só uma mesmo a pesar de todos serem loucos, de todos terem visões diferentes do mesmo mundo?
- É... – Tentou concluir com dificuldade o rei, afeiçoando-se da donzela quando notou finalmente que ela era de belíssimas feições, com uns olhos azuis brilhantes como a alma mais pura que pudera haver visto no condado, assim quase sem saber o que falar, enquanto a contemplava balbuciou. – É justamente isto que eu tentava dizer, que os mundos são muitos, mas que somente uma essência verdadeira corre por eles, é só um sangue que corre por nosso corpo, mas ele por certo irriga órgãos tão diferentes quantos são a águia da cotovia. – Concluiu finalmente num tom anatômico e zoológico, admirado por sua própria afirmação e supostamente pelo brilho que via emanado daquela belíssima mulher...
Margarida naquele momento nada respondeu, apenas admirou-se por concluir a simplicidade daquelas idéias, mas ao mesmo tempo embebeu-se da profundidade das mesmas, continuou então a comer aquelas belíssimas, refinadas e requintadas iguarias, juntamente com o rei, que neste momento ficou rubro, com um olhar acanhado e um sorriso forçado, pois foi este o justo momento que se sentiu envolto numa mística paixão, que decorreu mais tarde num casamento de extraordinárias proporções, com as festas mais respeitáveis e admiráveis, nas quais eram convidadas além das famílias mais nobres da comunidade o próprio populacho. Enquanto à guerra anteriormente citada, esta não ocorreu, deflagrando apenas num blefe que quinta categoria, o que tragicamente repercutiu ao rei numa inevitável perca de muitos equitares e muitas cabeças de gado sem haver se aproveitado devidamente das valiosas prestações de serviço do exército que se prostrara à ele devido à aliança feita com o outro condado. Mas como na vida não se sabe ao certo o destino de todas as coisas foi de se estimar a alegria que o rei teve em proferir uma frase bastante conhecida, levada à posteridade por seus condescendentes, e fixada profeticamente nos anais das mais laboriosas regras do castelo: - Mais vale amar à disparidade da vida que esperar à cáustica e inexistente guerra!


SEGUNDO CONTO: Masdar e sua aventura.

Num longínquo vilarejo a oeste de um distante e desconhecido país vivia uma pessoa de sexo masculino cujo condinome era “Masdar”, era um espião infiltrado na cidadezinha para descobrir algo que não era comentado, já que era ultra-secreto.
É assim que se inicia nossa estória... Um dia bastante alegre e ensolarado, as flores rebolavam ao cantar dos ventos, enquanto que o céu se desdenhava num límpido azul, os pássaros cantavam alegremente enquanto que os peixes gorgolejavam sem pestanejar. Um cachorro ladrava com desespero enquanto que num formigueiro ali perto as formigas trabalhavam vertiginosa e incessantemente. As galinhas cacarejavam e finalmente nosso herói de Masdar trabalhava em seus estudos ultra-secretos, os quais neste momento não posso revelar por serem de caráter oculto à todas as pessoas que não sejam o próprio Masdar.
Neste ambiente agradável e natural Masdar procurava pistas com sua lupa, que porventura fora comprada numa feira hippie há muito tempo atrás. Deparando-se com um exemplar de besouro de grande excelência parou sua caminhada por momentos para contemplar a criatura e inclusive disseca-la com um canivete suíço comprado não à tanto tempo quanto a lupa. O interior do inseto era de grande magnificência segundo as presunções do espião, uma opinião destas provinda dele era de grande valia já que era um exímio colecionador de besouros. Após longas horas de observação ao pequeno cadáver o guardou em um dos bolsos visando colocá-lo num recipiente à posteriori.
Foi neste momento que notou estranho movimento num estabelecimento das proximidades, pois um homem trajado dum casaco negro bastante espesso andava de forma sinistra pelas ruas da cidade, Masdar pensou bastante antes de se decidir, pois sabia que as ações de um homem de bem deveriam ser muito bem planejadas e minuciosamente organizadas, foi neste momento em que pensou que este deveria tratar-se de um indivíduo bastante suspeito pois era um dia de calor, e não haviam motivos lógicos para se utilizar tal tipo de casaco. Num ato de total heroicidade correu em direção de onde havia visto o suspeito, porém como houvera ficado muito tempo estagnado em seus divagares sobre o caso ocorreu que este desaparecera de qualquer lugar por perto.
Masdar sabia que a tristeza era uma das piores características que poderia ter um espião, por isso fingiu ficar alegre mesmo com o fato de fugir sua presa, neste momento deu um tapa no cachorro que ainda latia de forma contínua e avassaladora, neste momento calou-se o cachorro e inexplicavelmente os pássaros também. As formigas continuaram o trabalho, e as flores passaram a rebolar ao lado oposto do que faziam antes, tudo estava no comando do vento, comando do vento e comando do homem de negro... – Sim! Pensou Masdar, era evidente, pois tudo constava nos tratados e textos que houvera estudado. Este era o malévolo mestre do caos, estava em seus documentos ultra-secretos. Sem hesitar começou a correr como desesperado ao redor e através da cidade em busca de pistas que lhe aclarassem algo mais. Porém sem êxitos a única coisa que logrou foi exterminar a cidade e em conjunto as formigas que com muito esmero trabalhavam, também amassar à flores, que nesta altura já nem rebolavam nem faziam a aquisição de energia através da captação de luz solar.
Para nossa tristeza este hilário espião jamais conseguiu completar sua missão, mas com seus frenéticos e incalculáveis atos conseguira destruir todo um vilarejo, muitos o reconhecem por irresponsável, outros ainda insistem em dizer que são aceitáveis seus atos, mas no final das contas o que importa é que nunca sabem quais são seus planos ultra-secretos, com exceção de min e de você leitor, ao qual fora citado de forma ilícita.
Não nos atemos em dizer que seu trabalho fora inteiramente desperdiçado já que lograra completar sua coleção de besouros e ainda conseguira inusitadamente criar um poder incomensurável sobre as forças da natureza, era algo que tampouco ele entendia, ao final tudo se acerta com o devido destino.

TERCEIRO CONTO: A sombra que assolava Bellmonte.

Imaginem que suas vidas dependem da corrida, que justamente num determinado momento de suas vidas devessem correr para sobreviverem. É muito interessante pensar que se um negligente ladrão não correr é preso pela polícia, pois então prestem atenção neste misterioso conto, que foi proferido pelas vozes de diversas gerações de uma família, em todas as noites de intenso frio todos reuniam-se em frente à lareira da casa, e quando estavam dispostos trocavam idéias sobre os mistérios que cercavam a comunidade...
Era esta uma noite de medo. O frio era muito e acontecia lá fora uma estrondosa chuva, todos da família, uma grande família, se uniram diante da aquecida lareira para conversas, as crianças há muito dormiam pois já era tarde da noite. Estavam ao todo em cinco pessoas, e o mais velho era José da Silva, um ancião. Todos se aqueciam quando subitamente o ancião grunhiu em uma tosse, que na verdade era presságio de que ele queria falar algo. Seu rosto estava bastante sério, e iluminado pelo fogo, por vezes o fogo deixava transparecer a escuridão.
Os estalidos do fogo que crepitava na lareira eram agradáveis de serem escutados, porém, no mesmo momento em que o ancião dera o sinal de que iria falar todos se entreolharam com surpresa, pois já havia bastante tempo da última vez que ele falara algo imponente como aquilo que estava deixando claro que faria. Assim José da Silva principiou a falar:
- Sabem todos que já não estamos no lugar em que estávamos antes...
- Que quer dizer com isso pai? – Perguntou o filho surpreso.
- Não sabeis então a história do homem que ingenuamente morreu num lugar longínquo?
- Não. – respondeu, enquanto todos se entreolharam já meio assustados com o tom de voz que proferira aquelas palavras o ancião.
- Então vos contarei o que foi que ocorreu a certo tempo atrás, nas montanhas de Bellmonte.
Assim, com palavras bastante grulhentas começou o ancião a falar, todos se viram bastante entretidos com a narrativa que se seguia...
Antigamente pensava-se que a floresta das montanhas de Bellmonte fossem vazias, e que ninguém vivesse em lugares tão inóspitos, porém com o tempo, alguns caçadores que se aventuravam a invadir a área diziam que viam sombras ou vultos pela área. Himerk, um destes caçadores era bastante insistente, e decidiu que iria sempre caçar naquela área, enquanto isso os outros eram afugentados pelo grande temos que provocavam aquelas sombras pavorosas.
A floresta de Bellmonte é bastante espessa, e possui animais de variados tipos, Himerk era um caçador bastante valente, porém sabia distinguir perfeitamente a sombra maligna dos animais que caçava, e certa vez estava procurando por um javali, mas no exato momento em que iria dar uma flechada no javali ocorreu que a sombra misteriosa fez com que o animal simplesmente desaparecesse. Foi muito engraçado, pois o javali de um segundo para outro não estava mais lá, e nosso querido personagem ficou espavorido com esta situação, nunca vira ele ocorrer algo semelhante. Com grande resignação tentou procurar outro animal, mas no mesmo momento em que iria conseguir capturar o animal ocorreu que o animal foi envolvido pela sombra e sumiu.
Eram acontecimentos bastante misteriosos, que eram comentados por todo o populacho, os caçadores sempre fugiam espavoridos, mas nosso personagem era tão insistente que num destes dias ficou perplexo pelo fato de descobrir o que realmente era a sombra. Num dia de muita chuva, um verdadeiro temporal foi ele caçar e se deparou novamente com a sombra que lhe roubava as caças. Constrangido com o fato de sempre ter de voltar para casa sem comida e já tendo passado fome a alguns dias ocorreu-lhe a idéia de conversar com a sombra e então disse à ela da seguinte maneira:
- Quem é você?
- Eu sou a sombra – Lhe respondeu ela
- Isso eu já sei.
- Então que quer saber?
- Por quê me rouba a caça todos os dias?
- É uma simples brincadeira.
- Não me agrada esta brincadeira. – Disse o caçador extremamente contrariado
- Mas o fato é que eu gosto de brincar.
- Isso já percebi, mas não admito mais
- E quê fará você diante de todo meu poder
- Não sei direito ainda.... – O caçador parou uns momentos para pensar, e na verdade não sabia direito articular as palavras para com a sombra, pois nunca imaginara que uma sombra pudesse falar.
- Então espero que quando você souber, me diga sua opinião à este respeito.
- Tudo bem...
Ao chegar em casa o caçador, que vivia de forma solitária, acendeu a lareira e ficou pensando diante do fogo que estava com muita fome, e queria de qualquer jeito caçar, porém havia uma sombra malvada que sempre lhe roubava a caça, e de qualquer forma ele deveria resolver esta situação. Pensou muito, até que num determinado momento chegou à conclusão de que uma sombra deve sempre Ter algo como base. Partiu para chegar à esta conclusão do principio de que ele mesmo tinha uma sombra.
No outro dia, no mesmo momento em que a sombra apareceu para roubar-lhe o jantar, ele gritou impetuosamente:
- Não faças mais isto monstro!
- Não profiras tais palavras comigo – revidou a sombra.
- Pensas que sabes de tudo?
- Não, em hipótese alguma.
- Então peço gentilmente para que não venhas a acabar com todas as minhas caças, pois se assim for morrerei de fome.
- Por quê não fazes como os outros caçadores que fogem espavoridos de medo?
- Simplesmente porque sou um caçador insistente.
- Gosta de ser cabeça dura?
- Cabeça dura? Quê quer dizer isso?
- Insistente.
- Não somente gosto como propriamente sou.
- Então quer dizer que estás me desafiando a um duelo.
- Exatamente, se é isso que quer dizer a senhora.
- Então verás de que é feita toda minha veracidade
Neste momento a sombra começou a se transformar em uma árvore gigantesca, as raízes eram verdes, e começou a parecer um verdadeiro monstro, cresciam cada vez mais suas folhas e suas raízes, num determinado momento começou a aparecer uma enorme boca com dois olhos vermelhos e brilhantes, também haviam dentes afiadíssimos no bocarrão, o caçador era muito valente, mas não conseguiu resistir à tamanha fúria, pois aquela árvores cresceu tanto que ficou do tamanho de um edifício de 10 andares e o engoliu por inteiro.
Estando engolido o caçador se viu em um jardim bastante agradável, tudo parecia ter sido um sonho, neste jardim havia uma grande mesa, e nesta mesa comidas de todos os tipos, sentados ao longo da mesa muitos caçadores, acontece que para entrar neste cenário inóspito ocorreu uma queda, e o caçador de que estamos falando caiu justamente em cima da mesa que estava lotada de especiarias, ao esmagar todos os tipos de comida, alguns caçadores que estavam sentados ao redor da retangular mesa reclamaram avidamente de que assim não era possível comer, pois à todo momento caiam caçadores loucos na mesa. Assim retrataremos agora o diálogo que transcorreu entre Himerk e os caçadores da távola retangular:
- Assim não é possível me alimentar – Disse um dos caçadores que comia um pernil de javali no momento da queda de Himerk.
- Perdão. – disse Himerk. – Onde estou?
- Está bem, lhe contarei toda a história. - Disse um caçador que portava um gigante machado nas costas. – E assim principiou ele desta sorte: - Há muito tempo surgiu a lenda s da sombra maldita, e nesta lenda estamos inseridos todos nós, pois a sombra nada mais é que uma gigantesca árvore que gosta de engolir à todos os seres vivos que estejam na floresta, sejam estes animais ou seres humanos, especificadamente caçadores. E nesta farta mesa conseguimos nos alimentar perfeitamente, já que, tudo o que esta árvore come cai em cima desta mesa.
- Mas que história mais estranha! – Volveu Himerk com bastante ênfase na palavra estranha.
- É estranha e alegre, pois desta forma podemos comer tudo o que esta árvore come, pois quando ela come os animais silvestres, estes caem exatamente em cima deste desta mesa, e com isso nossa mesa esta sempre farta!
- Excelente idéia. Porém tenho uma grande dúvida.
- Qual perguntou o brutamontes do machado gigante.
- Há quanto tempo vocês vivem neste lugar estranho?
- Alguns estão aqui a mais de 10 anos.
- Quê coisa terrível – Exclamou Himerk, pensando na idéia de Ter de ficar ali mais de um dia.
- O fato é que gostamos muito deste lugar, é lógico que às vezes nos deparamos com alguns problemas.
- Quais?
- Há momentos em que a sombra têm indigestão.
- Por quê teria?
- Houve um dia em que ela engoliu um caçador muito gordo, este pesava mais ou menos 250 quilos, quando caiu na mesa além de parti-la em dois pedaços matou dois de nossos colegas.
- Creio que este seja fato bastante natural aqui.
- Há uma média de dois magros para um gordo, porém esta média está mudando cada vez mais, pois ultimamente os caçadores têm ficado cada vez mais magros.
- Por quê? Perguntou Himerk ingenuamente,
- Por causa da própria sombra que come a todos os animais da floresta.
- Há alguma saída deste lugar horrendo em que não há lindas donzelas? –Perguntou o caçador curioso.,
- Até agora não decidimos procurar, sabe como é, né.... as coisas vão acontecendo e tal...
- Mas quê ignor6ancia! – Gritou o caçador indignado com aquele fato. – Como podem vocês ficar o dia inteiro sentados em cima de uma mesa após serem engolidos por um monstruoso bicho? Quero logo saber o que podemos fazer para sair deste lugar.
- Boa idéia. - Disse Dani, que era o grande caçador do machado grande. – É algo que confesso nunca haver pensado antes, quero dizer à você que esta é uma idéia inteligente e sábia
- Pois vocês são pessoas estagnadas, que com sinceridade de um caçador direi: ficam esperando que as coisas fiquem caindo do céu.
- Não digas isso amigo, pois lhe consideramos muito por ser caçador, disse outro caçador extremamente gordo que comia cinco fatias de carne assada de uma só vez.
Himerk fez amizade com todos os caçadores que viviam naquela mesa, e após meia hora de conversação, influenciados pelas idéias de Himerk, todos os caçadores em um grande conjunto decidiram ir correndo até os confins daquele jardim, foi uma corrida bastante longa, em que alguns não conseguiram completar, e pararam na metade do caminho para vomitar, mais ou menos 15 caçadores conseguiram completar o percurso, que era cercado de verde repasto e um céu azul esplendoroso. No final de tudo, o percurso acabava em um tecido esponjoso muito estranho, uma gigantesca parede que não tinha final para os lados, tampouco para cima, parecia se estender infinitamente.
De forma bastante discreta um caçador perguntou a Himerk, julgando que este era um caçador muito sábio:
- Quê será isto?
- Parece ser uma parede infindável – Constatou Himerk.
- Mas isso é evidente – volveu ele. – Creio que deveríamos concluir que parece ser o tecido epitelial de nossa amada sombra.
- Quê?
- A pele do monstrinho...
- A sim...
No momento em que foi constatado que isso parecia ser a evidência mais verdadeira todos os caçadores, em uma ação conjunta rasgaram aquela parede estranha utilizando suas armas, conseguiram deste modo sair pela barriga do monstro sombra com grande alegria, espavoridamente o monstro deu seu último grito na vida e morreu.
Neste momento o ancião concluiu com palavras breves porém sabias.
- Vejam meus queridos filhos, que, a corrida a pesar de parecer algo estranho pode tirar os homens de estranhas sombras.
Todos ficaram pensativos com o conto, e no outro dia experimentaram correr, tendo uma sensação de que certa forma saíam de alguma espécie de sombra, experimentando vida nova.
Sucintas conclusões:
a) A corrida nos liberta das sombras da obesidade.
b) Não desafie o desconhecido.
c) Em caso de ser engolido: procure a saída.
d) Não se contente com ficar estagnado na vida.
e) A corrida liberta da ignorância.

QUARTO CONTO: As três irmãs.

Meu nome é Rodolfo e farei uma descrição que pode parecer engraçada à alguns porém pode ser de muito caso para outros, mas que no meu julgamento é no mínimo bastante criteriosa; Minhas três irmãs são bastante conhecidas pela insistência que possuem quando querem alguma coisa, e tinham uma grande vontade de fazer uma viagem para o exterior de avião. Fiquei bastante feliz quando disseram à min que iriam ficar fora por bastante tempo, porém foi de extraordinária coincidência e extenuante para minha sorte o fato de que eu faria uma viagem à trabalho justamente à mesma cidade em que elas iam, pois tenho grande aversão às suas idéias por serem demasiadamente infantis. A solução mais plausível que encontrei naquele momento for criar o primeiro contrato de aversão já visto na face da terra. Neste contrato inseria-se a clausula de que elas não poderiam aproximar-se além do limite de três quarteirões de minha pessoa. Foi de grande inteligência pensar nesta distância já que a cidade era muito pequena e uma distância superior à esta incitaria à uma saída da cidade, porém para minha desgraça o hotel em que elas ficariam hospedadas era o mesmo que o meu, e para maior azar estávamos em um apartamento defronte ao outro. Fiquei tão infeliz com esta idéia que decidi telefonar diversas vezes ao hotel pedindo que me transferissem de quarto, que fosse o andar mais distante possível daquele, dizia à recepcionista que tinha uma aversão ao número do andar para que ela não pensasse que estivesse louco, fiquei indignado com o tom de voz que fazem estas recepcionistas impertinentes, aquela voz de quem se acha a dona da razão e sabedoria universal: - No momento não temos outros quartos disponíveis meu senhor. – É verdade que não tinham, mas aquela voz me causava raiva, parecia ser uma pessoa odiosa aquela recepcionista, o fato mais intrigante é que eu não sabia se a maldizia pela informação dada ou pelo tom de voz. Tanto um quanto outro eram terríveis concluí eu desligando o telefone com grande indignação. Por quê acontece sempre isso, parece que os hotéis são em toda essência fontes inesgotáveis de problemas das mais variadas origens, nunca cheguei a gostar de hotéis, uns são de péssima limpeza, outros não possuem sequer janela para respirar-se, já vi inclusive ratos andando pelo lavabo, mas isto que acontecia-me agora era insuportável, não poderia me contentar com o fato de ter de dividir o mesmo andar com três irmãs impertinentes, haveria de por um fim nesta situação. Telefonei novamente ao hotel, e no momento em que aquela voz escarnia da recepcionista penetrou no meu cérebro sensível à tal sorte de pessoa pedi-lhe educadamente para não transparecer minha raiva que chamasse o administrador do hotel, e assim me respondeu ela: - Qual é o assunto? Não, isto não poderia ser realidade, como aquela pessoa falava desta enfadonha maneira comigo, tratava-me como um ignorante, extremamente nervoso, e deixando transparecer uma fúria incontrolável que provinha sobretudo na aversão que tinha por minhas três irmãs falei-lhe: - O assunto não é de teu interesse! Chame o gerente agora ou farei um escarcéu. – Sinto muito senhor, mas o gerente está numa importante reunião. – Importante reunião? Pensei... Que raio de reunião seria esta no justo momento em que eu tinha necessidades de motivos maiores para falar-lhe, o fato intrigante é que realmente acreditei que ela havia inventado tal reunião para ludibriar-me, e com isso além de ter grande aversão por minhas três irmãs criei uma grande desavença para com esta mentirosa, falsa e inescrupulosa secretária, aliás, a partir deste mesmo dia comecei a acreditar que todas as secretárias eram mentirosas, falsas e inescrupulosas.
Chegando no dia X me apresentei ao serviço no qual estou com muito esmero, pegando a passagem de ida para a cidade, parecia que uma verdadeira onda de azar passava por min naquele momento, pois o avião no qual eu iria viajar era exatamente o mesmo que minhas três impertinentes. À quem lê neste momento as palavras de um diário já escrito digo que não quero ser considerada uma pessoa egocêntrica ou injusta, pois sei que em minha total naturalidade já tentei diversas vezes tentei manter relações de paz e conciliação com elas, porém tamanha eram as inimizades que passamos a não conseguir conviver em harmonia como, julgo eu, o fazem todas as famílias aproximadas do que é considerado normal. Ao entrar no avião avistei-as logo na primeira fila, e fingindo não as ver segui reto, é verdade que talvez meu olhar tenha parecido demasiadamente robótico, pois olhava sempre para frente, fiquei até meio tenso propositadamente para que elas pensassem que não as havia realmente visto que ali estavam, porém é tamanha a insistência que estas chatas tem que gritavam meu nome em uma espécie de canto de índio, inclusive batendo palmas e fazendo louvores à minha pessoa como se eu fosse uma espécie de herói: - Rodolfo é nosso grande amigo! Estavam elas tão empolgadas que pareciam acabar de vir de uma festa agradabilíssima, grande foi minha infelicidade ao ver que algumas pessoas e gradativamente mais pessoas perceberam quem era este Rodolfo, no momento em que o avião já havia partido havia passado o tempo suficiente para que todos os passageiros ficassem cientes de que a pessoa que elas idolatravam era eu mesmo, e parecendo estar hipnotizados pela alegria em que estavam inseridas minhas esganáveis irmãs todos os passageiros em um grande coral para lá de afinados começaram a cantar: - Vamos fazer as pazes todos com Rodolfo! Isso tudo de forma repetitiva, funcionava mais ou menos como um “mantra” das seitas orientais, chegou um momento em que achei que estava fora de min, passara-se meia hora do inicio do vôo, procurei manter a calma sempre dentro de minhas capacidades, mas sou humano, e sei plenamente que qualquer ser humano têm seus limites, é verdade, há um momento em que as coisas tornam-se insuportáveis, e houve algo que foi realmente o que eu chamaria de gota da água para que eu explodisse de raiva, agora a situação se agravara muito, pois os cantos eram mudados, e as pessoas decidiam em conjunto mudar as canções, porém por mais que mudassem sempre estava inserido o meu nome como principal tema, uma delas posso citar, era exatamente assim: - Rodolfo é nosso grande campeão, nós os prezamos, idolatramos, amamos, têm grande confiança e é uma pessoa sensacional! Este era o que dizemos por primeiro coro, avia ainda mais o que chama-se segundo coro, o que me deixava muito emocionado também, e este era assim: Rodolfo, Rodolfo, Rodolfo, venha até nós que lhe daremos todo o amor que há no mundo, não tenha medo de se mostrar pleno com todos que aqui estão, sejais mais humano que antecedemos as palavras! As músicas eram mudadas de forma gradativa, de forma que eram mudados apenas alguns detalhes de minuto em minuto, porém com o passar do tempo elas ficavam totalmente diferentes, comecei a achar que eram muito bonitas num momentos, outras achava que haviam ficado feias senão até desagradáveis. Nunca fizera um curso de música até então, porém ocorreu-me que neste momento eu estava perfeitamente comparável à um crítico de música erudita, foi isso que fez com que ficasse extremamente desconfiado que naquele avião se encontrava uma verdadeira fraternidade de cantores e corais o que pude constatar ser fato de grande veracidade quando chegando na cidade vi que haveria uma peça de canto barroco. Tornando a dizer algo sobre a gota da água que me deixou furioso foi quando começaram a cantar o seguinte verso: - Rodolfo não gosta de secretárias bonitas e charmosas, e não as entendem quando dizem a verdade. Este foi inclusive um momento em que até os comissários de bordo cantavam em uníssono. Neste preciso momento levantei-me para esbofetear minhas irmãs e dar uma verdadeira lição nelas, pois tinha absoluta certeza de que elas haviam espalhado aquele falso boato pelo avião, além disso elas que tinham iniciado aquela espalhafatosa cantoria, porém inútil foi meu intento sendo que as aeromoças contiveram minha ira segurando-me no assento e dizendo que estávamos no momento do pouso e deveria ficar no acento com o cinto. Eu sabia que o resultado seria desagradável já que estas três irmãs sempre me pregam peças das mais diversas, este é leitor destes escritos o único motivo que me leva a querer distâncias de suas personalidades que diria em uma palavra bastante condizente com a verdade macabras. Assim passou-me esta desventura, não é de se surpreender que no hotel tenha sido diferente, pois mesmo que tenhamos nos distanciado ao sair do avião foi ao mesmo tempo que entramos no hotel, a confusão foi muito grande quando aquela mesma recepcionista que me havia atendido ao telefone ao saber que éramos da mesma família quis colocarmos num mesmo quarto, me senti extremamente constrangido ao saber que ela já havia feito tais mudanças, sem mesmo consultar os clientes hospedados, principalmente à min, que sem querer me considerar uma pessoa exigente quero ao menos exigir meus plenos direitos de consumidor, parecia uma onda de gigantescas proporções, nunca havia pensado antes como o azar poderia atingir à uma só pessoa numa tão devastadora e cinegética sorte de acontecimentos. Pois que fosse assim, se as coisas não andavam como eu realmente havia previsto, eu certamente era quem deveria andar segundo a confluência dos fatos. Neste momento além de fingir aceitar com grande estabilidade as informações que passava a maldita daquela secretária, dissimulei também reatar amizade com as irmãs, que uma delas iria dormir comigo já que o quarto era de dupla face com duas camas em cada parte. Minha alegria provinha de uma falsidade bastante grande, porém meus sentimentos começaram a ficar mais livres e aparentemente verdadeiros, só então neste momento descobri que amava minhas irmãs, pois foi de toda aquela cantoria que recebi no avião que vi que era uma maneira que elas tinham encontrado não só de me bajular como também de demonstrar o afeto que ela tinham em min, num ímpeto de arrependimento comecei a chorar copiosamente pedindo perdão por tantos agouros que havia proporcionado à elas, elas realmente consentiram e entenderam, ou procuraram entender a fonte de tantos desafetos e tantas amarguras. Ainda hoje penso em tudo que me ocorreu, sinto-me bastante feliz por Ter as irmãs que tenho, e vi que no final das contas tudo deu certo, pois casei-me com a secretária, com a qual tenho grande afeição e fiz as pazes com minhas irmãs. Agora vocês devem estar se perguntando o que isso tudo deve Ter a ver com corrida, isso eu não posso responder, pois foge à minha razão, porém que esta, como muitas outras estórias sirvam de exemplo de boa conduta, e que não seja tão somente uma simples história cômica como muitos a julgam.

QUINTO CONTO. O menino curioso.

Em uma cidade longínqua vivia um homem bastante curioso, pois seus modos eram de todo extravagantes. Nunca se contentava com as coisas que sua cidade proporcionava. Seu nome era Pablo, era descendente de espanhóis, cabelos negros e curtos, olhos escuros, nariz curvado de estranha conjuntura, pele morena, testa larga e estranha, sangue forte e uma pessoa bastante culta.
Seu dia a dia era bastante regrado, era uma pessoa bastante exigente, tão séria que proporcionava-se poucos momentos de alegria. Vivia solitário, pois viera de terras distantes a instalar-se nestas terras que ele mesmo considerava ingênuas. Vivia todo o dia escarafunchado em volumes bastante grossos de livros estranhos. Seus vizinhos não gostavam dele pois ele tinha um olhar carrancudo e nunca falava com ninguém, era isto para as pessoas sinal de que ele era mago ou coisa parecida, ninguém ousava proferir uma palavra diante de sua pessoa já que tinham muito medo.
Ocorreu que um dia um garoto bastante maroto e aventureiro, crendo que Pablo fosse um ser maligno quis por um fim em seus planos diabólicos, e este garoto, envolto em suas idéias imaginativas decidiu que um dia iria entrar na casa, não sabia de que maneira, mas fazia muitos planos para conseguir tal feito.
O garoto tinha por volta de seus 10 anos, era muito diferente dos outros garotos, já que sua imaginação era tamanha que tomava posse de quase todos os seus pensamentos, talvez decorrente disto pensou ele que Pablo fosse um ser das trevas, sem muitas outras explicações que sua razão pudesse encontrar ele esperou num Sábado chegar a noite, e esperando que toda sua família dormisse pegou uma máquina fotográfica um caderno de apontamentos e saiu de maneira soturna para a rua, e, lá chegando sentiu uma pontada de terror, não sabia o que poderia ocorrer.
Olhando para a casa de Pablo logo viu que o melhor plano seria escalar a parede dos fundos para escapar à um possível encontrão com o dito cujo. Agora já sentindo um prazer macabro adentrou-se na escuridão sentindo-se como um gato de prazeres malignos, pois pensava que se deveria enfrentar um ser pertencente às forças do mal logo deveria portar-se da mesma maneira. Seus pensamentos eram tais que começaram a transformar sua própria natureza de modo que este garoto se viu cada vez mais consumido em sua própria loucura. Quando escalou cautelosamente o muro deparou-se com uma janela aberta, esta estava mal iluminada, como se chamuscos de luz saíssem dela, logo com grande conotação decidiu que era o momento certo de saltar do muro para a janela, e sem dificuldades o fez. Pois foi isto que ocorreu, e entrando na casa deparou-se com muitos livros jogados por todos os lugares. Era um quarto semi iluminado, os livros eram jogados de qualquer maneira, como se houvesse ocorrido uma verdadeira confusão dentro daquele quarto. Muito feliz por haver trazido sua câmara fotográfica logo começou a tirar fotos e documentar a proscrita situação no seu livro de notas.
A porta deste quarto se encontrava semi-aberta, a luz advinha desta abertura, e parecia ser luz de vela já que era uma luz inconstante, pois o garoto todavia mais absorto em seus pensamentos entrou num estado de letargia mental, se viu encontrando com o homem misterioso dormindo, porém foi uma visão produzida por sua própria imaginação, e por momentos sentiu que não conseguia com perfeição distinguir se já estava no quarto de dormir ou ainda naquela sala cheia de livros. Despertando-se daquele estado de letargia mental viu-se deitado acima de muitos volumes de livros, e, levantando-se de súbito muito assustado colocando uma das mãos na parede para apoiar-se tentou recordar-se dos últimos acontecimentos, e viu-se pulando um muro e entrando num quarto cheio de volumes, logo utilizando sua razão achou que aquilo tratara-se de um fato deveras extraordinário, pois tivera certeza que vira o cadáver de Pablo jogado em uma cama, não, logo pensou que aquilo realmente fora um sonho e tendo-se finalmente acordado de tal acontecimento fantasioso prostrou-se em posição defensiva diante daquela porta entreaberta, tinha muito medo de ser descoberto, a luz de vela brilhava com ardor, e quando com a mais suprema cautela possível encontrar em um ser humano de sua idade se aproximou do corredor viu que na verdade aquilo era muito estranho pois diante dele não estava um simples corredor mais um verdadeiro túnel. Por momentos achou que estava em um sonho, mas logo certificou-se de que a arquitetura daquela casa não era como aparentava ser quando vista de fora, pois nunca imaginara que pudesse haver um túnel daquela conjuntura numa casa tão pequena. Pois num ato de bravura penetrou no túnel, que era iluminado por candelabros colocados alternadamente nas paredes.
Lembrou-se neste momento de alguns contos medievais que lera, pois era muito parecido este corredor com alguns dos contos e histórias de tempos antigos, era composto de pedras gigantes, era úmido e bastante lodoso, de forma que não tinha tanta segurança enquanto caminhava por ele, parecia que já havia caminhado cerca de 500 metros e julgava que havia um leve declive no transcurso do corredor, quando chegou a outra porta entreaberta, desta porta saía um tipo de iluminação bastante diferente, pois era uma iluminação verde. Inscritas na porta estavam palavras de idioma desconhecido, o garoto ficou neste momento ao mesmo tempo assustado e curioso, pois era tamanha a sua imaginação que logo quis traduzir uma palavra ou outra, porém foi bastante infeliz neste intento.
Derrepente começou a ouvir batidas constantes seguidas de um láguido e horroroso gemido de dor e terror, sem esperar mais um minuto entrou sorrateiramente pela porta, penetrando pela escuridão que predominava no local. Deparou-se com uma figura de traços horrendos era uma espécie de dragão misturado com cavalo, chegou à esta conclusão pelas patas de cavalo e uma crina bastante esvoaçante, mesmo na ausência do vento. Ficou muito assustado, via com muita clareza que este dragão consumia centenas de livros, se apercebera que o olhar do dragão era exatamente o mesmo que tinha Pablo quando andava nas ruas da cidade, bastante taciturno, porém, aos poucos este dragão começou a transformar-se em Pablo, aquela figura tão desconhecida em sua verdadeira essência na cidade, e aos poucos o horror do garoto transformou-se na mais pura simplicidade e curiosidade, pois, à medida em que ocorreu a lerda transformação do dragão, o menino não sabia se deveria se esconder atrás de umas estantes cheia de livros ou se expor um pouco mais de modo a ver o que estava ocorrendo.
De uma forma mágica o dragão finalmente havia transformado-se totalmente na figura de Pablo, sentado em uma cadeira iluminada por um candeeiro, havia também uma mesa muito ornamentada com lindas curvas, que representavam figuras estranhas, e, algumas delas foram reconhecidas por nosso aventureiro, eram exatamente 5 dragões, noutro canto viam-se livros esculpidos na própria madeira. O garoto sem quaisquer pavores levantou-se impetuosamente, correu em direção à outro canto da sala a ver se encontrava uma saída do lugar, porém para seu engano nada havia naquele canto, e constrangido com isso agachou-se, para sua infelicidade viu que Pablo tirou o olhar do livro voltando-se exatamente para o canto em que ele encontrava-se, e ruborizou-se de medo pois poderia ele transformar-se em um dragão a querer devorá-lo sem quaisquer piedade.
Para seu engano Pablo vendo-o travou a seguinte conversação:
- Quê faz aqui garoto?
- Eu?
- Com quem mais estaria falando?
- Pois não sei, senhor...
- É contigo.
- Nada faço. – Atalhou o garoto muito cautelosamente.
- Pois é você um intruso em minhas instalações.
- Desculpe, mas o fato é que queria saber quem é você, pois há muito tempo todos desta cidade vivem com receio de falar-lhe algo inteligível, e você igualmente mostra-se taciturno e indiferente, eu já tenho minha própria opinião ao seu respeito.
- Pois qual é a tua opinião vizinho?
- Justamente que você é um mago bastante esperto, pois consegue transformar-se em dragão comedor de livros, fato bastante inóspito nesta cidade, pois em toda minha vida – Disse ele enfaticamente como se já houvesse vivido 100 anos - Em toda minha vida nunca vi um dragão comedor de livros.
- Isto posso explicar-lhe.
- Há de explicar, por certo que sim.
- Então preste atenção na seguinte história: Era eu garoto como é você, e vivia com grande justiça nas terras agrárias de meu país, cujo nome não julgo necessário proferir, e num abençoado dia chegou-me um mago perguntando-me se queria eu utilizar meus poderes de outra maneira, perguntei à ele de que poderes estava falando pois acreditava que não tinha quaisquer poderes até então, pois ele me disse que eram os poderes mentais. Eu não sabia que raios significava aquilo, e, num ato súbito saí correndo maldizendo este mago até as ancas de minhas gargantas corroerem. Pois dias depois ele apareceu defronte à uma árvore como que de forma inusitada, sem que me apercebesse vi que ele tentava explicar-me sobre os tais poderes mentais, já mais amenizado de minha própria ira decidi ouvir a enfadonha explicação até o final, e, apesar de haver demorado cerca de 3 horas infindáveis acabei entendendo que podemos tomar diversos tipos de posturas mentais durante a vida. Totalmente maravilhado com a novidade decidi ser filósofo, e hoje vejo como realmente foi importante a interferência deste mago em minha vida, pois sendo eu um pensador posso agora dissertar sobre a vida de forma abrangente de modo que eu saiba melhor que ninguém do que se trata a vida e todos os seus detalhas.
- Realmente, - Disse o garoto impressionado com a explanação – Nunca houvera pensado nisso antes... Mas na verdade em quê consiste isso de posturas mentais?
- Pois vou lhe explicar...
Após exatamente três horas:
- Nunca imaginara isto antes – Disse o garoto absorto em seus pensamentos.
- Essa é a verdade.
- Irei eu também transformar-me em dragão se assim proceder?
- Em um verdadeiro devorador de conhecimento.
- Quando chega o tal certificado?
- Depois de um ano.
- Tão tarde?
- Lembre-se de nunca contrariar as regras.
- A filosofia não é a constante discussão e busca de novas verdades?
- É, mas em nosso caso há alguns limítes implícitos.
- Por quê?
- Para que não fiquemos perdidos em nossas próprias imaginações.
Assim, após as esclarecedoras explanações de Pablo o garoto imaginou-se já transformado em um dragão, que comia desenfreadamente livros dos mais variados laivos. Voltou correndo para casa antes que amanhecesse, já que saíra de forma escondida, sua mãe não poderia saber deste segredo.
Logo de manhã, quando despertou ficou curioso em saber como estaria Pablo, e decidiu entrar pela mesma janela pela qual entrara na noite anterior, quando entrou ao contrário do que supusera tudo estava na mais perfeita ordem, os livros nas estantes ordenados por números e assuntos, e quando arriscou um olhar ao corredor estranhou muito, pois era um corredor comum de qualquer casa que pudesse existir, era de no máximo 8 metros segundo seu ponto de vista, havia ele corrido tanto para sair de lá, e era todavia de paredes normais, e não construído com grandes blocos como antes se havia apresentado. Havia aquilo sido alguma espécie de alucinação. Tornou a sua casa extremamente pensativo, e ficou em dúvida se realmente havia feito ou não um acordo com um dragão que era o próprio Pablo.
Sentou-se em sua escrivaninha de estudos escolares e tentou lembrar-se do ocorrido de sua expedição noturna, tentando relacioná-la com o que vira de manhã, porém para seu desfalecimentos as imagens pareciam confusas e transformadas. Não se ateve somente a pensar, pegou sua máquina fotográfica levando os filmes para revelar, lá estavam para a constatação de seus distorcidos pensamentos de um monte de livros jogados de tal sorte que parecia a foto de um quarto pós furacão. Esta era a única prova que portava do acordo que houvera feito com Pablo.
Nos outros dias Pablo tratava-o com a mesma indiferença e taciturnidade de sempre, fato que não estranhou já que pensara que era aquela uma seita secreta. Foi assim que o garoto, por mais que estivasse consumido em uma suposta loucura transformou-se em um grande pensador, pois utilizou sua sabedoria de forma assaz interessante, consumindo-se com estudos de natureza teórica ao contrário do que segundo ele todos faziam, ou seja: preocupar-se tão somente com as problemáticas de cunho prático da vida.
Conclusão: Notamos que este conto retrata de maneira deveras pictórica algo de que abordamos no capítulo 20 – Uma realidade sujeita à discussão. E vemos que a própria curiosidade do garoto fez com que tornasse um filósofo ou pensador, tanto como Pablo que num princípio não quis ouvir idéias enfadonhas, mas depois abstivera 3 horas escutando para se tornar um dragão devorador de livros.


SEXTO CONTO: Um sonho, uma corrida.

Sou um viajante! Podem os senhores me chamar de professor Prúbius, ministro aulas de psicologia, retórica, religião, química, física, moral e política, somente classes particulares, aos filhos de grandes reis, nobres e pessoas ricas e distintas, isto porque sempre recebem uma educação diferenciada. É evidente que não se misturam ao populacho. Desejo agora por ímpetos sentimentais contar uma história de caráter essencial: Certa vez, numa insólita viajem, numa destas minhas viajens à caminho de Sória, num cavalo já fatigado, com poucas coisas que comer numa longa estrada e num calor insuportável tive a sorte de encontrar uma estalagem, esta, que no momento me pareceu mais uma miragem que outra coisa dado ao meu estado físico e psíquico. Ali presenciei uma conversa bastante interessante, entre próprio dono do lugar e uma mulher opulenta e dessajeitada, intentarei descrever agora para vocês o que ali se passou da maneira que julgar mais adequada, pois assim entender-se-á de maneira mais clara o contexto pelo qual salvei-me não só do tormento da fome e cançasso como também de muitos outros tormentos que poderiam advir de caminhos errados e pérfidos que tomaria eu caso não fosse testemunho desta conversa, a qual por consideração à min e aos palestrantes designei como gloriosa conversa, fora talvez tudo isto um sonho, provindo de obtuzos neurônios e de uma transcedência inacreditável... Por quê os sonhos insistem em trazer mensagens cheias de metáforas e abstrações? Por quê? Por quê não são eles tão plenos como a própria e desperta vida? Será nossa consciência profunda de tamanha abstração? O fato é que os sinais que tive não tinham grandes probabilidades de ser sonho, pois foram bastante reais, mesmo que no retorno, após ministrar as aulas aos filhos de grandes e honoráveis nobres, não tenha eu encontrado a estalagem à qual pernoitei durante a ida. É fato que pudera eu ter-me perdido por outra estrada, mas à isto não consigo compreender, pois conheço aquelas paragens como a palma de minha mão, assim, com esta confusão, fico eu próprio duvidoso, e me pergunto se não é agora que estou sonhando ter despertado da estalagem, ou ainda não despertei sendo minha atual vida. É melhor acreditar que nunca tenha eu dormido, por mais estranho que pareça, tenho de me ater à este pensamento, fico mais seguro em achar que o mundo no qual piso é real, por serto eu como todos vocês temos medo daquilo que não é real ou é arbitrariamente volátil, mas... ( Estou horrorizado, por isto vacilo nas palavras. ) Se estou sonhand... Devo então ter medo da vida? Ó dúvida cruel! Minha única segurança é a morte, pois ali não estarei sonhando tampouco desperto, exume-se o medo da dúvida. Já sei! Já sei! Empertiguei-os de sobremaneira com mesus medos, e dúvidas... Iniciarei a história de que lhes prometi o quanto antes, não obstante todos aqueles que ousarem ler estas documentos merecem antes a consideração e estar cientes da fidedignidade dos fatos aqui apresentados, sejam eles sonhos ou não. E não me venham com contradições, desmerecimentos ou desrespeitosos comentários, apenas leiam!
Tomou aquela cerveja e disse à si mesmo: - Ó mas que prazer incomensurável! – É por certo entendível que tenha Júlio Cezar dito isto a si mesmo, pois, naquele dia tinha feito ele mais uma de suas corridas e sempre que corria tinha indescritível prazer em tudo o que fazia. Seja beber uma cerveja, um suco ou requintar uma bela degustação. Tudo parecia ser novo, belo, mágico, misterioso e magnífico. O personagem deste nosso conto, por certo era um corredor, não era dono de qualquer império senão de uma estalagem, na qual já haviam pernoitado várias personalidades: cavaleiros, escritores, editores, médicos, halterofilistas, lindas modelos, mulheres barbadas, assassinos, ladrões, idiotas, gênios, guerreiros e até donos de outras estalagens. Eram pessoas das mais variadas dinastias, distinções, consignações, méritos, qualidades, estirpes, níveis, diferenças e classes sociais. Estes se reuniam todas as noites no refeitório da estalagem, um refeitório que por natureza era bastante escuro, ofuscado por estranhas imagens de criaturas das mais pitorescas, estas se prostravam em quadros em óleo e esculturas de tamanho considerável, chegando à altura de um homem de estatura mediana.
Aquele estranho recinto era sempre inundado de música, com músicos de cabal habilidade, com técnicas pianísticas, violinisticas e violinisticas de igual proporção. Tudo era diferente, desde as pessoas até o próprio lugar, decorado com tapetes árabes de desenhos belíssimos e mesas de madeiras compridas e agastadas, após tomar uma boa copa de cerveja Júlio Cezar, por curiosidade, lazer, passatempo ou para mensurar a qualidade de seus serviços incitava, de maneira bastante criativa uma conversa qualquer com seus clientes, sendo ele já um homem de 50 anos bastante jovem em espírito nunca he faltavam assuntos ou meios a que entoasse a conversa, seus lábios se comprimiam demonstrando um interesse mordaz por qualquer que fosse a origem ou a raiz do assunto, o importante era por certo deixar o cliente satisfeito, nem que para isto tivesse de contrariar seus próprios princípios. Notou então que na sua frente, em meio àquela bruma desconhecida que sempre invadia o refeitório, estava uma mulher com duas crianças de colo, dando aos pequenos uma sopa e comendo um belo frango assado, a mulher parecia embestada com tudo o que fazia as crianças insistiam em brincar com uns joguinhos de madeira, provavelmente do Pinóquio. Somente neste momento Júlio se apercebera o quanto se abstraíra da realidade, pois breves momentos antes o sabor da cerveja havia lhe parecido tão sublime que sequer percebera o holocausto que se defrontava diante de si, então pensou consigo mesmo que a vida era em sua mais profunda essência dividida nos parâmetros dos prazeres, pois aquele prazer havia sobrepujado qualquer outra coisa, mesmo que fossem aqueles ruídos impertinentes e exacerbados dos pestinhas. Assustou-se com o próprio colóquio, pois era um estalajadeiro simples e humilde, não tinha muitas pretensões na vida, entretanto outro pensamento invadiu-lhe a consciência: - É fato, não obstante, que a pesar de minha aparente simplicidade tenho muito apreço em conversar com qualquer pessoa que por aqui possa aparecer, e isto pode ter contribuído de alguma maneira para minha formação. – Tudo isto passou-se num brevíssimo momento, o fato assim está colocado pelo justo motivo de que a descrição aqui presente é detalhada e recheada de variadas colorações, fazendo com que pareça que o tempo que Júlio está na mesa fazendo suas ponderações e observações é deveras extenso, entretanto é fato que o conceito de tempo nas histórias, ou nos contos dos livros não são em nada condizentes com aquele que passa no mundo, pois podem transcorrer de maneira vertiginosa ou mesmo mais devagar que uma tartaruga ( como neste caso ). O fato de passar lentamente é muito mais atrativo, já que conseguem superar os detalhes da realidade de um filme, e pasmem: da própria realidade! Este por certo é o maior e insubstituível diferencial da escrita quando em comparação com outros meios de expressão, e quando com audácia mordaz e vociferante se compara com as observações da própria realidade. Quê são as observações que fazemos das pessoas e das coisas senão uma escrita? De maneira triste e infeliz constatamos ( Constato eu ) que a escrita do mundo real é improvisada e por isto muitas vezes nasce desordenada, provocando com isto parcas noções da própria realidade. Em contraposição à esta inesperada conclusão encontra-se a escrita dos contos, que pode de maneira organizada ser posta no papel, e por isto ser considerada como a maior noção que pode se ter da vida. Isto pode somente ser afirmado quando nos referimos no âmbito racional, pois nem toda ferramenta é perfeita ( procure e logo verá que há defeitos. ), decorrentes à defeitos, a linguagem escrita não consegue, por mais que tente, transmitir sentimentos. É fato real que o sentimento é uma energia de sensível constituição, e para ser transmitido depende de um receptor igualmente sensível. Um bruto não pode perceber os mais refinados sentimentos de um homem ou mulher sensível, pois este se esconde misteriosamente nos recônditos mais misteriosos da alma. Mediante minhas ponderações intrusas, adequadas ou não ao momento, noto que há já uma nova percepção, pois o defeito não estaria na ferramenta da linguagem escrita, mas sim naquele que recebe a mensagem, ou mesmo o sentimento propriamente dito. Tudo isto não está especificadamente relacionado às inusitadas situações proliferadas no conto, como sabeis, entretanto, eu como tendo uma função educativo pedagógica bastante viva em minhas viagens, através de condados e reinados dos mais variados vejo como imprescindível o esclarecimento ao leitor ávido ou mesmo ao mórbido. Sem mais delongas é fato, e algo bastante evidente, que quem iniciou a conversa foi Julio Cezar:
- A senhora me parece bastante atarefada... – Comentou fingindo desinteresse, olhando às duas crianças, que relutavam em comer mas se agraciavam com os juguetes.
- É, como pode notar, estes dois não me deixam em paz, tenho ainda de cria-los e a mais outros três. – Respondeu resignadamente a mulher enquanto dava um tapa num dos fedelhos sem no entanto lograr qualquer resultado, ele simplesmente revidou empurrando o prato de sopa à frente.
- Quê curioso, parece-me que não é nada fácil formar estas crianças, parecem mais uns animaizinhos desregulados. – Disse Júlio, sem se importar com os termos postos em vigência.
- Mas quê insinuas o senhor? – Perguntou a mulher em tom de fúria, extremamente indignada com a colocação daquele homem. - Posso muito bem cuidar de todos eles, mesmo a pesar deste trabalho inacabável. Quem é por um acaso o senhor? Talvez um mendigo qualquer...
- Não. – Disse ele, sem graça, olhando ora para um lado ora para sua interlocutora, como se assim, neste movimento inusitado e retardado quisesse lembrar ou concatenar qualquer pensamento, ou mesmo ganhar tempo. – Certamente minhas palavras tiveram um peso desmensurado, é que notei a impertinência dos dois, achando que isto pudesse estar conturbando sua paciência acabei por proferir uma asneira. Desculpas. – Aproximou seu rosto por entre a esfumaçada mesa inclinando seu rosto, em seu íntimo não se arrependia de nada que dissera, mas por via de regra sempre tomava as atitudes que mais se adequavam às ocasiões. – Sabe que aqui nestas paragens não se encontram muitas crianças, são tão desérticas as estradas que geralmente lhes custa muito a viagem, disto ponho minhas considerações aos seus filhos, sabe? É uma obstinação de méritos plausíveis... Uma viagem destas...
- É? – Disse ela, já amainada pela qualidade dos elogios, mostrando agora suas feições convidativas e serenas. – Então estás o senhor ciente das dificuldades que estes tenebrosos percauços oferecem?
- Claro, claro minha amiga... – Disse Cezar visando espertamente criar certa intimidade nas palavras. – Disto já sabia há muito, as trilhas são muitas vezes sinuosas e por outras áridas, com o sol que faz por aqui muitos já definharam no sol dos meses do verão. Ainda assim todos insistem em visitar esta estyalagem...
- Muito boa por certo – Disse ela satisfeita enquanto metia a colher de sopa na boca do mais novo, sendo que metade do alimento ficara por suas bochechas, pois a senhora de tão entretida que estava com Júlio e sua maneira interessante de falar sequer olhava ao que fazia. – Não à toa que decidi para cá vir. Esta estalagem é portadora de boa reputação, e têm méritos pela qualidade tanto do atendimento como à este refeitório de magnífica perfeição. Mas se me permite perguntar: Quem é o senhor?
- Sou o dono de tudo que vês! – Disse o homem com pompa e soberba, bajulando-se de tudo que até então escutara. Fiquei particularmente, confesso-lhes, enojado da cara que fez com um sorriso que de tão contente ia-lhe de uma orelha à outra. – Fico extremamente grato com a tua opinião e aqui inda direi o inicio de tudo isto: Sim, sim: Tudo isto quê vês, e estes magníficos músicos árabes que agora ouves surgiram de uma idéia que há muito tempo tive, esta me invadiu o cérebro justamente depois de uma corrida, sim depois de um treino que fiz pela estrada, foram os dez quilômetros mais originais que pude fazer. Não sei se consegue me entender, mas é como se a corrida fosse sim um combustível para outras atividades. Me sinto após tomar meu banho, após o treino um novo homem, uma nova pessoa, com idéias mais claras, vigor mais renovado e pré-disposição mais acentuada. Mais alegre, espontâneo, resistente e saudável.
- És o dono daqui? – Perguntou a mulher abismada, esquecendo até de mastigar um suculento pedaço de frango. – E ainda correr?
- Sim, é isto que quis dizer. – Falou ele com empolgação descomunal, deitando-se ainda mais na mesa quase atravessando-a de todo o corpo. – É, é bom correr, adoro treinar...
- Mas corres à cavalo ou charrete?
- A pé! – Exclamou o homem com brilho nos olhos e numa afirmação definitiva e desta vez sincera. Foi neste momento que me abismei pelo fato de que naquele tempo em que vivíamos, ano de 800 D. C. durante a Idade Média não existia o pedestrianismo tal qual iria nossa sociadade conhecer até que esta atividade fosse vendida e difundida não como um prazer mas sim como um produto que gera capital, assim em nosso tempo não havia tal atividade, por isto não somente eu como a senhora estranhamos a resposta.
- Ó! – Exclamou consternada. – Mas que desrespeito à Deus e às boas atitudes. Acaso não tens cavalos?
- Sim, tenho muitos, mas sinto-me melhor fisicamente quando corro. Quizá seja a mesma sensação que tenham os camponeses quando plantam ou os escravos quando carrregam pedras das mais pesadas, entretanto sou um estalajandeiro humilde e ignorante, não posso dedicar-me exclusivamente à estas atividades e por isto criei um método de treino original que consiste em correr a pé.
- É no mínimo loucura, insanidade, por certo algo que jamais fará sentido. – É pensei eu com meus botões ( Pensa o professor ) talvez esta mulher opulenta e mundana esteja certa, mas ma sabe era que o ser humano é capaz de criar seus mais inusitados motivos para tudo o que se possa imaginar.
- Neste campo posso lhe dizer somente que muito me agrada à isto fazer. – Disse Cezar, escondendo sua contrariedade ao que fora proferido. – Mesmo que não seja o costume ou hábito mais comum às terras das cercanias. Entretanto é certo que nem tudo se pode querer explicar né?
- É, nisto até que concordo, mas ainda fica claro que considero como uma profanação à Deus.
O fato é que estando eu ali sentado, comendo um sanduíche de mortadela à tudo presenciei e escutei, o do no da estalagem por fim conseguiu após longa palestra convencer à mulher que aquela atividade era benigna e não maligna, mesmo que para isto tivesse de ajuda-la na alimentação dos filhos. Não se sabe por certo se ela aderira à sua opinião por interesses secundários ou por milagre, mas é fato que depois ainda dançaram os dois uma música bastante tranqüila e mais tarde ainda escutava-se de meu cubículo outra dança eufórica. Fiquei, no entanto, fantasiando sobre tudo o que havia sido dito, e cheguei às margens da loucura. No outro dia de maneira espontânea experimentei pela primeira vez, pelas sugestões indiretas, sair correndo de maneira desatabanada e desregulada, até que depois de algumas semanas consegui espetacularmente regular a corrida, de modo que agora que não corria somente cem metros senão uns três quilômetros, vejam que hilário, pois um dos problemas que encontrei com isto foi que pelo fato de que cada feudo adotava uma unidade monetária, seus pesos e medidas peculiares não conseguia eu regular nem saber exatamente quanto corria quando me deslocava por dentre os feudos. Fora isto não podia me pesar à saber quanto emagrecia, por isto resignadamente e contra a vontade desisti de tentar mensurar qualquer destas corridas, passando somente a correr, correr atrás de meus sonhos pois de maneira duvidosa não sabia ainda se estava dormindo o sono dos loucos ou desperto na mundana vida. Afinal: devemos é acordar para o sonho da vida!

SÉTIMO CONTO: Seres fantásticos que com sorte nascem.

Antes que tudo surgisse, havia no universo uma só energia, que ao contrário do que muitos pensavam se tratava de um grande quadrado, de perfeitos lados, que era colocado no centro do nada ( se é que o nada pode ter um centro ), em sua constituição lados simétricos, de tão simétricos confundiam-se entre si, e se alguém pudesse neste momento vê-lo confundiria certamente os lados de tão simétrico que eram, aliás, a palavra simétrico apareceu tantas vezes neste texto que deveríamos dizer definitivamente que era um quadrado perfeito. Sem querer ser impertinente vamos à segunda fase que constitui exatamente na transformação que ocorreu posteriormente, pois este quadrado tornou-se cada vez maior chegando a ocupar em determinado momento quase todo o universo, que neste momento constituía de todo um vazio, e somente não ocupou todo o espaço do universo porque este era nesta época, como o é todavia, infinito. Para que não fiquem estagnadas dúvidas aqui deve-se explicar porquê fora utilizado anteriormente o termo “quase” já que como trata-se de um espaço infinito nunca pode-se quase ocupa-lo. O fato real, devo confessá-lo, é que errei utilizando este termo. Justamente com o intuito de querer parecer engraçado como muitas pessoas fazem atualmente. Passado este crasso erro prosseguiremos este complexo e matemático processo que aconteceu a muitos anos atrás, tantos anos que não se contam nos dedos das duas mãos somados com os dos dois pés de toda a população da lua, que atualmente é de zero indivíduos. Muitas coisas fogem à compreensão dos seres humanos, tal como outras muitas fogem à compreensão dos cachorros, gatos e ratos. Porém explicar-lhes-ei mediante meu vasto conhecimento o que ocorreu na próxima fase do desenvolvimento do universo, pois após este gigante quadrado haver engordado de tamanho, de um de seus lados abriu-se uma gigantesca porta, tão grande que a unidade de medida para fazer sua mensura não podia ser em hipótese alguma em metros quadrados. Passa que naquela época não existiam unidades de medida, com isso não fora executada a medida daquela porta, tampouco de suas dobradiças que além de muito bonitas por seu estilo gótico eram verdadeiramente grandes. Fora bastante engraçado, mas ninguém riu, do fato que esta porta tinha um fundo falso, sendo este tão igual quanto os outros cinco lados do quadrado. Nada se sabe sobre o motivo de que esta porta não tinha local de passagem, mas é real que do fundo falso que detrás dela havia abriram-se bilhares de portinholas, bem pequeninas das quais saíram muitos anões, com narizes compridos, em suas respectivas naves individuais. Eram tantos anões que naquele momento ocorreu um verdadeiro engarrafamento de naves espaciais, com isso todos ficavam impacientes por estarem parados naquele transito. Algumas batidas e muitas discussões reverberantes depois todos conseguiram chegar num consenso, fora esta uma coisa bastante estranha, pois pela primeira e única vez na história do universo um número considerável de seres conseguira Ter uma só opinião, concordando uns com os outros sem grandes transtornos para o grupo. Devemos levar em consideração que era uma leva de seres incomensuravelmente grande, a decisão estava tomada, após as últimas conversações entre o grupo o veredicto final era pousar as naves em um dos lados daquele quadrado, já que não havia mais nada mais ( naquela época ) para ser explorado no universo. Neste momento vejo que o leitor deste conto deve estar pensando que aqueles bilhares de anões tinham grande vantagem em relação aos tempos de hoje quando fora dito que fora fácil entrarem num comum acordo, já que esta era a única decisão a ser tomada, mas não se precipite leitor, pois haviam outras como por exemplo continuar discutindo, mesmo que inutilmente sobre o que fazer. Inusitadamente um dos anões tropeçou num buraco que havia naquele lado do quadrado, e mesmo que não possamos entender, sem que naquele local houvesse gravidade suficiente para isto escorregou para dentro de um buraco negro, entende-se neste especifico caso buraco negro por um buraco de cor preta plastificado, ou de material parecido, de forma que aquilo parecia um escorregador gigante. Este primeiro assustou-se muito com a ocorrência, os milhares de circunstantes que o viram escorregar daquela forma, enquanto gritava desesperadamente com um pavor indescritível já que aquilo nunca lhe ocorrera na vida, achando que ele se deliciava e gritava de prazer pela queda e pelo frio na barriga que sentia escorregaram igualmente no desconhecido equipamento. Pela primeira vez criara-se um evento divertido no mundo, porém num desastre em massa os coitados dos indivíduos acabaram se esmagando, ocorrendo neste momento muitas mortes. A morte era até então desconhecida, acharam os outros que os que haviam escorregado estavam dormindo e não mortos, e como ficaram com sono de tanta monotonia que havia no recinto ( já que não existiam as estrelas para que pudessem divagar em pensamentos longínquos ) ficando com sono pensaram que escorregando iriam dormir, e decidiram escorregar em outros buracos que haviam naquela superfície, tudo ocorria de maneira contínua até que todos os três buracos foram preenchidos com anões dos mais variados tipos. Espertamente, um dos anões, como era pouco mais inteligente que os outros percebeu ser aquilo um gigantesco dado, e logo constatou que de alguma maneira deveria ser jogado, sabia deste fato porque no momento em que saíra de dentro do dado naquelas portinhola, ao invés de perder seu precioso ( assim o julgava ) tempo discutindo sobre o que fazer, quis dormir, e sonhou que era um jogador de dados, ganhava continuamente, perdendo apenas uma vez para um anão que mais esperto que ele colocara um peso num dos lados do dado sem que ele estivesse ciente. Raciocinou o máximo que pode naquele momento, tentando saber o que fazer mediante aquela inusitada descoberta, e com uma incrível voz de comando disse aos comparsas que deveriam saltar todos ao mesmo tempo para que o peso de seus corpos pudessem atuar de forma significativa sobre o dado no qual estavam pisando, para que lograssem o intento deveriam todos executar aquele salto na mais perfeita harmonia, do contrario iriam apenas tremer a superfície do dado. Porém querendo expor sua opinião um outro anão que estava por perto deste último que fora citado ( julgado como gênio até então na história do universo ) disse que era possível que fizessem isto, mas que sem sombra de dúvida o dado não iria cair em nenhum lugar, já que o universo naquela ocasião era uma infinita vastidão de nada. O primeiro anão disse então que aceitava esta hipótese, mas que era inútil ficarem esperando, e dava alguns subterfúgios querendo explicar-se, tentando de certa forma ludibriar o outro, fora esta a primeira vez que aquele grupo entrara numa discórdia, contanto a maioria optou por fazer a tentativa, pois mesmo que não caísse o dado em nenhum lugar achavam que não custava nada Ter boa vontade e fazer o que fora proposto. Os outros estavam injuriados com o fato de terem que pular sem quaisquer motivos, porém os anões que eram à favor do evento disseram que se todos pulassem estariam trabalhando de forma considerável os músculos da perna, coxa e quadril conseguindo com este argumento convence-los a pular. Assim ocorreu, porém o pulo que deram fora interrompido por uma inesperada ausência da força de gravidade que ocorria até aquele momento, ao invés de caírem subiram cada vez mais até se distanciarem tanto do dado que fora possível ver apenas um pontinho branco no horizonte, todos foram parar por um acaso num planeta que havia noutro lado do universo, a verdade é que aquele dado não era a única massa existente, haviam muitos planetas ao redor dele, porém não eram visíveis a olho nu. Também muitos outros seres fantásticos saíram daquelas portinholas, e coincidentemente tomavam as mesmas decisões que estes primeiros, ocorria-se-lhes que recaíam em planetas diversos, tal foi o surgimento do universo segundo a teoria do dado já nascer é uma sorte quando vê-se que cada ser têm uma identidade, e que não é tão somente um corpo físico que nasce.

OITAVO CONTO: O marketing ganhou.

A cidade era assolada por pessoas estranhas, uns diziam que eram estrangeiros, mas outros acreditavam se defuntos de corredores antigos, sempre apareciam na noite cercados de sombras.
A cidade era pequena, com apenas uma praça e igreja como atração, nas noites assombrosamente obscuras a praça tornava-se local de aparições estranhas, os moleques faziam galhofa de tal acontecimentos, enquanto que todos os outros mentiam uns aos outros dando todo tipo de explicações para tal acontecimento.
O próprio prefeito fizera vários discursos no caramanchão da pracinha, no intuito de amenizar a situação, pois o futuro de sua cidade dependia exclusivamente de investimentos provindo de cidades vizinhas, porém estes investimentos diminuíam à medida que aumentavam as fofocas e lendas que eram criadas em torno às aparições medonhas.
Neste contexto nos deparamos com um interessante personagem, que é um senhor de seus 40 anos, sempre bem alinhado, com comportamento bastante refinado, sendo ele um corredor fundista de grande apreço na cidade, seus modos são bastante educados, e sempre que pode disputa corridas em outras cidades, gosta muito de correr, e inclusive lera mais de 5 vezes ( exatamente 7 ) este livro que está em suas mão achando espantoso o fato de estar inserido no livro o conto que conta sua própria história, não entendeu ao ler o livro como o autor conseguira saber detalhes tão importantes de sua vida. Pois justo no momento em que estava com grande deleite lendo o livro “O correr e suas nuanças” pela oitava vez alguém toca-lhe a campainha da casa. Achou muito estranho aquilo, pois já eram horas de todos recolherem-se, e ficou com determinado receio de abrir a porta, pois sabia parcialmente do boato que corria na cidade.
Abrindo a porta, deixando a correntinha presa para quaisquer eventualidades negativas, olhou através da fresta, e foi de grande surpresa que viu o prefeito em trajes bastante indecentes para andar nas ruas, pois trajava ele um pijama com desenhos de trens por toda a extensão. Fingindo não ficar surpreso e segurando uma possível gargalhada Roberto, o qual é o nome de nosso personagem, abriu a porta deixando entrar o prefeito, que estava bastante eufórico, e parecia bastante espavorido.
- Roberto, tenho que dizer-te algumas palavras com urgência. – Disse o prefeito sem saber por onde começar.
- Quê foi homem? – Perguntou enfaticamente Roberto.
- Há mortos andando por aí...
- Então acredita nestas ingênuas proposições.
- Como não se vi com meus próprios olhos?
- Não há de ser verdade isso.
- Então ou estou louco ou não explico tais acontecimentos.
- Julgo ser loucura.
- Pois então venha você à minha casa e verá porquê vim buscar-te.
- Como assim?
- Um corredor já falecido, disse haver vivido nesta cidade há muito tempo e parece querer travar um embate com você.
- Mas eu não conheço nenhum corredor que não seja eu mesmo.
- Pois não têm importância isto, apenas venha e verá.
Roberto apressou-se em portar-se adequadamente para a ocasião, acreditando ser uma farsa deu uma exagerada ênfase às palavras pronunciadas ao prefeito de forma a assustá-lo cada vez mais, pois falava de cadáveres, mortos, zumbis e tudo mais com grande suspense. Chegando à casa, em meio à penumbra da sala, encontrou Roberto uma figura bastante singular sentada à lareira já apagada da sala, sem receios logo sentou-se diante da figura acreditando tudo ser uma armação para sua pessoa, o prefeito escondia-se ora totalmente ora parcialmente detrás da porta da cozinha. Sentindo um cheiro fétido Roberto apressou-se em falar algo:
- Quê fazes neste mundo?
- Com amigos a pedir algo.
- Não entendo.
- Há muito tempo esta fora cidade pacata, mas agora, vejo que já há um corredor, e por assim dizer isso é pequeno desenvolvimento.
- Corro porque gosto.
- Eu também o fazia porque gostava.
- Todos fazem porque gostam – Disse Roberto com ar de superioridade por suas inteligentes respostas.
- Não! – Gritou impetuosamente o defunto, de forma que saísse um hálito quente e malcheiroso de suas entranhas – Há gente que não sabe porque o faz, e a estes ignorantes devemos nos ater a explicar. Por este motivo viemos nós à este mundo pelo qual já vivemos, há gente que têm medo de nós, mas somos corredores como qualquer outro, talvez como você.
- Acredito na veracidade de suas palavras – Disse Roberto tentando sem êxito aparentar calma, pois já estava bastante trêmulo e esforçava-se para articular as palavras. – Mas creio não ser necessário tal intrusão, até desrespeitoso eu diria, já que o lugar de corredor morto é no cemitério.
- Está sendo bastante certo, porém deve aperceber-se de que estamos voltando para alertar você de que a corrida ultimamente vêm perdendo seus valores mais graciosos, veja bem que gostamos tanto de correr que queremos ajudar aqueles que ainda o podem fazer. Não recorda-se da lenda de Filípidis.
- Sim, creio haver lido isto em algum livro.
- Veja como, nesta lenda há grande valor heróico, e note como hoje perdeu-se este valor.
- Não acredito – Contrariou Roberto.
- Sua opinião é diversa do que ocorre.
- Pois que seja, continuarei não acreditando.
- Por quê – Perguntou o cadáver curioso.
- Eu – Disse Roberto querendo fazer certo misto de sapiência com superioridade intelectual, o que deixava o morto por certo bastante inquieto, já que ele deveria ser o mais impressionante membro dos corredores por haver feito tão grande esforço para ressuscitar-se – Não me sinto influenciado por palavras de outrem, e nisto consiste em achar a corrida um ato de atroz heroísmo.
- Assim queremos que seja, pois se você fizer esta propaganda lhe enviaremos 15% das rendas de nossas organizações.
- Quê organizações seriam estas de que desconheço?
- Temos uma delas que chama-se Defunto`s e companhia, responsável por corridas de longa distância.
- Há é? – Perguntou sarcasticamente Roberto, já mais aliviado com a amistosidade da conversa, enquanto o prefeito se escondia cada vez mais trêmulo – De quê trata-se isto especificadamente?
- Serve para ver quem consegue correr invisivelmente na frente de um corredor ainda vivo, e também para quem faz mais propagandas de corrida através de telemarketing.
- Mas que coisa mais horrível isso, vocês não tem outra coisa a fazer?
- Pois neste intento vim conversar com você.
- Considero tal explanação acabada – Falou Roberto achando o morto de um gênio insuportável, pois jamais suportara a influência da mídia sobre a vida das pessoas.
- Assim está, espero que leve em consideração algumas idéias que trocamos.
- Claro, claro... – Disse Roberto com um olhar de desprezo.
Com estas palavras o misterioso morto com muito esforço levantou-se e caminhou até a porta, indo talvez a um descanso eterno. Depois destes acontecimentos nunca ficou-se sabendo de nada que se referi-se ao assunto, porém muitos diziam que Roberto enriquecera de forma ilícitas nos últimos tempos, ninguém sabia com exatidão qual a maneira, de todos os boatos que corriam o mais apresentável era aquele que fora espalhado pelo prefeito que dizia que ele recebia 15% dos lucros celestiais.


NONO CONTO: O desconhecido que não vemos existe.

Corria pela noite adentro, estava muito nublado e nada conseguia ver. Tudo era negro e estranho, não tive a oportunidade de ver o que ocorria com meu corpo. Eu estava sendo influenciado por forças estranhas, forças estas que nunca vira antes. Não fiquei com medo, apenas achei tudo muito diferente. A rua estava vazia e eu corria como um desesperado. Aqueles sons estranhos transformaram-se em música, agora me sentia bem com aqueles sons, parecia que eles gostavam de fazer estas coisas para min. O susto havia passado, meu corpo suava bastante, no céu milhares de estrelas me diziam boa noite, havia porém uma grande diferença, que era uma luz vermelha muito forte, não tive medo, apenas parei e fiquei olhando: eram extraterrestres, e algo queriam de min. Nada pude fazer senão olhar para cima extremamente assustado, não podia mais voltar para minha casa, pois havia muito tempo que já estava correndo daquela maneira tão rápida.
O brilho vermelho que encontrava-se no céu transformou-se em uma luz de cor penetrante, era um amarelo fosforescente, e o disco, que não girava, pousou com grandiosidade em um gramado queimando tudo o que estava à uns 5 metros de distância. Tentei correr de volta apavorado, mas uma força misteriosa que parecia comandar minha mente não me permitia fazer isto. Minha mente estava muito confusa, pois de momentos graciosos e harmoniosos eu passava a Ter pensamentos macabros e atormentados. Desfaleci em um desmaio gélido, nada mais pude ver ou ouvir, tudo era negro e vazio.
Abri os olhos quando senti muita dor nas costas, lembrei-me de todas as ocorrências anteriores, muito assustado com as lembranças levantei-me de súbito e vi que me encontrava em uma caverna muito gelada, era uma caverna que estranhamente ficava iluminada, Não haviam lâmpadas ou dispositivos que pudessem emitir luz, fiquei assustado com isso, comecei a andar seguindo uma sinuosa trilha através da caverna, era uma caverna comum, porém haviam momentos em que eu ficava em situações extremamente apertadas, passando por estreitos túneis naturais. Num determinado momento as paredes da cavernas começaram a abrir-se para os lados e para cima de modo que me encontrei em um amplo salão, este salão começou a ficar cada vez mais amplo de modo que quase não via mais as paredes laterais tampouco o teto, por incrível que pareça tudo ainda era muito claro, esta misteriosa luz continuava a envolver todo o ambiente, sons estranhos começaram a entrar por meus ouvidos, porém não sabia se estes sons entravam diretamente em minha mente ou se eu realmente estava ouvindo-os, poderiam ser uma espécie de alucinação. Fiquei com medo e comecei a correr como um fugitivo, de encontro a alguma saída. Aquele ambiente parecia não Ter fim, meu corpo já não suportava tanta atividade física. A quanto tempo estaria eu a correr? Onde estaria? Seria tudo isto um sonho? Não, me respondia enquanto aquela música mística envolvia-me, não pode ser sonho, pois sinto que meus pés doem como não poderia ocorrer em um sonho.
Corri muito, talvez durante uma hora, até que me deparei com um lago de proporções gigantescas, sua água era totalmente transparente de modo que eu consegui visualizar o fundo com clareza, era um fundo estranho, exatamente como o chão, de cor cinza, com algumas pedras, entrei alguns passos na água e percebi que a única solução seria nadar através destas águas geladas, as primeiras braçadas foram difíceis até que me acostumasse com a temperatura da água e com os movimentos cadenciados de meus braços e minhas pernas, tudo era muito novo para min, era completamente sensacional e ao mesmo tempo pavoroso nadar naquele lago, pois estranho era o fato de que mesmo nadando eu conseguia ouvir uma música a qual nunca houvera visto outra igual, era evidente que ela era direcionada diretamente à minha mente, nadei com relativa tranqüilidade, porém não consigo saber exatamente quantos quilômetros de água foram nadados. É fato relevante o susto que tomei quando vi que o fundo daquele imenso lago não podia ser mais visto, somente via uma espécie de energia vermelha que se encontrava nas profundezas, tive muito medo desta energia, era muito estranha, os sons não me deixavam concentrar na visão, derrepente desta energia saíram muitos pontos luminosos da mesma cor, estes vieram em grupos emergindo até encontrarem meu corpo, e nele se instalaram de modo que eu comecei a ficar com uma luminosidade vermelha.
Aquilo parecia dar-me mais ânimo para nadar, nadei muito até chegar à outra margem, vendo antes disto abaixo das águas límpidas daquele lugar uma espécie de imenso dragão aquático, sem saber o motivo me mantive tranqüilo, ele nadava pelas profundezas do lago. Ao chegar continuei minha vertiginosa corrida até não suportar mais, houve um momento em que pensei que minhas pernas iriam arrebentar, parecia que eu estava em estado de êxtase mental, pois a vontade deveria ser maior que minhas próprias capacidades físicas. O limite parecia estar muito próximo, difícil seria tentar descrever esta sensação por palavras, quantos quilômetros haveria corrido naquele lugar vazio e feio? Talvez quarenta ou cinqüenta. De súbito vi que algo encontrava-se a frente, parecia ser milhares de pontos brancos, certamente seriam estrelas, mas de quê modo se encontravam-se em minha frente e não no céu, corri neste momento muito mais rápido do que me julgava capaz, cheguei ao final e me deparei com um imenso vitral que mostrava do outro lado um universo inteiro, realmente eu merecia aquela visão depois de tanto esforço. Pareceu que todas aquelas estrelas, aquela música e a corrida eram uma coisa só. Não me contive e comecei a chorar muitíssimo. Era um sentimento muito forte aquele que se apoderava de min naquele momento, não sabia exatamente onde estava, mas aquilo naquele exato momento já não me importava mais, o importante era que eu havia extrapolado os limites humanos da capacidade física e com grande esplendor a repercussão foi a de uma explosão de energia sentimental.
Me ajoelhei no chão rochoso e contemplei a beleza do universo, olhei para as palmas de minhas mãos e elas estavam vermelhas com a energia que havia penetrado do fundo do lago, para dizer a verdade meu corpo todo estava vermelho. Tudo parecia uma grande loucura, quando se aproximou de min um homem de aparência branda, cabelos brancos e curtos e me disse algo em língua que não consegui entender. Colocou a mão em minha cabeça e desmaiei sem saber o por quê, tudo era negro e vazio, acordei no meio de uma rua, já era dia e os carros quase me atropelavam, levantei totalmente entorpecido por algo que não sabia definir, aos poucos me recordei do sonho, mas não tinha tanta certeza de que havia tudo isto sido um sonho já que minhas pernas e braços doíam muito, e na realidade quê fazia eu no meio da rua dormindo àquela hora do dia?
Foram coisas misteriosas que aconteceram e que até hoje não sei explicar de que modo ocorreu.

DÉCIMO CONTO: A metamorfose de Draj.

Ocorreu que num vilarejo, numa remota antigüidade um homem de caráter muito sério vivia transtornado com sua vida, sua sina era transformar-se numa personalidade importante da comunidade, porém nada tinha senão uma tenda de artesanato, com a qual ganhava seu pão. Porém certo dia foi inusitadamente surpreso com a presença de um ser muito estranho. Fábio, o artesão não suportava desleixes em seu trabalho, seus discípulos sempre que cometessem erros inoportunos eram severamente castigados, porém Fábio os recompensava dignamente com presentes e boas quantias de apreciáveis moedas quando trabalhavam corretamente.
Num dos dias em que castigava um dos discípulos com fortes açoitadas de chicote, por este apenas haver derrubado um vaso sem a intenção, Fábio se deparou com uma assombrosa aparição. O discípulo, que era um garoto de seus 11 anos de idade nada viu, acreditando que seu mestre estava louco enquanto falava sozinho. Fábio via um monstro de três chifres, horrível com um bafo aterrador e fétido como esgoto. Sua aparência era bastante medonha, já que tinha dentes afiadíssimos e olhos verdes vivos, enquanto que a cor de sua pele era algo entre vinho e marrom.
- Quê fazeis com o menino criatura?
- De quê se trata você horrenda criatura? – Balbuciou Fábio.
- Sou aquele que julga a todos e a tudo, meu nome é Draj. Estou aqui não para atormentar-te como faz você com esta outra criatura, mas para avisar-te de que os exageros não são bons, nem para o lado bom tampouco para os feitos infernais.
- O que quer de min?
- Não vês que é este um aviso? Se não me teme a figura ensinar-te-ei que isto que fazes não é correto perante as leis.
- E o quê é correto?
- Apenas a moderação.
- Não vos acredito.
Dizendo isto Fábio prosseguiu com as chibatadas no garoto, este gritava a cada chicotada, porém no mesmo momento o artesão foi surpreendido por um golpe de Draj, que deixou uma grande ferida em um de seus braços, se até este momento ele não se importara com o que dissera Draj agora se dava conta de que era um castigo por sua imprudente atitude. O garoto que até aquele momento, a pesar da situação, acreditava que seu maldoso mestre estava como louco conversando com a parede não entendeu o motivo que jogara violentamente Fábio contra o chão, e notou a grande abertura de uma ferida em seu braço, assustando-se com este fato inexplicável.
Pelo vilarejo foi espalhada a lenda de que um grande demônio rondava as cercanias, todos consequentemente ficaram muito assustados, e diziam que o demônio castigava à todos aqueles que praticavam o mal, pois eram estes justamente as principais vítimas do monstro, a que se chamava de Draj.
Num convento porém, enquanto uma freira rezava com fervor recebeu ela uma outra aparição, que em sua forma distanciava-se muito à imagem de um anjo. Naquela ocasião ela estava prostrada diante de um altar, com a imagem de Jesus Cristo sendo crucificado diante dela. Foi uma aparição muito estranha, por suposto. Esta freira era estudante de processos mentais, e por muitos momentos ela chegou a cogitar que tudo aquilo se trata-se de alucinações, mas não era como constatou posteriormente. Por detrás do altar surgiu uma figura bastante curiosa, que tinha o corpo de uma grande cobra, mas a cabeça era certamente de uma pessoa bastante afável. Seria uma imagem irreal pensou, mas era tão real quanto era sua própria vida. Neste momento a gigantesca e viscosa cobra com cabeça de um senhor caridoso e bondoso descobrindo seus pensamentos disse da seguinte maneira, com palavras hipnotizantes:
- Crês que tua vida é verdadeira?
- Claro... Mas tu es um sonho, não me venhas invadir a realidade.
- Não acha que a realidade é suscetível à interpretação?
- Bem, - Disse a freira, já mais tranqüila pela afável face da cobra que cada vez mais a envolvia.
- Tu eis ilusão, fruto de minhas fantasias e pensamentos, não sei como ousas invadir a realidade de meu mundo.
- Crês então que teus pensamentos não são a realidade de teu mundo?
- Claro que são! Porém estes são livres como são as águas do mar, não como o mundo que possui leis e regras findáveis.
- É a realidade limitada? – Perguntou a cobra com ironia.
- Não sei... estais me confundindo, pare de fazer isto cobra malvada...
- Não sejais tão tola amiga, pois teus pensamentos são a tua realidade, o mundo em que viveis é a ferramenta que utilizareis para produzir a tua realidade. Assim digo-vos que o mundo nada significa como realidade propriamente dita, se sou eu a tua imaginação, me vejas como real e não como irreal. Quê são os sonhos senão a realidade primordial das pessoas.
- Tua face é tão linda, quem és tu?
- Tua própria consciência, e venho dizer-te que já chega o momento de enfrentares a ti mesmo.
- Não me digas tais asneiras cobra.
- Como quiserdes será.
- Quê dizes de consciência.
- A realidade.
- Não te entendo.
- O que se trata por realidade é a consciência.
- És minha imagem mental?
- Isso mesmo cara amiga – Disse a cobra olhando nos olhos da freira, e envolvendo-a com seu comprido corpo. – Estamos uma com a outra relacionadas, e se quer saber de uma coisa dir-te-ei o fato mais intrigante do qual jamais pudera Ter idéia, que é justamente o de que eu posso ser mais real que você, pois veja minha querida amiga, que você se preocupa muito com o mundo exterior em que vive, e eu do contrario sou uma criatura bastante importante, talvez muito mais importante que ti, já que a única realidade que existe no mundo está baseada no mundo mental, o resto consta apenas de impressões físicas, tão banais quanto a obscuridade de uma caverna.
- Penso que buscas me confundir, mas agora vejo que há grande razão no que me dizeis, mas fico com tamanha tristeza ao pensar que vivo uma mentira e falsidade, que mesmo a pesar de saber deste fato não vou seguir tuas palavras.
- Preferes então seguir uma mentira já sabida que se rebaixar e juntar-se à min.
- Sim, mesmo sabendo que minha vida trata-se de ilusão do mundo físico.
- Me tens medo?
- Claro que não.
- Então dês um passo à frente.
- Não quero me envolver.
- Já estais moralmente envolvida.
- Disto já sei pois tiraste de min uma possível realidade em que vivia.
- Vamos, somente um passo e estareis junto comigo.
Assim a freira decidiu dar um passo à frente, neste momento juntou-se com sua própria consciência, a cobra se enrolou nela, sentindo no início muita repugnância a freira pensou por momentos em se desvencilhar, mas tardiamente nela surgiu uma força de vontade oculta, no final da suposta cerimônia ela se viu quase que esmagada pela cobra, porém nela surgiram sentimentos e idéias que nunca houvera tido, e um nome surgiu em sua mente, este nome era Draj. A cobra sumiu para nunca mais aparecer em sua vida, porém ela parecia conversar mentalmente com um ser que não sabia explicar como aparecia. Não sabia se era telepatia. O fato é que a partir deste momento naquela comunidade Draj foi considerado como um ser de duas faces, todos acreditavam piamente nas lendas que foram rapidamente propagadas. Draj era a figura de um demônio que assolava com crueldade as pessoas perversas, e ao mesmo tempo congratulava-se em trocar idéias sobre a vida e a realidade desta com as pessoas bondosas de coração, e, nestes momentos se mostrava na forma de uma bondosa e mansa cobra que aos poucos se aproximava, e no final pedia para que fosse dado um passo a frente, se fosse executado o pedido ela envolvia a pessoa, que após momentos desmaiava, e acordava sem quaisquer vestígios, caso contrário, no caso de que a pessoa não quisesse dar o passo à frente Draj transformava-se no demônio horrendo de três chifres e dizia que a pessoa não vivia conforme as leis que foram propostas segundo o eterno parlamento sumindo em seguida deixando fétida fumaça no local.
As lendas eram propagadas com grande velocidade, e às vezes distorcidas de modo que haviam histórias totalmente diferentes às reais, e muitas outras vezes os mais cultos e sábios desacreditavam dos fatos contados, e achavam que a população era de tamanha ignorância que acreditava em tudo o que fosse inventado por qualquer espertalhão.
Nesta época fora proposto pelo conselheiro do grande rei que a plebe pagasse devidamente impostos adicionais, que na verdade eram totalmente inviáveis por suas condições, o conselheiro tinha por trás disto tudo projetos nada corretos, pois planejava ganhar muito dinheiro. O rei, não sabia da real situação de sua comunidade, e fora com isso completamente enganado por seu súdito mais fiel. Tendo ocorrido isto a comunidade revoltou-se contra o rei, maldizendo-o pela fome que passavam, e foi neste momento em que o rei, enquanto jogava xadrez com o conselheiro fora surpreendido com a visão de Draj em forma de demônio, enquanto que seu conselheiro nada conseguia visualizar, acreditando que o rei estava em um verdadeiro acesso de insanidade mental.
- Quê fazeis com a população meu rei? – Grunhiu Draj com tom ameaçador, sua figura era do tamanho de dois cavalos.
O rei de um grande susto deu um salto quando apareceu-lhe aquela figura demoníaca diante de si, com tantos dentes, vermelha escura misturada com cor de barro. Com olhos verdes e um rosto todo creio de verrugas e fissuras estrondosamente horríveis, derrubou o tabuleiro de xadrez e caiu aturdido para trás.
- Quê passa contigo meu rei? – Perguntou em disfarçado tom de preocupação o conselheiro.
Levantando-se com dificuldade tornou a ver a horrível figura.
- Vamos criatura! Levanta-te para me responder o que pergunto.
- A quê se refere? – Disse o rei lembrando-se da lenda, a qual nunca acreditara.
- Ao que chamais de impostos.
- Está tudo dentro da normalidade em relação aos impostos espírito maligno.
- Como ousas mentir à Draj?
- Não quero lubridiar-te, apenas digo-vos o que é a mais pura verdade – Disse o rei numa frustrada tentativa de amenizar-lhe a ira.
Draj furiosamente atacou o rei como um touro, e este foi jogado com sobre-humana força à parede posterior daquele aposento, com graves ferimentos no abdômen e peito o rei foi no exato momento arrastado até o mago do castelo, que não constatou sua morte, tentando com desespero através de suas poções curar os ferimentos e uma forte febre. O conselheiro não conseguira explicar o que ocorrera, já que estava muito aturdido com a ocorrência, somente ficava lembrando-se de forma repetitiva das palavras do rei de impostos e espírito maligno, o que o deixava quase tão louco quanto ficara o rei. Haveria ele descoberto seus planos de enriquecimento ilícito?
O rei, em sua febre proferia constantemente em sua febre palavras ininteligíveis entre outras que se distinguia claramente o que se referia aos impostos, parecia querer se desculpar e explicar algo a um ser invisível. Após estes fatos, Draj descobrindo que o verdadeiro culpado dos impostos era o conselheiro e não o rei o matou justamente segundo as leis do eterno tribunal, perdoando o rei por haver sido enganado por palavras de um falso homem.
Fato extraordinário foram estas aparições e mortes misteriosas para os descrentes daquela nova religião que surgira naqueles tempos, que foi chamada a posteriori de “A metamorfose de Draj”, o ser dual. Fora uma religião surgida de fatos reais diziam todos, e que viera para salvar à todos. Aos poucos os fenômenos foram desaparecendo da comunidade e com isso, através da cultura, foi sendo distorcida a realidade dos feitos de Draj, sendo a religião após tempos e tempos subdividida em muitas outras, já que era interpretada de diversas maneiras. Draj sempre discordou destas criações culturais, as quais ignora, pois segundo ele não tratam-se da realidade propriamente dita. Mas o que entendemos por realidade propriamente dita?

DÉCIMO PRIMEIROCONTO – A essência do caos

Dentro de uma pequenina caixa vivia um ser bastante curioso, seus olhos eram azuis, mas seu corpo era verde, bastante curioso pois tinha o tamanho de uma bola de sinuca. Não se sabe como surgiu, mas o certo é que num dia qualquer saiu da caixa, e por ter uma aparência monstruosa assustou-se. Aparência montruosa não era a dele, mas do mundo que viu ao sair, pois numa larga avenida muitos carros e caminhões buzinavam e soltavam uma fumaceira desagradabilíssima. Começou a andar, e sendo do tamanho que era logo quase foi atropelado, queria sair daquela escura caixa e conhecer o mundo.
Mas tudo pareceu à ele medonho e perigoso, não sabia como proceder em diversas ocasiões, a maioria das pessoas não notava sua presença, os que notavam logo davam um berro ou saiam correndo, pois era uma mistura de lagarto com gente. Numa destas ocasiões perambulava ao léu numa praça do bairro e um garoto que ingenuamente brincava de amarelinha, e, não encontrando pedra para jogar o pegou, jogando-o numa das casas. Mas logo o menino que se chamava Franshauliwisk ficou abismado com o fato de sua pedra andar. Era um menino míope e não pode notar a feiúra daquela pedra, logo pegou a pedra extasiado e saiu correndo pelas ruas da cidade encontrando na metade do caminho de sua casa com o professor de química Wander.
Wander era um senhor de idade avançada, com uma barba muito espessa, seu cabelo teimava em estar sempre em total desalinho, o que ele já não dava mais importância, os olhos afundados na face detrás de uns óculos redondos e de uma magreza cadavérica. Andava sempre com milhares de preocupações na cabeça, pastas e livros nas mãos ossudas e um olhar percrustador.
Franshauliwisk atravessando muitas ruas corria desesperadamente, enquanto o homem lagarto em miniatura sofria esmagado em suas mãos com o rosto já vermelho de tanta falta de ar. Até que topou com Wander deixado seu achado cair à alguns metros à frente.
- Quê? – Perguntou o professor sem se dar conta do que estava acontecendo.
- Professor, eu, eu encontrei uma pedra. – Falou o menino com bastante afobação.
- Não quero saber de pedras Franshau! – Resmungou o professor já continuando sua marcha frenética, deixando o garoto para trás, acontece que foi em direção do achado, quase esmagando-o se não fosse pela intervenção de Franshauliwisk com um berro ensurdecedor.
- Por quê gritas assim? Estás louco ou o quê?
- Professor Wander, o senhor vai liquidar minha pedra andante?
- Pedra andante?
- Sim, é esta aqui. – Proferiu orgulhosamente enquanto apontava seu achado, e este por sua vez enxergando muito bem limpou por duas vezes seus óculos para ver se estava realmente vendo o que via e ao notar que não estava alucinando assustou-se.
- Mas que monstrinho é este?
- É uma pedra andante! Eu a achei no parque.
- Há tempos recomendei a seus pais te porem uns óculos de grau... Não vês que é um pequeno... Pequeno... Como podemos definir isto? – Pegou o que chamara por monstrinho e pôs bem perto de seu rosto no intuito de contemplar mais detalhadamente. E prosseguiu. – Quem ou o quê é você?
- Venho da caixa. – Respondeu concisamente com uma voz bastante aguda o lagarto. – Venho das obscuras sendas do papelão e sou o ser mais horrorizado de que se pode ter noticia... este mundo é terrível.
- Você ainda não viu nada. E nem queira ver... – Respondeu o garoto num tom ingenuamente burlesco e ao mesmo tempo desalentado.
Momentos depois os dois levaram o coitado e perdido para a casa do professor donde nos fundos havia um laboratório de improviso, cheio de papéis, frascos com líquidos de todas as cores e tamanhos e algumas gaiolas com ratos de cobaia. De fato o que aquela estranha criatura vira do mundo não representava sua verdadeira essência. Qual seria a essência do mundo? Estes eram os pensamentos de Wander enquanto ouviu a pergunta do desconhecido achado e a resposta descompromissada de seu aluno. Talvez este estranho animalzinho não tenha conhecido o mundo em sua verdadeira essência, pois é certo que nosso planeta tem seus aspectos bons e maus, tudo dependerá tão somente do modo como estamos interpretando as coisas que vemos ao nosso redor, é possível que seja um extra-terrestre, será ele um ser bom ou mau? Sua aparência é bastante feia! Esta pele esverdeada... poderíamos dizer que se parece um pequeno monstro. Mas ele próprio parece ter ficado assustado conosco. Será que estou precisando fazer a barba? Não, não creio que seja isto, pois as aparências não querem dizer nada, são tão insignificantes quanto a interpretação que fazemos das coisas, o mais importante são as coisas por elas mesmos, ou seja: as essências. É evidente que não podemos conhecer as essências se não interpretarmos elas através de nossos sentidos e experiências para formar uma opinião sólida à respeito delas. Logo nada do que conhecemos é tão real quanto a essência verdadeira destas coisas. Sim, chego à conclusão de que mesmo que o interprete como feio e terrificante este ser pode ele ter uma essência completamente diferente, estaria eu através de meus conceitos formando uma realidade distinta da própria realidade. O próprio lagarto julgou nosso mundo como horrível, talvez tenha sido precipitado em suas conclusões, mas vejo sim que a verdade é que não existe um ser na galáxia toda, incluindo qualquer tipo de lagarto transmorfo que tenha uma concepção igual da realidade, já que tudo depende exclusivamente da interpretação. E ainda por cima estas interpretações nunca podem ser perfeitas, logo nunca conheceremos a essência da realidade! É isto! As abelhas, as plantas, os peixes, os moluscos, macacos, feras, lagartos, elefantes homens e formigas têm diferentes contatos com a realidade e interpretam de maneira diferente o que vivem, as mesmas coisas são vistas de diferentes modos logo não existe um mundo mas infinitos mundos. A pluralidade destas interpretações nos levaria ao caos... Como conseguimos viver em sociedade?...
Enquanto o professor fazia no caminho de sua casa sérias reflexões filosóficas, o menino conforme havia insistido levava cuidadosamente o supremo extra-terrestre, assim passaram a chamar até chegarem aos fundos de sua casa onde estava um laboratório relativamente bagunçado. Ao chegar o professor jogou suas pastas e livros num velho sofá listrado de verde, já bastante judiado que se posicionava ao lado da porta, onde no chão um grande tapete amarelo se colocava com os seguintes dizeres: Que a química perpasse teus neurônios!
Ali colocaram delicadamente o animalzinho numa mesa cheia de frascos, recipientes e livros de químicas.
- De onde vens? – Perguntou Wander com curiosidade científica.
- Quem ou o quê é você? – Perguntou Mambu, pois assim era seu nome.
- Eu? Sou um professor de química.
- Não meu senhor. – Respondeu ironicamente Mambu que conhecia muito da vida e da essência das coisas. – O senhor não é um professor de química mas sim Wander: um ser humano dotado de infindáveis capacidades, sentimentos e dotes, e pode utiliza-los ou não conforme seu desenvolvimento geral na vida. Não deves o senhor se ater às insignificantes designações e concepções de parcelas pequeninas da vida, deves sim saber que um profesor de química não é ser, mas sim ter, pois vossa senhoria detém o conhecimento sulficiente para ministrar aulas desta matéria. Farei agora outra pergunta: O senhor respeitabilíssimo é o que faz?
- Nunca parei para pensar nisto... – Balbuciou Wander impressionado com o nível de dicernimento daquela criatura que até então julgara ser um extra-terrestre ignorante, tão somente pela análise que fizera de sua aparência, enquanto isto o menino sem sentender patavinas daquela conversa se atinha à olhar Mambu com uma grande lupa que encontrara por qualquer lugar do laboratório.
- Responda! – Falou imperiosamente o transmorfo, como um rei.
- Se sou o que faço? Agora que você me disse isto consigo pensar de maneira translúcida que na verdade não sou o que faço, portanto não posso ser um professor, mas sou sim um objeto externo à tudo que possa fazer. Sim vejo muito bem que não sou professor mas uma essência mais profunda que possui a ínfima capacidade de ensinar química!
- Meu nome é Mambu, sou um ser que poucos sabem de onde vim, não posso dizer de onde exatamente, mas sim de uma grande escuridão. Àqueles que querem saber talvez poderão algo descobrir, mas nunca de fato saberão a exata realidade de minhas origens, pois já que ninguém têm o mesmo conceito de realidade ela mesmo não existe, o que existe é uma distorcida noção das coisas... Veja vossa reverência que tampouco sabe quem és, se não sabes quem és como saberá então o quê é o mundo?
- É evidente que se não sei quem sou não poderei saber o quê é o mundo. É como dizer que uma árvore que não sabe que têm folhas não poderá fazer fotossíntese, e logo não poderá saber que existe o sol, ou terá uma noção muito distorcida do sol. Ou um operador que não sabendo mexer numa máquina nunca saberá onde poderá chegar com esta máquina. Ou um homem que não sabendo dirigir carro nunca saberá existirem outros países no mundo.
- Exatamente isto meu amigo, vejo que entendeste algo das essências das idéias. – Disse consignado mambu colocando suas pequeninas mãos no queixo com um ar de sábio sentando-se num livro de química avançada. Sendo que cuidadosamente antes de sentar-se tirou com um pano, que não se sabe se tirou de um bolso oculto ou encontrou ao acaso, o pó depositado no livro. – Finalmente chegamos à algum lugar, mas como disse à você, este mundo me assusta, primeiro este menino achando que sou uma pedra me atira longe... Depois me espreme como limão...
- Veja Mambu que é míope, e já insisti no fato de que já passou da hora de adquirir um óculos de grau...
- É sobre isto que estamos falando: a visão que ele têm da realidade é diferente, distinta e única.
- Não estás falando em tom de burla?
- Não, não! Isto se aplica desde às situações mais simples às mais abstratas e filosóficas...
- Claro. – Resignou-se o cientista, como se de nada tivesse duvidado.
- E veja você, meu caro, que ainda por um momento, após muitos anos tive a audácia de sair das brumas obscuras de minha caixa, que eram para min bastante agradáveis, e quando tive o contato com o que considerei como realidade me abismei: aqueles caminhões e carros poluindo, pessoas querendo pisar em mim, muitos gritando quando me viam, outros saiam correndo. Tive muito medo, e por momentos quis voltar correndo à minha caixa.
- É verdade, é muito duro enfrentar a realidade, principalmente quando se descobre que ela é muito mais ampla do que se supunha... – Contextualisou o cientista.
- Tentei enfrenta-la de cara, de modo que este menino me encontrou.
- Mas ele não via a realidade exata, e por isto não saiu correndo.
- O senhor está supondo que é melhor se manter distante da realidade para se viver melhor?
- De certa forma... – Confirmou Wander
- Sim, devo concordar com vossa excelentíssima reverência que é muito mais cômodo desconhecermos à nós e ao mundo para viver mais facilmente: sem mudanças, sem adaptações, sem arriscar, sem perigo, sem diversidade e finalmente: Sem dilema, pois dilema significa a essência da descoberta da essência.
- Dilema? – Perguntou o cientista interessadamente com os olhos arregalados, já servindo um frasco bem pequenino de água para o lagarto tomar.
- Sim dilema! Dilma é essência, é vida! Sem ele não há mudança... Mas que coisa deliciosa! Quê é isto?
- Água. – Respondeu Franshauliwisk interferindo na conversa da qual pouca coisa entendia enquanto olhava com graciosidade Mambu tomar água.
- Água! É de um frescor inigualável... Veja você que se eu não me arriscasse a toma-la jamais sentiria o prazer e preenchimento que ela proporciona, mas é certo que por momentos passei pelo dilema de tomar ou não algo desconhecido, conhecer o desconhecido proporciona um dilema pois traz à tona uma nova realidade.
- Isto quer dizer que além de cada um ter uma interpretação das essências diferentes e por isto viverem realidades diferentes estas realidades estão em constante mudança?
- Exato! A menos que sejam comodistas e faltem-lhes a vontade de saber quem são, neste caso a realidade se mantêm constante, ou melhor: ficam muito mais distantes do real que se estivessem no porssesso de mudança... Sair da caixa, e de muitas outras caixas que nos embrulham...
- Isto não traz o caos? – Perguntou o menino de maneira criativa, mas ainda assim fazendo interessante colocação, logo o lagarto olhou para ele e colocou o frasquinho que lhe servia de copo no livro.
- Sim: tudo é caos e tudo é essência! – Falou impetuosamente o lagarto.
Todos então, após esta frase consisa e avassaladora ficaram prostrados um diante do outro num silêncio mortal, era um silêncio vivaz e esclarecedor, de repente o lagarto começou a desaparecer, estava se desintegrando, muito brilho cor de ouro lhe preencheu, de modo que aquilo se afigurava como uma espécie de passe de mágica. O professor, sem saber o que falar olhou ao aluno, e o aluno olhou ao professor como se quizesse uma explicação, de súbito o mesmo aconteceu aos dois que começaram a desaparecer com aquele estranho brilho cor de ouro, logo o laboratório de química ficou completamente vazio, a lupa pareceu cair em câmera lenta ao piso de mármore fazendo um ruído impreciso.
Algum tempo depois no mesmo processo desapareceram os livros, os cadernos, frascos, líquidos, as mesas, o sofá esverdeado, as paredes o teto e o próprio chão do lugar, de modo que donde era um laboratório ficou um intenso negrume. Coisa bastante estranha. Rapidamente aquele brilho maravilhosamente lindo perpassou por toda a casa, a vizinhança, as ruas, prédios, praças, monumentos, estádios, museus, teatros, e a cidade desapareceu numa escuridão total, e, antes que os jornais pudesem disto fazer alguma noticia o mundo desapareceu juntamente com o universo, e tudo ficou totalmente escuro de modo que o tudo parecia o nada.
Até que então alguém resolveu, depois de muito tempo de escuridão dar um passo, depois deste passo mais outro, até se seguir uma cadência de passos que formou uma caminhada, que foi depois de alguns minutos impedida por alguma coisa... Era uma parede de papelão, que foi com audácia rasgada, e vejam só que o mesmo lagarto saiu na mesma cidade, mas seus olhos estavam diferente, parece que naquele momento ele via a si mesmo e ao mundo de modo distinto.

DÉCIMO SEGUNDO CONTO: O dilema de Felisberto

Felisberto era um funcionário preocupadíssimo com os problemas de sua sociedade, no entanto um dos maiores problemas era o trânsito na cidade de São Paulo, se indignava totalmente com a quantidade de horas que passava dentro daquele cubículo que era seu carro, tentava sempre distrair-se com alguma música, mas depois de poucos minutos a música parecia estar lhe estourvando a paciência, de modo que nalgumas vezes achava que seu cérebro iria estourar de tanta dor, sim, este era mais um problema que andava em seu encalço . O dia inteiro atulhado e atolado num computador recebendo ordens e mais ordens, de todos os lados, o que lhe trazia afazeres e mais afazeres, sentado o dia inteiro com os nervos sempre à flor da pele, já que seu chefe não contribuía muito nas situações do dia dia, chegava em casa já tarde da noite, tão cansado que nem energia lhe sobrava para conversar pouco mais animado com a esposa. Sobrava para ela receber um monte de reclamações pouco menor que o Monte Everest. Felisberto, um homem de 34 anos, seus cabelos denotavam já duas reentrâncias na testa, talvez produzidas por sua vida atulhada de afazeres e deveres, os olhos castanhos mas com vermelidões horrorosas, que quando unidas com a obscuridade de seus profundos entornos davam-lhe um aspecto assombrado. A comissura dos lábios dificilmente se esticavam para cima, bastante difícil era que fizesse um sorrido, e quando o fazia este surtia com um efeito bastante sínico, de modo que fosse como uma representação bastante mal feita de um esboço de sorriso, assim sempre que assim julgava melhorar a situação acabava por ficar ainda mais inconveniente.
Este era Felisberto. Felisberto estava triste e não sabia. Aos fins de semana conseguia ludibriar a si mesmo quando jogava futebol com os amigos e tomava uma cervejinha. Era a pelada que salvava a sua vida, era ela que trazia, ao menos por alguns momentos, o vigor da vida a alegria, felicidade, prazer e êxtase da vida. Sentia-se muito melhor naqueles momentos que durante os outros momentos da vida. Entretanto pelo acaso do destino ou da mais pura sorte um dia Felisberto num churrasco falou à um de seus amigos de maneira espontânea e casual, ainda com aquele sorriso cínico e com umas olheiras gigantesca que faziam com que parecesse um monstro aterrador:
- Sabe Arnaldo... Estava pensando ultimamente que estar aqui tomando esta serveja, e jogando esta pelada maravilhosa é uma coisa fora do comum, algo que sinto um prazer indescritível. Pode este prazer ser chamado de vida?
Arnaldo era um homem bastante íntegro, e notando que o colega se encontrava num grande dilema tentou ajudar-lhe com algumas proposições:
- Você está dizendo então que somente prazer nestes momentos?
- Sim exatamente... Minha vida está um verdadeiro bagaço, as relações com minha esposa não andam nada bem, e o serviço cada vez mais puxado não me dá margem à um descanso...
- Sim, entendo, mas veja bem meu amigo: Seria a essência da vida o prazer? Futebol e cerveja são grandes prazeres dos Brasileiros, assim como o samba e as mulatas, mas veja bem que o sofrimento também faz parte integral da vida. É preciso sofrer para viver. – Com esta afirmação deu três goles em sua cerveja e continuou com alacridade. - Sim, eu diria que o sofrimento é a base da vida, pois o sofromento é um dilema pelo qual passamos, e o dilema é um problema que incita a mudança, a mudança é movimento, logo a essência da vida é o movimento, portanto meu caro Felisberto o sofrimento é movimento.
- É, acho que entendi. – Disse com simplicidade Felisberto enquanto picava uma calabresa com cebola. – Então quer dizer que todos os dias que sofro durante a semana são mais importantes que os dias que tenho prazer jogando futebol e tomando minha bela cerveja?
- Isso! – Gritou o amigo, empolgado com o fato de que seu amigo havia captado por inteiro sua idéia. – É magnífica sua capacidade de entendimento. Ainda digo mais: Os momentos que passamos por prazeres como este são um entorpecimento que faz com que fujamos do sofrimento.
- O quê? – Berrou Felisberto de maneira escandalosa, sem se conter, inclusive este foi o momento em que caiu da cadeira, aquelas cadeiras de bar, sempre eram perigosas para cair dizia ele depois deste dia. – Você quer então dizer que deve-se somente sofrer, sem ter ao menos os poucos momentos de devaneio e prazer?
- Não, absolutamente, isto não. O fato é que a importância em si não está no sofrer mas sim no mudar, e o que causa mudança nos seres humanos é o sofrimento, aquele que muito sofre devido à mesma causa é porque não mudou, mudar exige uma atitude, uma força, uma vontade.
- Acho então que vou mudar, mas não sei como...
- Faça como eu! – Exclamou vivazmente Arnaldo. – Além de jogar futebol e tomar a cerveja aos fins de semana aos dias de semana eu sempre encontro tempo para dar uma escapadinha no horário do almoço e correr um pouco lá no parque, é para min um momento d indescritível paz, depois que comecei dei outro sentido para vida em geral. Tudo parece mudar, estou bem mais magro, mas ainda tenho que emagrescer pouco mais, minhas idéias concatenam com maior precisão e não estou tão lerdo como era antes para subir escadas. Meu vigor sexual melhorou bastante, inclusive é extraordinariamente eficaz neste sentido a corrida.
- Mas você não cansa de correr todos os dias?
- Não, não... Veja bem Felisberto: o treinamento de corrida é super variado, têm os intervalados, ritmo, morro, fartleck, longão e por aí vai. E nosso organismo vai se adaptando gradualmente ao esforço, de modo que com a super-compensação nós ficamos melhor preparados para um novo treino, ao contrário de cansar a gente renova as energias.
- Agora acho que entendi. – Falou o outro resignado com as explicações.
- Como sabe tenho uma belíssima coleção de medalhas lá em casa, o que me dá uma grande moral com o pessoal do serviço, eles nem sequer acreditam que consegui completar uma maratona este ano, uma prova impressionante de seus impossíveis 42 quilômetros, fiquei muito emocionado quando cheguei... – Fez um gesto cômico com a mão, jogando-a com vigor para o ombro do amigo, algo que lhe era bastante peculiar. – É, isto na verdade é o que todo dizem, e que no quilômetro 30 têm o paredão.
- Você correu 42 quilômetros? Está brincando comigo?
- Não, não. É verdade, corri sim. E ainda consegui cumprir com minha meta, que era fazer a prova para um tempo de 3 horas e 50 minutos, foi fantástico quando cheguei... Ver a torcida batendo palmas... E toda aquela gente correndo para a chegada... Todos por certo bastante emocionados. Foi muito legal, nem consigo descrever direito, sabe? É algo que mexe com a gente.
- Acho que eu nunca conseguiria. – Falou com desalento Felisberto.
- Quê nada, todo mundo diz que é impossível, é difícil mais não impossível. Tudo se resolve com treino e dedicação. Quando nos dedicamos à alguma coisa específica mudamos nossas vidas, pois a cada dia cumprimos uma pequena meta, para um dia chegar na meta maior que é a maratona.
- É? Acho que este é meu problema... Ando meio sem metas na minha vida... É só trabalhar e trabalhar, ganhar o sustento da família e depois trabalhar mais, se eu não dedicar um mínimo tempo em alguma meta um pouco mais elevada que isto acho que vou morrer de desgosto.
- Este é em geral... – Disse Arnaldo dando uns tapas amistosos nas costas do colega. – É em geral o maior problema dos seres humanos, que passam pela vida sem viver, ou melhor: passam pela vida sem correr, porque correr é viver.
- Isto parece uma paródia, mas vou confiar em você, pois na situação em que me encontro não tenho nada a perder, vou experimentar correr.
Uma semana depois de ter proferido esta frase Felisberto começou suas primeiras corridas, eram três vezes por semana, um esforço tremendo que com o passar dos tempos passou à exigir pouco menos, de modo que começou a descobrir o prazer de correr. Sim! O mundo era belo! A natureza era exuberante, os perfumes agradáveis, a terra era fofa, a chuva era refrescante, os ventos eram revigorantes, as plantas eram exóticas, e as pessoas... as pessoas... as pessoas eram humanas! Sim era isto que ele havia descoberto. Tudo estava dentro de uma simplicidade e singeleza tão grande que Felisberto não sabia como não pudera descobrir tudo isto antes.
Então finalmente chegou, depois de três anos de graduais objetivos atingidos, como provas de 6, 10, 15 e 21 quilômetros, todas as metas logradas com muita alegria, sentia que sua vida estava mais viva, sorria mais, estava sempre mais disposto, as coisas lhe pareciam mais belas, era uma pessoa mais positiva, mais otimista. Chegou ao dia da maratona, finalmente iria fazer aquela prova de que tanto lhe falavam os corredores seus colegas de treino. A temida prova de seus 42 quilômetros e 195 metros, finalmente disse ele enquanto uma ansiedade lhe inundava a alma antes da largada. Então correu. Correu bastante, correu muito e continuou correndo até que viu depois de muito tempo a linha de chegada, seus pés doíam, suas pernas não respondiam com exatidão, mas sua alma vibrava com tanta intensidade que não pode conter muitas lágrimas, que esbaldavam de seu rosto, se sentiu como nunca havia se sentido em sua vida pois um sentido de paz lhe preencheu de tal forma que tudo em sua vida pareceu fazer sentido. Finalmente ao chegar teve o descanso merecido daqueles poucos que são verdadeiros heróis, heróis não só da corrida como também da vida!

DÉCIMO TERCEIRO CONTO: O fulgor de um projeto.

Lá estava ele: concatenado numa postura pensativa em sua escrivaninha, esta de madeira ornamentada, representações de folhas e feições de seres alados, animas de homens sem rostos detalhados, como se suas vidas não tivessem ainda vindo à tona. Tudo isto em madeira, eram detalhes de sua bela mesa de madeira. Sua face era bela como possa parecer a mais bela face de um senhor de idade, com longas e brancas barbas, olhar brilhante de olhos de um reluzente azul. Sim, lá estava Deus. Pensativo, mas insatisfeito com algo que não sabia o que era. Sua escrivaninha era de tamanha perfeição que poder-se-ia ficar dias inteiros contemplando as beldades dos detalhes e das próprias expressões dos detalhes. Sentado numa poltrona de ouro, com os mais diversos ornamentos e formas arredondadas em prata, nestas formas encrustavam-se distribuídos de maneira harmoniosa e conjunta cristais, esmeraldas, rubis, ágatas e pérolas da mais rica magnificência e perfeição.
Suas mãos já bastante envelhecidas pela idade, cujo número desta ninguém cogita citar, portando um lápis com a ponta bastante afiada de grafite escuro batia-o freneticamente na mesa produzindo um toc-toc quase que insuportável. Sua mente perscrutava as mais criativas idéias, mas não chegava a muitas conclusões já que estas eram bastante contraditórias por vezes. Logo apontava mais o lápis jogando cuidadosamente as cascas na lixeira, e retomava sua quase que maníaca atitude de bater o lápis à mesa. Logo, com o passar do tempo, o lápis se transformou num pequenino toco de maneira que quase não dava para segurar.
– Não! – Pensava ele com uma imponência de causar medo a qualquer mortal. – Este será meu projeto... Sim, sim... Um projeto, já faz algum tempo que não tenho nada a fazer senão contemplar esta negra imensidão e elogiar os detalhes de minha própria mesa! De quê adianta estar só a contemplar as próprias potencialidades? – E logo respondia a si mesmo, num interminável e solitário monólogo. - Sempre achei que estes desenhos bastante estranhos, esquisitos, originais e diferentes, mas é certo que de uma ou de outra maneira me valeriam para criar alguma idéia, e vi que as coisas são muito interessantes pois vou criar alguma coisa.
Sim! Estava agora resoluto a criar algo, de maneira febril e vertiginosa começou a escrever, fazer esboços, contas, tabelas, gráficos e estudos nos mais variados âmbitos que imaginava, e logo seu lápis pequenino acabou, pegou um outro de um pequeno estojo de couro marrom-avermelhado, e logo se gastou por inteiro este outro lápis, mas sua frenética e explosiva perturbação não acabara, e as folhas se amontoavam de maneira desordenada ao lado direito de sua mesa, enquanto que do lado esquerdo trabalhava intensamente nas novas folhas, logo uma pilha da altura de um homem das folhas do projeto se prostrava ao lado direito da mesa. Levantou-se consternado e inebriado com sua própria loucura e com certa dificuldade pegou aquele amontoado de folhas e pôs no chão, mas não existia chão, tudo era totalmente obscura de modo que parecia que aquele senhor Deus, sua majestosa poltrona e sua mesa estivessem flutuando numa infinita escuridão, ou vácuo, nada do ausente existir poderia ser designada àquelas sombras aterradoras.
Contemplou por pouco tempo a pilhagem de realidade que projetara, mas logo sentou-se novamente imbuído por loucas idéias de criação, logo viu necessidade de utilizar réguas, compassos, calculadoras e esquadros, dizendo a si mesmo que seu projeto deveria ser metódico e perfeito, não queria erros de cálculos, por isso à cada problema aritmético enfrentado repetia-o de cinco à dez vezes para conferir. Estava tão imerso em seus afazeres que logo esqueceu-se que num tempo anterior não tinha nada a fazer senão contemplar as potencialidades de sua mesa, aliás não dispunha mais tempo para nisto pensar.
Destituiu-se do tempo que dispunha para pensar em projetos para logo realiza-lo. Logo o imenso negrume que o circundava estava abarrotado de pilhas de folhas, cada pilha representava uma parte distinta de suas idéias. Logo após uma incomensurável quantidade de lápis utilizado, muitíssimas pilhas gastas de sua calculadora pessoal, e aproximadamente duas mil réguas gastas prostrou-se embasbacado, pois nem mesmo Deus acreditava estar em sua última folha de projeto, acabando esta parou e olhou ao redor de si espantado com a própria criação. Não se sabe quanto tempo ficou nesta posição, sentado, com o olhar à frente como se estivesse vendo o nada, entretanto via o tudo. Num movimento estranho e imparcialmente involuntário colocou os cotovelos à mesa e apoiou as mãos à testa segurando a cabeça com desalento, como se esta fosse desabar. Instintivamente acreditava que havia alguma coisa errada em sua criação, mas não sabia o que era. Tampouco houvera mortal corajoso para cogitar qual o tempo que Deus ficara com aquela desalentada e letárgica postura, como que triste e insatisfeito, mas é certo que levantou-se num salto incrível e assustador, afastando o pesado trono para trás pegou um por um dos montes e montes de folhas e fez muitas correções, coloriu todas as folhas com belos desenhos e utilizou as mais variadas cores de seus lápis de cores, repetindo a si mesmo em alta voz: - Sim! Sim! Faltava algo em tudo... A arte será parte de meu projeto, pois sem arte, sem arte não há vida!

DÉCIMO QUARTO CONTO - Solução para dois problemas: Arte e vida.

No que consiste a vida? Aliás: Que é a vida? Não, muito complexo, demasiado difícil não são perguntas concatenadas à serem respondidas. Devemos apenas viver! Não, não... Também não se deve dar subterfúgios escorregadios e mundanos, deveremos no mínimo dar uma desculpa pouco mais científica aos devaneios existenciais... Não me vejo obrigado à responder estas estapafúrdias perguntas, logo me sinto muito bem em continuar andando em direção à academia de musculação. Mas que vida bela! Não nos obriga a saber que é ela, posso vivê-la sem saber que é! É como se eu tivesse um carro e não soubesse que é ou para que serve, e ainda assim continuasse a dirigi-lo. Sabemos dirigir algo que não sabemos o que é? A palavra dirigir incita algo como direção, caminho, itinerário e objetivo. Chego à assombrosa conclusão de que não estou dirigindo minha vida. Caminhando nesta calçada de belos desenhos de formatos circulares olho sempre ao chão, talvez porque não ouse olhar à frente, diante da verdade do mundo que se me depara. Ainda assim, depois de tudo que pensei não sei todavia quê é a vida. Mas que merda! Meus pensamentos de nada adiantaram! Por isto perco a paciência com este cérebro ignóbil e enganoso. Fastidiado comigo mêsmo continuo caminhando nesta calçada curiosamente bela, e com sorte sem trombar com qualquer poste, pessoa ou semáforo, já que concatenado não olho sequer à frente. No entanto um laivo de consciência me invade, pois logrei ao menos saber que não estou dirigindo o carro pois não sei dirigir. Isto é ao menos um caminho, um primeiro passo à realidade. Mas quê é? Quê é isto?
Deseducado sou, pois de tão entretido com os problemas filosóficos sequer me apresentei ao leitor destes documentos, os quais deixarei postergados à um futuro desconhecidos e possivelmente vão ou apagado. Sou Marcos Paganini, não tenho qualquer habilidade com instrumentos musicais, mas ocorre que por vezes sou acometido por vrtigens filosóficas, as quais consideram como pretuberâncias nefastas de minha personalidade, com isto, dentro do possível, tento manter em segredo estes pensamentos íntimos e acusadores, pois a filosofia é acusadora, quando conturba a paz dos pensamentos estagnados, isto é perigoso! Pode causar lesões das mais diversas, irreversíveis, não se consegue curar a beleza dum pensamento mais amplo. É justamente por isso que todos a temem, e fogem como foge o rato do gato e o gato do cachorro. Os poucos que ousaram enfrenta-la se transformaram em pessoas curiosas, em seres fantásticos e estranhos. Sim, sim: já me olharam, quando emergido em meus acometimentos, como um louco poeta, chamado de peculiar forma esvoaçante (Adjetivos que em suma não conseguiria eu unir) e até muitos já me difamaram, o que não pude interpretar como difamação, mas como uma interpretação precipitada, chamaram-me de idiota. Se sou tudo isto o que me consideram ou não, não sei. Porque não sei o que é a vida. Sou então o meu nome: Marcos Paganini.
Com seus devaneios Marcos Paganini atingiu finalmente a porta de sua academia de musculação, professor de musculação bastante eufórico em sua peculiar maneira de levar a aula, pois tinha lá seus surtos de filosofia, quando isto ocorria alguns estranhavam repudiando o que era dito, enquanto outros achavam engraçado aprovando de uma maneira ou outra, tudo era no mínimo material para muitos comentários adjacente entre todos os convivas do local. Era um sujeito bastante musculoso, costas largas e de umas pernas inconcebívelmente fortes, e braços descomunais. Sua feição era de uma envergadura fora do comum, demonstrava experiência, mesmo apesar de sua relativa ingênua discrepância de pensamentos, o que por muitos era interpretado como dúvida, ambigüidade e até falta de personalidade. Um nariz bastante grande, comprido e pontudo. Seus dentes eram meio tortos e amarelados, o que produzia estrondoso efeito quando começava a falar de maneira desregulada, causando nos outros um mal estar de origem desconhecida. A pesar de seus vinte e sete anos sua pele morena já demonstrava sinais de desgaste, era de se admirar no entanto a reputação de loquazes palestras das quais por muitas vezes fora ele acometido nos momentos mais impróprios que se possa imaginar. Falava sobre uma gama bastante variável de assuntos: Política, religião, desportos sub-aquáticos, filosofia, guerras, música, teatro, arte em geral, arquitetura, desenho, literatura ou até mesmo sobre animais domésticos de estimação. Se era ou não um profundo entendedor destes temas não se sabe muito ao certo, é verídico no entanto sua paixão poliglota por todos eles, não obstante este era o motivo pelo qual alguns consideravam-no como louco e outros como uma pessoa de interessante conotação com a qual poderiam, certamente palestrar sobre diversos assuntos.
Neste dia específico Marcos Paganini estava embalado numa controvérsia existencial fora do comum, ao chegar à academia procurou conter seus pensamentos, principalmente pelo motivo de que muitas vezes se flagrou-se em lugares públicos e ambientes sociais como restaurantes ou mesmo cinemas e teatros pensando alto, o que lhe proporcionara comentários de baixo calão, era tamanho seu envolvimento com as idéias que não notava o que lhe diziam os outros, sim, um homem dentro de si mesmo, abstraído da realidade, ou deveríamos dizer introduzido à realidade? Bem, isto agora não queremos saber, senão que era bastante introspectivo, mas que tentava, na medida do possível, controlar-se. Conteve-se, segurou-se e quase gritou à si mesmo: - Cale-se! Só não o fez por estar neste preciso momento dentro do corredor principal da academia. Mas não era isto que iria fazer durante o expediente? Iria calar sua liberdade e criatividade em nome da produtividade comercial? Que assim seja disse ele, pensando na mesma estrofe que acabáramos de recitar. Já estando com seu uniforme de coloração alaranjada, com bela estampa com o signo da academia na parte central e frontal de sua camisa: “Strongest People and Strongest Brain”, curiosamente este era o nome da academia, não se sabe exatamente o motivo, mas assim tinha sido definido, a insígnia era definida por um corpo masculino de proporções anormais, com a cabeça aberta e um cérebro saindo para fora de tão grande, ao lado do desenho eram ornadas as letras iniciais: “SPSB”. Ao chegar à sala Marcos Paganini se transformou no exímio professor de musculação, notando que havia uma aluna nova logo foi falar com ela neste tom:
- Há! Então se chama Eustácia? Sim, sim... bonito nome. Claro: alongamento é bastante importante, mas deve-se fazer aquecimento com 60% da freqüência cardíaca máxima, para que depois façamos um trabalho de resistência muscular localizado que representa naturalmente de 55 à 65% da resistência de força máxima sabe?
- Não. – Disse a mulher de maneira bastante acanhada, não sabia definitivamente daquilo.
- Pois assim é... Depois a seqüência de exercícios intercalados por braço e perna: Cadeira extensora, pulley costas, mesa flexora, supino máquina, cadeira adutora, elevação lateral, cadeira abdutora, rosca alternada e tríceps com polia alta. Sabe?
- Não. – Disse a mulher, que agora além de acanhada se mostrara com uma pinta de constrangimento por ser totalmente ignorante naqueles assuntos técnicos.
- Claro Eustácia: deveremos trabalhar os músculos quadríceps femoral, grande dorsal, redondo maior, redondo menor, rombóide, infra espinhal, bíceps, semitendíneo, semimembranáceo, tríceps braquial e assim por diante numa seqüência que seja adequada. Há o fato de que dentro de cinco ou seis horas a hipertrofia adquirida é dita aguda, com um acúmulo de ácido láctico e hidrogênio, é evidente que com a inflamação haverão substâncias vasoativas. Sabe?
- Não! Não sei! – Disse Eustácia já com as faces rosadas de tanto enfado.
- Pois assim é. – Continuou insistentemente Paganini. – Serotonina, bradicinina e prostraglandinas. O fibrogênio também é enviado às lesões provocadas pela inflamação. E também...
- Mas que raios o partam homem! – Interrompeu bruscamente Eustácia às margens dum louco desespero. - A mim me basta treinar! Não quero saber que acontece ou não com o corpo, aliás, nem vim à academia para isto. Não me entenda mal, por favor, não tenho paciência para aqui ficar estudando biologia ou fisiologia que seja. Aliás, desejaria sim que tudo isto se se definha, pois gosto sim das artes... – Eustácia no final de sua elucubração deixando o nervosismo de lado olhou ao longe com um vagar apaixonado pela própria palavra proferida.
- Arte? – Perguntou Marcos com um ar de estranheza.
- Sim professor! Quadros de arte para falar mais especificadamente, adoro isto. É uma atividade que me acompanha os momentos de lazer, também ministro um curso de artes barrocas e modernas no instituto tal e qual...
- Mas que curioso, este é um assunto pelo qual tenho constante afeição, mas veja você o quão artísticas são as denominações das substâncias vasoativas.
- Nisto definitivamente, mesmo querendo, não posso contrariá-lo.
- Sim: a arte se mescla de maneira gloriosa com a ciência, basta buscarmos os recônditos em que as combinações estão escondidas.
- Não acha esta ligação um tanto estranha, e até inexistente? – Disse Eustácia já se afeiçoando pelo caráter do professor, que demonstrara maleabilidade no assunto.
- Não! Claro que existe, basta interpretar da maneira correta o que se veja! Não é a arte estudada pela psicologia? Não é a musculação estudada pela fisiologia? Quê é a musculação senão a formação da força de vontade, a personificação da estrondosa capacidade humana, que até então era num âmbito pessoal desconhecida, isto é a arte de viver.
- Julga então que está vinculada a arte à fisiologia?
- Desde sempre, olhe ao seu redor! – Disse ironicamente o professor.
- Bem, me vejo obrigada a concordar que tudo depende de como interpretamos o que vemos, logo não é somente de fisiologia que vive a musculação...
- Não, definitivamente não... aqui há arte, vida, teatro, literatura, filosofia e tudo mais. Basta saber interpretar!
- Acaso não vai o senhor demasiadamente longe?
- Negativo! Neste recinto consigo ver uma gama de detalhes tão abrangente quanto é a arte por assim dizer.
- Peço desculpas por ter sido tão petulante com você! Não imaginava que... que..
- Que não há restrições científicas?
- É isto mesmo. – Disse satisfeita Eustácia, quando o professor captou seu pensamento.
- Bem, também há fisiologia, aliás é o principal por estas bandas, por isto geralmente as pessoas têm uma visão um tanto delimitada deste tema, desta sala por assim dizer, mas o fato real é que o esporte como um todo abarca tanto moral como filosofia em seu contexto, é um acontecimento como pintar um quadro, no qual colocaremos nosso inconsciente dentro, por mais que tentemos fugir à isto, é inevitável: a maneira como praticamos um esporte demonstra o que há de verdadeiro em nós. Esta é a verdade nua e crua. Não há como fugir à isto. Inserem-se valores como sociabilização, e logo conseqüentemente respeito, confraternização, e vivências. Dá margem às idéias a partir do momento em que entramos em contato com a percepção corporal e espaço física, um tipo particular de contato com a realidade por assim dizer. Seria isto um estado alterado de consciência? Não sei. Mas é evidente que a arte como um todo se caracteriza por ser algo de grande abrangência de idéias, de elasticidade assombrosa, assim é a vida! O esporte quando submetido à visão de um fenômeno interligado com as sensações, idéias e percepções do ser humano passa a ter uma conotação intergaláctica, por assim dizer, e por isto se parece com a arte, pela abrangência de detalhes. Mas quê seria isto senão a vida?
Neste momento Eustácia ficou boquiaberta, de tanta atenção esquecera-se dos movimentos que deveria fazer no exercício de rosca alternada, deixando inclusive um dos halteres cair ao solo, causando certo alarde por parte de uma outra aluna que fazia abdominais oblíquos logo abaixo. Uma negligência imperdoável, que causou por certo a produção de muitas serotoninas, prostraglandinas e bradicininas no organismo daquela outra. Fato surpreendente que deixou toda a horda de alunos estupefatos, com exceção do professor Marcos Paganini, que nada entende de música, mas que estando num letárgico e hipnótico devaneio descobrira finalmente o ponto nevrálgico de suas mais íntimas divagações: descobrira o quê era um carro!

Décimo quinto conto: Para cada casca um novo conto

Frederico caminhava com um olhar turvo, não estava onde parecia estar, sua mente perpassava por lugares distantes enquanto prosseguia com passos incertos pela noite turva e funâmbula. Uma sensação de pavor apoderou-se dele quando um assaltante tentou esfaqueá-lo pegando-o totalmente desprevenido, no entanto foi em vão, pois apenas o feriu levemente. Não teve receio e jogando sua carteira ao sujeito saiu de seu poderio.
Não ficou inflamado com a ocasião, tudo o que à ele pudesse fazer um mal aparente momentaneamente não lhe influenciava à longo prazo, mesmo que ficasse momentaneamente abatido. Fato é que mesmo que por um momento ficou espavorido, e isto abateu-lhe os pensamentos, já que tinha recordações familiares, há algum tempo pensava em seus pais e irmão, dando razão à todos quando diziam que suas aulas de economia deveriam ser adiados para que fizesse um estágio na Alemanha, com o colega bastante próximo que mantinha relações comerciais com um de seus primos. Era mês de maio, mês em que Frederico ficava atulhado de deveres, tanto no serviço quanto na empresa.
É certo que o assalto repentino fez com que esquecesse estes pensamentos e se desse conta que estava num escuro beco. Ora essas! Como havia ele caminhado à tal lugar, tão assombroso quanto repelente? Na tentativa de encontrar uma saída que análoga à que tivesse tomado o sujeito violento pulou uma pequena amurada, numa semi-obscuridade e saiu numa outra rua, tão escura e estreita quanto aquele outro lugar. Estaria salvo? Quê poderia fazer?
Ó sensação estranha de insegurança. Quê desalento o imprevisto! Quê pérfida surpresa! Blasfemou contra a própria sorte com injúrias das mais diversas, quê trouxera o destino, à ele, que mesmo sem esperar tal derrocada teve de engolir este fel. Um opróbrio que Frederico teve de passar, pois quem caminha a passos incertos está sujeito às novidades: sejam elas benfazejas ou desnecessárias. Sendo novidades estão sendo e devem ser vivenciadas, pois tudo o que é deve ser transposto e vivenciado, o que não é não pode ser vivido.
Um fato que me deixou relativamente surpreso é que Frederico ficou menos preocupado com o ferimento, que sangrava abundantemente, que com o desvio de seus pensamentos, por isto, fez esforços no sentido de retornar à sua linha de pensamentos anterior, com empresas, estudos, relações familiares e investimentos.
De maneira imprevista o chão sob seus pés desabou, desfragmentando-se como argila que se quebra, dentre as rachaduras produzidas surgiam brilhos dos mais variados matizes, caiu num fosso tão luminoso que acreditou estar louco, espavoriu-se, no entanto ao seu lado estava o mesmo ladrão que minutos antes havia lhe assaltado, tão assustado quanto ele.
Caíram os dois juntos gritando desesperadamente, não se sabe se por medo ou falta de que dialogar. O fim desta drástica queda era todavia mais estranho, pois tudo finalizava numa cama elástica, que absorveu o impacto de maneira eficaz e patética ao mesmo tempo, já que a cada salto tentavam inutilmente se acomodar à uma nova situação, não esperando que a falta de técnica fosse preponderante para um bom controle de movimento. Após a estapafúrdia chegada à um novo ambiente os dois apresentaram-se de maneira extremamente inócua, nem mesmo eu esperaria uma atitude de tal envergadura.
- Boa noite, desculpe, mas meu nome é Tarcilio.
- Claro, muito boa noite, sou Frederico, muito estranho este buraco em que caímos, ao menos até ontem não me havia dado conta de sua existência. – Disse formalmente enquanto levantava-se pateticamente com uma mão no abdômen segurando a ferida e a outra apoiando na cama elástica.
- Efetivamente meu caro, nem mesmo eu que toda noite ando por estas bandas assaltando os palhaços que ousam se aventurar de maneira anormal vagando pela noite de maneira absurdamente inútil, não me interprete mal por favor, mesmo que você faça parte deste grupo... A verdade no entanto é que nem mesmo eu pudera tomar conhecimento deste precipício, talvez seja coisa da prefeitura... sabe como é que é... ficam sempre dizendo que concertam os buracos das ruas mas na verdade acabam por fazer mais ainda. Quê petulância... – Dizia o ladrão com escárnio no olhar, falar sobre política pareceu trazer-lhe amargas recordações amargas e inconvenientes. – Uma falta de respeito devidamente.
- Veja bem meu comparsa, desculpa, mas me vejo obrigado a chamar de comparsa porque nos deparamos na mesma situação inesperada, mas não julgo que isto possa ser resultado de qualquer erro da prefeitura, mais seria uma coisa de circo, com tantas luzes e mais este trampolim acrobático mais provável seria condizente que um circo estivesse sendo implantado no metrô.
- É, sou obrigado a admitir que suas ponderações são bastante lógicas, não obstante, tendo em mente que sou um sujeito ignorante, deseducado e absolutamente extremista seria notável conduirmos que não sou muito capaz de ponderações complexas como pensar em circos subterrâneos, ainda mais que isto seria algo tão novo em minhas percepções de realidade que não poderia admitir tal circunstância.
- Vejo, Tarcilio que mesmo a pesar de sua absoluta ignorância, você têm um tom deveras cordial, quê poderia explicar isto?
- A única coisa que vejo capaz de explicar tal façanha retórica da minha parte é a idéia de que poderíamos não ser pessoas vivas de verdade, com direito de liberdade, e com a capacidade criativa, mas sim ser personagens de um conto, e alguém pudesse estar manipulando nosso linguajar. De modo que este alguém seria o escritor.
- Quê genial, veja que há o fato de que se tuas idéias porventura se assemelhando com as minhas dariam motivos a desconfiarmos haver uma mente pensante e não duas, assim diríamos que o inconsciente coletivo seria o manipulador dos fantoches do mundo.
- Há – Gritou Tarcílio, como descobrindo um segredo ultrasecreto. – Então eu não sou um ladrão, sou apenas uma parte necessária ao teatro da vida, pois sem os seres malévolos e perversos não haveria trama.
- É também bastante racional admitir esta conclusão, mesmo que com ela tenhamos que incluir o fato de que o mal é parte necessária na vida, pois a vida é um “script” e deve inserir todos os tipos de elementos possíveis em sua constituição.
- Desculpa por ter te ferido.
- Não foi nada... – Disse Frederico, tentando disfarçar uma dor, que neste momento se tornara aguda.
- Eu sei... É que de repente pode até ter sido um pouco desagradável a facada, na verdade eu queria te matar para pegar todo o dinheiro, mas pegou só de raspão, aí você me jogou a carteira e eu fiquei satisfeito. Mas o fato é que o mal é aparente, pois sem isto não haveria trama.
- E o escritor?
- Quê escritor? – Retornou o bandido.
- Ora estas, o que nos escreve.
- Simplesmente é ele quem faz a trama.
- E acha que a ele interessam os acontecimentos específicos da trama, quando na verdade sabe o fim último? – Perguntou Frederico ao ladrão com um dos sobrolhos levantado, num ar de investigação.
- Será que ele sabe o final?
- É... – Conduiu quase aterrorizado com o pensamento incerto Frederico. – Talvez nem ele saiba o final desta estória, mas sabe você que todo escritor que se dê ao luxo de escrever algo prestável deve ao menos fazer um breve esboço antecedente dos acontecimentos principais...
- Isto é, mais ainda há um perigo: se acaso lapsos de uma criatividade inesperada e forte invadires a produção literária estamos sujeitos à um futuro tão incerto quanto o do conto escrito, pois por mais lastimável que possa parecer nós somos o próprio conto.
- Isto, meu senhor, me parece mais cruel que a própria facada. No entanto algo que me assusta ainda mais que uma possível criatividade incontrolável seria o fato de que nós não seriamos reais se fôssemos um conto.
- Não somos nós, somos ele. – Concluiu perversamente o perverso ladrão. – Mas esta filosofia devaneante, mesmo que seja interessante, profunda deve-nos trazer algo de útil ao pragmatismo mundano, quê dizer disto?
- Olha aqui Tarcilio – Falou veementemente Frederico, gesticulando com as mãos conforme falava. – Um fato que podemos concluir com o desenvolvimento de uma dialética filosófica, é que no mínimo, no decorrer de novas descobertas devemos mudar nossas atitudes perante a vida. Você poderia descobrir a inutilidade de suas ações, já que quem age não é propriamente você, mas sim o autor através de você, eu ainda proponho uma revolta contra isto.
- Em troca de quê? De uma liberdade impossível?
- Não! Veja que se você fizer exatamente o que está fora de sua essência não irá agradar o escritor, pois fará com que a história saia de seus eixos originais. Não seria isto uma espécie de liberdade? E quê pode ser mais pragmático que a conquista do próprio “eu”?
- É, hei de convir, que novamente suas ponderações fazem emergir em meu espírito um novo pensar, com isto um novo agir: Estou decidido: a partir de agora não serei mais um pervertido, mas sim um homem de boas intenções, ajudarei a todos que se sintam oprimidos, pois é esta a última coisa que possa imaginar o escritor.
- Sim! Faça isto, e terá ao menos uma liberdade aparente. – Falou emotivamente Frederico.
- Não pode ser... – Questionou como se deparando com outro problema o antigo ladrão direcionando um olhar terrificante ao famigerado filósofo e estudante de economia.
- Quê?
- Não pode ser!
- O quê não pode ser?
- Se eu, por ter sido mal, devo me tornar bom para contrariar o autor tu que eras bom deverás tornar-te mal pelo mesmo motivo...
- Bem, neste caso sou obrigado a concluir que tudo estaria como antes, pois haveria o mesmo equilíbrio entre o bem e o mal, concluiríamos também que o que importa não é quem interpreta, mas sim o personagem interpretado, aliás: nós que interpretamos não somos nem uma coisa nem outra, mas sim uma linha em branco que pode nos dar características peculiares.
- Não pode ser... – Disse Tarcílio colocando as suas mãos no rosto já quase se esbaldando em lágrimas abundantes numa efusiva convulsão espiritual. – Isto quer dizer que somos apenas linhas em branco sem características que nos distinguam uns dos outros.
- Eu diria ainda que não somente somos linhas em branco como não somos, quem têm a vantagem de poder ser alguma coisa é apenas o bendito escritor. Se por um acaso resolver eu escrever um conto o conto não será absolutamente vivo, mas sim eu, então se acaso este próprio escritor estiver sendo escrito e não for uma realidade? – Disse num surto espontâneo de inteligência não de Frederico mas minha.
- Neste caso seriamos a história da história e recairíamos numa filosofia existencial da cebola. – Concluiu metaforicamente não o antigo ladrão, mas eu mesmo que sou o próprio autor, e que convenientemente e medonhamente desconfio, assim como o leitor, que haja qualquer outro autor que esteja delineando minhas vivências e as transformando num conto.
- Exatamente. Viva a cebola! Estamos perdidos num vasto mundo de infinitas repetições. O que estamos fazendo é descascar esta cebola ao menos para conhecer algumas possíveis partes dela. – Disse eu, já que isto é um monólogo e não uma conversa à dois, o fato é que como o processo do desenvolvimento de raciocínios lógicos se dá através de antagonismos fui obrigado a inserir ao menos dois personagens nesta história, podendo ainda considerar eu mesmo como meu próprio personagem, que é invisível no campo dos sentidos aos outros dois, pertinentemente não sou invisível no campo da lógica.
Assim está posta a filosofia da cebola como uma coisa bastante simples, mas que têm por certo não somente um fundo metafísico e uma discussão bastante interessante à respeito da vida, com uma aplicabilidade às verdades práticas e vivências do mundo, não os asseguro que vocês leitores não estejam neste momento sendo lidos por outros como um conto, e que estes outros estejam sendo lidos por outros ainda. Numa sucessão que seja tão apraziva quanto seja a vontade daquele que pensa. Aliás meus olhos já estão ardendo de tanto descascar cebola, devo agora deixa-la para entrar com os tomates.

Décimo sexto conto: O homem que decidiu olhar à sua estante de livros:

Em meio às brumas, à obscuridade um espírito perturbado recalcitra à respeito de suas questões mais profundas, andando vertiginosamente de um lado à outro, braços atrás do corpo com as mão unidas em atitude preocupada, o cenho franzido provocando comissuras horizontais em sua testa. Era alto da noite, não obstante, para a mente deste senhor não havia transcurso linear do tempo, estava efetivamente perdido em devaneios ora de característica letárgica deixando-o leve e sutil como em uma valsa, ora enfáticos e veementes, no entanto sempre incautos. Julgava este senhor cujo nome é Ânrer, que até as lembranças pareciam lhe assolar de tal modo, que de tão precisas que eram, havia extraordinária vivacidade nelas, acreditando piamente por isto que ao permearem sua mente criavam-se a si mesmas, andavam por onde bem quisessem, estavam alí em sua mente, ainda que não fossem dele tamanha era a desenvoltura e liberdade de suas próprias lembranças. Seu rosto assumia diferentes feições, ora de serenidade e leveza, ora pesaroso e triste baixava a cabeça ao solo e caminhava mais uma pouco.
A sala era bem decorada, no entanto tudo obumbrado pela noite impenetrável pelas pupilas, um sofá de couro escuro de disposava numa das paredes diante de magnífico quadro com paisagem campestre verdadeiramente monótona em cores, na mesa volumes de clássicos dispostos em três montes, um jornal semi-aberto ao centro da mesa e muitas folhas de papel em branco ao lado da mesa de mogno.
Minha mente percrusta campos incompreensíveis. Não entendo que é a memória: se é um passado consumado ou uma vivência diferente daquilo que já há muito se foi. É notável minha emotividade com coisas que há muito já se desvaneceram. Ó lembranças da minha vida, como são profícuas, ainda que sejam solenemente tristes, são o vínculo que me faz social! Águas passadas dum oceano, que evaporam-se no ar da minha consciência, logo caindo como chuva no brilho dos meus olhos, esta escuridão muito me agrada, tranquilisa e faz com que recorde com mais intensidade daqueles a quem estimo.
De fato o amor corresponde ao sentimento mais nobre que se possa imaginar, nós devemos nutrir cada momento com o êxtase da novidade, a beleza de assustar-se constantemente com o mundo é a procedência do bem viver, as parcas noções do destino se desvanecem diante do encontro do amor fraternal, não há preocupações que possam coexistir com preocupações mesquinhas, pragmáticas, fúteis, supérfluas e inúteis. A alma anseia por sondar sendas tão mais profundas quanto é o local mais profundo que se possa imaginar deste planeta, ali onde correm as seivas salutares e incandescentes do espírito Gaia, sim é isto, no meu sangue corre minha própria alma, é por isto que quando me recordo bate mais forte meu coração, claro! Como não havia de imaginar à isto?
As lembranças mais longínquas tornam-se vivas como o momento em que por elas estava passando. Existe algo aqui! Isto eu sinto não de maneira ingênua e infantil, mas utilizando minha lógica, os parâmetros racionais de que a vida me dotou, há mistérios do consciente mais profundo do homem difíceis de se atingir, mas logo, quando atingimos um triste êxtase se subleva ao coração, trazendo tudo o que até então era pecaminosamente oprimido pela mentira, falsidade e vã vivência à margem do entendimento num ímpeto quase que explosivo. São os insights que chegam à min como se nunca tivessem feito parte de min, quando na verdade eles são eu, a pequenez de minhas possibilidades, de fato, não me permitiram chegar ao entendimento de minha consciência em toda sua completude. É um terror, é sim, como é que esta sociedade se satisfaz com suas vidas mesquinhas? Como podem ser tão inúteis? Ignorantes seres, que com suas bestialidades se preocupam todos os dias, é pois mais fácil viver de prazeres fáceis e descartáveis que sofrer bastante antes de cair diante de si mesmo e dizer: - Ó vida, agora te compreendo! Agora melhor te entendo! Vejo que fala-me pelo caminho mais árduo...
Ânrer ficara em certo ponto de sua solitária discussão com sua consciência estático, olhando à obscuridade, certo ângulo daquele escritorio, donde se encontrava estante de livros, por momentos pensou visualizar um compêndio sobre a natureza humana, de capa vermelho viva, que lera já a algum tempo. Talvez tivesse sido um lapso de imaginação d sua consciência tal era o alcance da escuridão, que se infundia naquele local como um mar de mistérios imaginosos. Seus olhos estavam estáticos, e mais abertos do que fica em geral os olhos de uma pessoa de sã consciência, seus braços cairam ao lado do corpo como que perturbado per pensamentos perdidos, seus labios pareceram balbuciar algo, disse que pareceram pois não foi possivel divisar os labios e parte duma estátua de prata que se prostrava por trás de sua silhueta. Estava embasbacado, com postura pasma e idiota, no entanto os olhos prosseguiam fitando as névoas obumbradas da noite, nào sabia neste momento se via com os olhos ou com a imaginação pois à medida em que sua imaginação ganhava força seus ímpetos de loucura pareciam tomar maior sentido, e suas lembranças saltavam de sua mente como espectros evanescentes de formas semi-ocultas no mar de nada que é a escuridão, não obstante isto que acabamos de definir como mar de nada tornou-se colorido, colorido e rico, tão rico na fértil e emotiva imaginação de ânrer que logo ele estava transportado à sua consciência, e via tudo o que imaginava como realíssimo, infindáveis pontinhos coloridos pareciam querer jogar com ele, seus olhos chegaram a arder, pois não piscava, de tal forma permaneceu nesta postura que uma lágrima por sua face triste e velha resvalou, como um rio de cristalina água perpassa uma noite gélida de desconhecida floresta. Através da finestra entrava de forma mística uma luz de lua tão forte quanto a loucura de Ânrer.
Neste preciso momento nada pensava senão em paisagens desconhecidas, através de raciocinio lento e irracional, de modo que poderiam fundir-se em uma só idéias antagonistas, os conceitos não mais eram importantes, mas sim a percepção empirica daquela letargia louca, a pouca visão que tinha da sala desfragmentava-se, dividindo-se em ondas de cores que ora vinham ora iam, seu corpo estava fraco, muito fraco, tinha uma verdadeira ância de vômito, eis justo o que perpassava em sua mente alucinante e corajosa:
O bem e o mal, forças contrárias, não, devem ser sim parte de um todo, pois tudo o que existe há de fazer parte dum contexto integral, é isto, tanto o fogo do sol como a água da terra se fundem em forma de chuva, e caem ao homem, para dizer que fogo e água são um só. Tanto o ar que respiramos como a terra de onde Deus nos tirou são a mesma coisa, pois logo quando respiramos unimos ar e terra. É assim que quando a chuva, trazendo sua mensagem cai no homem sedento de luz, vida, glória e paz fundem-se os quatro elementos do mundo: terra, ar, fogo e água. Homem, ar, sol e água. Este é o homem respirando na chuva, por certo segundo minhas conclusões a única realidade existente, a metafísica do Mundo, só resta saber a metafísica de Deus, mas à quem compete esta descoberta? De quem é esta tormentosa responsabilidade? Hei de descobrir...
Os pensamentos peregrinavam como grilos saltitantes, enquanto estranha tontura permeava a realidade visual de nosso personagem, no entanto estava tão petrificado dentro de seu próprio espírito, que à esta altura as percepções empíricas não lhe tinham mais quaisquer importâncias, poderia até cair num abismo que não notaria diferença, pois à ele o espírito do questionamento era a única coisa existente, existia dentro de si, e nada mais era interessante, não sendo interessante era inexistente aquilo que o circundava, assim que mergulhou mais fundo, audaciosamente, tinha receio, não! Não era receio, senão um medo desconhecido, provindo de seu exterior, pois ele não tinha medo, jamais teria, pois a vida lhe era bela e ele a aproveitava, na verdade ocorria que tais foram as proporções de seus pensamentos que logo imaginou estar bem, e isto somente lhe bastava, suas pernas estavam doídas, pois não há qualquer pessoa que possa sugerir quanto tempo, ao certo ficara naquela postura, a tentar olhar seu compêndio sobre a vida, que estava não na estante de livros, mas dentro de si mesmo.



Décimo sétimo conto: CIDADE DE ISOPOR, REVISÃO DA VIDA

Uma cidade louca! É sim! É nisto que eu moro, as oportunidades de emprego são cada vez menores, os pedestres são desconsiderados pelos engenheiros com calçadas cada vez mais horríveis, deploráveis por certo estas calçadas que para um carro subir são construídas num ângulo de 45o , e nós caminhantes, simples e humildes caminhantes quando passamos por estas calçadas devemos nos condicionar a fazer muito mais força com uma perna que com a outra, já que é uma que sempre desafia uma elevação relativamente maior, talvez artrite a artrose, tendinite e micro-fraturas sejam os menores males a serem por nós caminhantes adquiridos, isto se deve ao fato de que os males mais incisivos estão nos âmbitos psíquicos: a sensação de desrespeito e a assimilação forçada de desvantagens como esta, que podem erroneamente ser consideradas como fúteis, mas que numa análise com pouco mais de bom senso e discernimento adequado notam-se singularidades tais que me fazem pensar como é louca esta cidade! Talvez um pouco sombria, sim sombria pela solidão, portas fechadas, paredes, concretos armados em retas de todos os ângulos, não se vêem mais as árvores com suas belezas incertas. É no ambiente que se segue o humano, pois somos resultado do que nos proporciona o local donde vivemos, logo, se vivemos num ambiente desarmonioso será nossas vidas tão besta quanto seja este.
Assim pensava Richard enquanto andava numa calçada de péssima qualidade, em sua cidade, andava ao léu, sem outras preocupações que não fossem aquelas inerentes ao presente momento, às reclamações e conjecturas relativas à sua realidade. No entanto pouco sabia Richard que pudessem haver coisas mais importantes, profundas e dignas e conotação que não fossem seus insignificantes pensamentos, e suas injúrias ao seu ambiente, muito menos pudera ele imaginar que fosse assaltado por realidades mais profundas, foi isto justo o que ocorreu quando ele olhando avante, pensando nas dores que percebia na parte lateral distal de sua perna, mais ou menos na altura dos músculos Gastrocnêmio e Sóleo, notou que os prédios que via pareciam desmoronarem.
Quê é isto? Não pode ser, estes prédios estão caindo. No entanto não fazem sequer um ruído, como estará isto ocorrendo? Estarei eu tão fora de min?
Os prédios caíram por completo, como isopor, pois não produziram sequer um ruido, o silêncio era tanto que por instantes Richard imaginou que estivesse com problemas nos tímpanos, e que por este motivo nada pudesse ouvir, pensou em sair correndo no sentido inverso ao que ia para escapar daquela tragédia, para sua surpresa os prédios que estavam do outro lado caiam da mesma maneira.
Tudo caiu completamente, até o chão que ia debaixo de seus pés, então Richard, sem tempo para pensar caiu num abismo profundo, tão profundo que segundo as estimativas levou cerca de 12 horas para chegar ao final, que correspondia à uma belíssima piscina, em forma de estrela e com água de temperatura bastante fresca, principalmente após uma queda aterradora destas.
- Que desespero que sinto, meu coração se confrange em sentimentos confusos, coisas que n~`ào posso entender, estava caminhando tranquilamente sem muito reclamar e repentinamente a cidade desaba diante de meus pés e caio neste prolongado abismo, quase que sem fim, mas pelos Deuses, onde o drestino pôde audaciosamente me levar desta vez?
- Não me digas que não desconfia? – DFisse um senhor que, descansava numa belíssima cadeira de verão, destas de praia, constituida de miríades de canudinhos verde claro, sim, um verde limão.
- Quêm é o senhor? - Disse Richard embasbacado, tendo medo de suas próprias desconfianças. – Acaso é o senhor um padre?
Entrelinhas, é necessário que façamos neste momento alguns comentários à parte, pois aquele homem a que Richard se dirigia não era exatamente um padre assim como ele ingenuamente proferiu, mas tinha lá seu ar de espirituosidade, já fazia algum tempo, sim, um bom tempo que perambulava por aquelas bandas, lá no centro do mundo haviam muitas vantagens com relação à vida na cidade, e ele por certo há muito desfrutava destas vantágens, há cerca de trezentos anos para ser mais preciso. Mas, para infortúnio de Richard não era ele um padre senão um compatriota de Mefisto. Que olhou para Richard com tanta malícia, que este percebeu enganar-se no que disse, volvendo a dizer com bastante cautela:
- Se não é um padre será o senhor o demônio? Que vive neste inferno? Aliás, como todo o respeito, isto parece mais um clube campestre que aquilo que prega a igrejá, é, esta piscina mesmo é de temperatura revigorante, vejo mais ao longe uma gente pitoresca e diferente dos humanos jogando golfe, outros alí com a bocha, mais uns... Quê poderão ser aqueles senão magos, com aqueles chapéis gigantescos e cabelos e barbas brancos e longuíssimos, sim ao que me parece jogam uns baralhos. E o senhor nesta cadeira: Quêm é?
- Digamos que sou um amigo, ou que há muito te conheco...
- Não me conhece.... Efetivamente, posso assegurar-lhe que não me lembro de sua feição, esses olhos tão maliciosos, perdão tão ambiciosos retifico, por certo a ambiç~```ao considero que é uma característica que todo ser humano bem sucedido deve ter, sabe? Sim, pois estou dizendo: ambição nos negócios, dinheiro, até na paz e bem aventurança é necessária a ambição. Mas estes teus sobrolhos me parecem relativamente sombrios. Não gosta deste clube?
- Gosto tanto que vivo por aqui, é, aqui há muita gente, tanta gente que posso supor que os daqui superam em muitos a população total terrestre, e gostam, assim como eu de vaguear por aqui, há muito o que fazer, diversões das mais interessantes, todos os prazeres e deleites pode encontrar aqui.
- É, lá para cima não venho encontrando tantos motivos para vangloriar-me numa suprema alegria, mas sabe, venho pensando ultimamente que os mais simples momentos são às vezes aqueles que corresponde ao viver pleno e completo. A alegria, até a alegria se transformou num bem de consumo, vende-se sorriso. Venho refletindo, é verdade que mais reclamo da vida que reflito, mas por certo há escassos momentos de sobriedade em minha vida, nestes momentos penso que é mais certo a tristeza sincera que uma alegria supérflua. Devemos ser sérios com todos os sentimentos humanos, há todos os tipos de sentimentos, que devem ser vivenciados de maneira sincera, se é seriedade assim será, se é alegria exacerbada assim será, se é medo assim será. E, para todos os sentimentos haverão características que os guiarão, que são coragem, criatividade, vontade e por fim que a união destas com todos os sentimentos formem aquilo que se chama vida. – Assim disse Richard num ímpeto dialético que lhe deixou de tal forma empolgado que se esqueceu inteiramente de seu interlocutor, que à esta altura franzia a testa e quase caia da cadeira de tão nervoso, o suor escorria pelos poros, e quase não se aguentava.
- Calma amigo! – Gritou o compatrióta Mephistólico, cujo nome era Hércules – Calma, não são necessários tantos devaneios para descobrir-se sentido à vida, somente poucas palavras, e há vezes que as palavras são recursos inócuos na busca das vivências mundanas, ainda mais das espirituais. Portanto chega de palavras e vamos às vivencias. Venha conhecer meu pequeno clube: haverão por certo locais agradabilíssimos, jogos que serão de teu interesse, pois já te conheço a aura por inteira, não podes fugir às tuas próprias fraquezas
Hércules levantou-se com ares de elegância da cadeira, trajava um smoking de cor incerta pois conforme se via de angulos diferentes mostrava-se de tons vinho, preto e até um laranja escuro, o que lhe conferia um ar além de grande seriedade, de palhaço ou polichine-lo, não se aguentando quando notou tal peculiaridade Richard pôs-se a rir despreocupadamente, o que não agradou em nada à Hércules que cerrou os cenhos, mas espertamente após breve momento fingiu não dar importância e pôs-se a sorrir calorosamente enquanto mostrava o clube à Richard em toda a sua completude: com quadras poliesportivas, campos de futebol, espaços para baralho e jogos de salão em geral, alguns bares onde beberrõers tomavam ums e outras enquanto conversavam sobre futilidades diversas ou teorizavam muitos assuntos. Subitamente hércules apontou uns prédios e disse:
- Aqui, meu amigo Richard são os edifícios que constituem as acomodações mais amplas e confortáveis das redondezas, como pode notar os prédios são de pedras extraídas das pirâmides de Quéops no Egito. Como é? Não sabia? É justamente o que se passa por estas bandas... Como aqui as criações inteiramente novas são dificultadas por extrema falta de ectoplasma o que nos resta, injuriosamente, é plasmar o que já está no plano terreno e restituir à nossa maneira peculiar, ao nosso gosto tudo o que lá é construido. Verás, meu caridoso e inteligente amigo, que nosso bom gosto é por aqui muito mais proveitoso, pois este hotel possui todas as comodidades de um moderno e atual hotel, e contruido com as mais antigas e clássicas edificações da superfície. Como? Não Concorda? Por favor... O senhor há de convir que estas coisas são de extremo bom gosto, estes corredores que vê possuem quadros de épocas áureas da história humana, os pisos estão revestidos de tapeçarias das mais requintadas, as paredes com quadros dos mais caros e belos. Há então é isto? São os nossos clientes, estão apenas usufruindo. O barulho lhe incomoda? É que eles são à vezes ignorantes e se deixam levar pelos instintos mais levianos, com exacerbada displiscência, é... Neste aspecto devo concordar com o senhor... Outros nem fecham a porta...
- Não. – Disse Richard indignado, enquanto o outro punha uns óculos escuros e apresentava cômodo por cômodo, enquanto ruídos diversos entravam pelo corredor afora, alguns eram passiveis de interpretação racional como duas pessoas ou mais conversando, outros eram ruidos amorosos, mas uns pareciam escandalosos como gentes profetizando, grunhindo, gritando, em cada cômodo que se passava percebia-se variedade incomensurável de tipos de sons, palavras, frases. Noutras ocasiões percebiam-se idiomas ininteligíveis, cantos belos, cantos feios. – Não consigo entenmder, quê tipo de gente é esta que frequentam o seu clube? Parecem desgovernados! Isto é definitivamente inaceitável, pois noto que o senhor, deculpe, mas o seu nome? Sim, como dizia: Noto que o senhor Hércules me parece tão comedido, tão inteligente, sábio e talvez precavido, mas é sem sentido ver o tipo de seres que frequentam teu clube, como pode isto?
- Há, meu amigo? Não apreciaste este tipo de gente? É verdade, pois eu, até eu, às vezes penso estar perambulando no meio de uns loucos varridos. Gente que se diverte com pouco, que se satisfaz com os prazeres presentes, não pensa no amanhã. Mas essa é justamente a gente da sua laia: a gente humana, essa coisa que se coloca aí fora de sentido e sem nexo. Quê é isto: a humanidade? É por isto que caem por aqui pencas e pencas destas frutas, a maioria nem chega a amadurecer e vêm aqui ter comigo, no meu clube, por aqui se divertem e se matam de rir. Se matam foi boa, foi muito boa pois há muito estão mortos, mortos em seus próprios prazeres. – Hércules por um momento vacilou o passo e olhou Richard nos olhos, seu olhar não era benévolo, e resguardava até um ar de maldade e incredulidade, e foi neste momento que empurrou uma das portas do corredor que se encontrava semi-aberta, depararam-se com uma cena patética e impressionante, pois do outro lado um homem de aparência doentia, com uns olhos esbugalhados de tão abertos contemplava tesouros dos mais diversos: moedas, pedras preciosos, candelabros de prata. – Veja este aí, coitado, sofre de cobiça, levou toda uma vida para não conseguir perceber que a única coisa que pode dar respaldo ao coração humano é o amor entre as pessoas e não pelos objetos inanimados.
Logo fechou a porta e prosseguiram a caminhada, no entanto Richard estava muito triste agora, pois desconfiava vivamente de que não estava num clube mas sim em qualquer outro lugar, será que estava num hospício? Não, aquilo não podia ser pois não existiam mais hospícios desta feita, muito menos tantos quilômetros abaixo da terra. Seu rosto começou a transparecer um nervosismo fora do comun, o que foi percebido prontamente por seu companheiro Hércules um discípulo de Mephisto, que destas coisas muito entendia, e vibrava quando alguém começava a perceber donde se encontrava sem que ele precisasse providenciar elucidações precisas.
- Por certo, meu amigo, noto em sua feição que se encontra cada vez mais a par de sua realidade.
- Minha realidade? Como assim? Que quer dizer o senhor com isto?
- Não sabes exatamente quê representa meu clube? Ou serás ingênuo a tal ponto a ignorar isto?
- Claro, claro que sei. – Disse Richard assustando-se com as conjecturas de Hércules, que a cada palavra que falava mais esboçava um intrigante sorriso. – Sim, claro que sei, pois vim intencionamente para cá, sim intensionalmente.
- Oh! Como me comove amigo meu, suas frases são tão verdadeiras que me daria a liberdade de criar um poema em torno delas, ou uma música, sim uma música em homenagem à intensão humana, homenagem ao livre arbítrio à expansão do pensamento e aos livres passos que exerce diariamente a humanidade. Mas que será a liberdade? Vós que julgais caminhar a donde bem entendem, vós que sois os culpados dos próprios erros. Há Há – Riu desembaraçosamente Hércules, enquanto pensava sobre a ingenuidade do outro querendo enganar-lhe.
- Está bem, é fato que talvez não tenha sido tão intencionalmente assim.
- Quer dizer então que na tua vida foi obrigado a fazer tudo o que fez? Isto absolutamente não me convence.
- Não, vivi com espontaneidade!
- Quer dizer – Conduiu Hércules maliciosamente. – que errou com espontaneidade.
- Não Hércules, creio que o senhor esteja errado, pois o erro é parte da liberdade humana, do contrário não seríamos livres, mas sim fantoches de Deus, no entanto, a partir do momento em que Ele nos criou em espíritos nos dotou de liberdade. O erro é parte importante na construção do drama humano, sem drama não há vida, não há dor, nem sofrimento, nem lágrima que são as coisas que fazem a alma humana enlevar-se em si mesma.
Por momentos não sabia-se o que ocorria com Hércules, pois deu-se lugar à um misterioso e m,ágico silêncio, noutro momento Hércules pareceu balbuciar algumas frazes, tão baixas que a quem colocasse os ouvidos em sua boca pouco ouviria, no entanto suporia que conduia ao que havia dito o novo integrante de seu clube.
- Ora estas, tú me vens à este lugar, conforme minhas teorias por tua própria vontade, pois quem decidiste tua vida fora ninguém mais que sua própria pessoa, e me dizes que o erro é parte de um acerto mais abrangente... Queres fazer ruir minhas teses... Talvez tenha eu vacilado por momento ou outro, mas deixa disto, meu amigo, vamos conhecer os outros andares, e se possível te mostro um elevador que tenho lá por cima, no último andar, lá as vantagens virão para ti e para min. Sim vantagens recíprocas, pois noto que caiste em lugar errado, que seleção péssima fui eu fazer... Como?Não entendeste? Nada não, apenas aprecie estas instalações, alí no elevador há uns botões, aperta logo o último que há outra parte do hotel mas conveniente, e não vêm mais ter comigo que estarei muito ocupado cuidando de manter este hotel, que como vês representa a própria pérfida e denegrida consciência humana. Se podes descer? Há, quanto a isto definitivamente não, vai ter com os teus que tua sinceridafde será por lá mais profícua, aquí há tanta lassidão, tanta pobreza de espírito, amarguras e distorções que só provocam momentos incertos de felicidade. Quê é ao certo a feliceidade? Como poderemos nós aqui de baixo à isto responder? É fugidia a nós a felicidade perene, com isto ficamos apenas com um reflexo dela parcial e imperfeito, esta foi nossa sina por viver tão descompromissadamente.
aSSIM, APÓS DE MANEIRA RÁPIDA SUBIREM MUITAS ESCADARIAS CHEGARAM À CERTA ALTURA DAQUELE SUNTUOSO EDIFÍCIO QUE HAVIA UM PEQUeno vestíbulo com o espaço pouco donde cabia somente a porta de um elevador, que curiosamente não era funcional para o prédio em si, mas somente para subir além do último andar do prédio, e para a surpresa de Richard, lá dentro havia um homem cisudo, nariz adunco que disse que há muito lhe esperava naquele local, dizia ser um emissario celeste, um anjo guardião, o felicitara por sabiamente haver chegado àquele local, Hércules evitou previcadamente seu olhar, de tão moralista e correto que era, e empurrou Richard educadamente para dentro do elevador, dizendo que tanto uma parte quanto a outras ficariam com boas vantagens neste procedimento: - Que vá! Que vá! Boa seja a tua sorte, não venha nos atazanar que estamos bem! Va lá! Va lá! – O guardião celeste aproveitou a deixa para dizer: - Esperamos ainda a tua decisão, no dia em que quiserdes hipotecar, vender, alugar este teu estabelecimento estaremos lá por cima à tua disposição. – Por breve momento Hércules pareceu hesitar em entrar no elevador, mas logo convencveu-se a si mesmo que o mais vantajoso a si seria ficar com suas ilusões, desceu outra escada aos tropeços enquanto o elevador subia vertiginosamente às osanas nas alturas.

Décimo oitavo conto: O discurso da lembrança
Num ambiente descontraído, sim, um “hapy hour”, estavam um grupo de amigos conversando sobre assuntos diversos, sim, assuntos fúteis, destes que se conversa no dia a dia. Não é de se estranhar que tudo o que se possa imaginar deve hoje ser rápido, fácil e lucrativo. Neste grupo de amigos entretanto havia uma excessão, sim, uma excessão, um senhor lá de seus 50 anos, bem vivido, que era lá na empresa considerado como bastante esquisito, estranho. Sim, um sujeito para lá de peculiar, seu nome era Adalberto, e portador de um aspecto sisudo, bastante sério, chegando até a ser de tão sério um tanto sombrio, alguns o consideravam louco, outros esquizofrênico ainda que tanto uns quanto outros chegavam ao consenso de notar sua criatividade fora do comun. Era Adalberto um senhor introspectivo, com cabelos já em pouca quantidade e olhos de profundidade hipnotizante, em geral pouco falava, mas quando resolvia soltar o verbo por certo sempre havia grande maquinação por trás do que viria à tona. Por isto, mesmo tendo uma fama não muito invejada era considerado nobre e de caráter correto.
Foi nesta ocasião, naquele “Happy Hour”, entremeado num assunto loquaz e sem rumo certo ou nexo de lógica, que Adalberto decidiu interferir no assunto de maneira consisa e enfática, deixando os outros enquanto falava boquiabertos, causando à uns um assombro fora do comum, noutros uma atitude de devoção, paixão e um misto de contemplação e veneração.
- Meus amigos, há muito pretendia dizer-vos algo, não obstante não encontrava momento oportuno para tal, e agora, justo neste momento, quando vejo que a sociedade, e nossa pequena sociedade sobretudo perde de si os valores mais profundos que podem perpassar um grupo, doando-lhes sentido, vigor, motivação e sentido de existência é que desejo exprimir umas quantas idéias.
- Mas quê idéias são estas Adalberto? – Perguntou um homem franzinho, de óculos elegantemente pequenos – Há muito que não dizes nada, e agora, tão derrepente deseja falar?
- Isto mesmo Marcos. – Falou Adalberto, sem direcionar seu olhar exatamente ao outro, mas deixando-o um tanto vago como se quisesse penetrar tanto em Marcos a ultrapassar seu corpo. – Há no mundo homens distintos entre si, no entanto a característica mais notável entre todos é a sinceridade, ao menos é isto que vejo nos olhos de cada um que aqui está. E mesmo que os assuntos sejam de caráter corriqueiro tenho a percepção de que este caráter somente se dá na razão e na lógica do pensar, mas que em sua essência se relacionam com um consciente mais profundo de cada um. Ao mesmo tempo que dizemos coisas banais transmitimos coisas profundas, é isto uma percepção que tenho.
- Bastante plausível tuas idéias. – Disse um personagem, ao qual não vamos referir nem o nome nem a aparência para o leitor, mas sim que disse isto sem entender patavinas do que fora dito, em seguida propôs um brinde às fantásticas idéias do amigo com gestos empolgantes e vivazes.
- Sim meus amigos. – Disse Adalberto, numa postura fechada e introspectiva, olhando para algum lugar que a quem o olhace imaginaria estar num longínquo horizonte. – Vamos brindar o dia a dia mundano, brindartemos as preocupações que ocupam toda a nossa capacidade de percepção da realidade, brindaremos a falta de silência, brindaremos a constante mácula que assola nossa vida.
- Quê dizes? – Perguntou marcos bastante interessado.
- Que os dias de hoje são tão profundos quanto os de ontem, o que se desvaneceu foi apenas a percepção de que tudo continua igual.
- Estás desembestadamente louco este nosso amigo – Volveu o mesmo ingênuo que quiz brindar. – Curiosamente não tomou nenhuma.
- Tomei sim meus amigos, no entanto o cálice foi mais amargo do que possam imaginar os senhores: o cálice da sabedoria, que traz consigo um peso incrível, pois, o triste é daquele que imagina saber quando na verdade se afoga na poça da ignorância, este é feliz quando percrusta obscuras sendas da perdição. O que já detém o conhecimento não se arrisca a ser feliz.
Após este profético discurso todos ficaram por um momento em silêncio, num tom reflexivo, como no intento de decifrar caracteres que não conseguiram assimilar. Alguns com um ar de galhofa fizeram um ou outro comentário engraçado tentando demonstrar feições despreocupadas, o que era impossível dado ao fato de que foram atinjidos profundamente pelas verdades que haviam sido reveladas. Outros ficaram estáticos, completamente calados, numa postura eclesiática, quem prestou atenção percebeu claramente que alguns fios de cabelo de suas cabeças levantaram em reverência ao sábio que ali estava. Tanto uns quanto outros perceberam o peso moral da seriedade de Adalberto, pois aqueles que o levaram como um saltimbanco louco não sabiam que seus conscientes profundos o reverenciaram, os que ficaram em silêncio não entendiam exatamente o que fora proferido pelo homem, e talvez até por isto o respeitaram com afeição inequívoca.
Após esta pequena conferência existencial Adalberto calou-se, sem reparar a reação dos circunstantes, simplesmente levantou-se, e num tom absolutamente fez menção de cumprimenta-los com as mão, gesto que não completou, olhando-os nos olhos por breves instantes abaixoi a cabeça, e como se quizesse ir embora virou-se no sentido da porta daquele estabelecimento, ficou ali parado, os que estavam sentados não entenderam, por isto ficaram sem reação sem sabr se chamariam-no de volta ou diziam thau. Foi pouco depois que ele virou-se novamente no sentido da mesa, e olhando à todos com profundidade e magnitudes inconcebível disse veementemente:
- É meus amigos, há tempos venho recalcitrando em questões que me infundem desespero e alegria ao mesmo tempo, pois assim é todo o conhecimento perene, tem vertentes completamente distintas, é por isto também que se anula em si mesmo, e faz com que o tudo que se possa conhecer não exista. Mas não fujo ao assunto que aqui me traz novamente – Disse isto como se houvesse realmente ido embora e retornado mais uma vez, o que ninguém, definitivamente ninguém riu não porque não perceberam nesta questão, mas sim pela sinceridade a alcance daquele olhar incisivo. – Estou aqui novamente por causa das lembranças que me assolam, já pensaram vocês nas lembranças? Estas imaginações fugazes, fugidias, imprecisas que nos chegam em momentos que não são por nós escolhidos em horas presisas, senão como por vontade delas mesmas nos momentos em que elas julgam oportunos. Que para nós podem condizer com momentos inoportuno. Sim,sim: estas incontroláveis imaginações já vividas que nos perpassam pela mente numa cadência desordenada, que não chega tão somente à raz~```ào senão que audaciosamente chegam às sendas do coração, incindindo às vezes em fenômenos corporais como aumento da frequência cardiaca, e em explosões respiratórias. Há lembranças, vocês são vivas, têm vontade própria, todas vocês vivem dentro de min. Como são belas...
Adalberto, num extase provocado por seu próprio monólogo curvou-se em reverência à suas próprias idéias, todos o olhavam embasbacados esquecendo-se até de onde estavam ou quantos pudessem estar notando a atitude distinta do comparsa.
- Vamos Adalberto, todos entendemos suas idéias, que aliás são profusamente interessante, no entanto9 estamos com certos problemas que devem ser debatidos, não que isto não nos interessa, não, não, isto em hipótese alguma. Sabe, errr, é que tudo o que discorremos não é exatamente filosofico, quer dizer, até é, mas temos uma premencia de assuntos mais importantes, não que este não seja...
- Cale-se! - Gritou Adalberto impaciente, fazendo não só com que ele se calasse como ele mais metade do estabelecimento, o que foi tragicômico e dramático à todos os envolvidos com aquela cena pitoresca e pouco divertida. - Não disponho de tempo para suas desculpas ignóbeis meu amigo, aliás devo ausentar-me para não pagar mais o preço de minha própria sabedoria, não que não seja educado porque isto julgo ser portador, mas não suporto que de maneira tão repetitiva o senhor permaneça nesta impertinência descabida. Senhores: Adeus!
Assim Adalberto, o peculiar integrante daquele grupo deu meia volta e foi-se a passos firmes e resolutos, numa atitude brava e heróica, enquanto os outros se recompunham da maneira a transparecer o menor contrangimento possivel, o que efetivamente era utópico, dado às proporções da situação criada por Alfredo. É assim que a partir deste dia todos passaram a entendê-lo pouco melhor, aprendendo também que Adalberto não era somente um louco errante como um profundo provocador das situações mais diversas da vida, é no detalhe que se encontra a solução, é na profundidade que está a sinceridade, é na filosofia que está a verdade.



Décimo nono Conto : O pintor de sonhos


Efetivamente, a única coisa que fazemos enquanto vivemos, excluindo as coisas fúteis é buscar o sentido da vida, no intuito de algo discorrer sobre este mesmo tema, na possibilidade de acrescentar algo de útil à nossas existências está este conto, considerado por muitos como uma ilusão, no entanto por outros uma profética revelação das verdades humanas mais profundas, supostamente a revelação mais reveladora que se posa encontrar em milhares de anos. Não é qualquer presunção de minha parte dizer isto, pois por muito tempo pensou-se que os contos tivessem apenas o caráter de distração, após muitas gerações os mais felizardos tiveram a sensibilidade de notar que a linguagem dos contos traduzem as problemáticas humanas mais sinceras. Assim que inserimos aqui este conto para ilustrar a problemática mais essencial, a raiz de tudo, a origem: a própria existência:
Estava Américo dormindo em sua casa de campo, uma casa de excelentes proporções, onde sempre que possível fugia às obrigações do trabalho intenso e fatigante para ter com os seus em seu refúgio campestre, era lá que se refazia da própria vida que levava. O que nos parece uma paródia: se refazer da vida, como se a vida não pudesse ser denominada com este nome: “vida”, os fatos mais atuais têm demonstrado que a denominação mais adequada para esta estrada pela qual perpassamos devesse ser algo como “desgaste” ou “tormento”. Assim perguntar-se-ia:
Não! Não podemos nos precipitar, pois tudo o que aqui será dito é relativo ao período de tormento, e não ao de vida de nosso personagem Américo. Ali estava ele, tranquilamente acendendo um cigarro, extra-forte daqueles que acendia sempre quando ficava mais tenso, mas tenso porque era tenso por natureza. Efetivamente vamos ver quê pensava ele neste momento.
Não consigo me entender, estou cada vez menos atarefado e cada vez mais fatigado, a vida vêm me concedendo momentos exaustivos, trabalhos infindáveis, caminhos medonhos, verdades vãs, tudo perece obscurecido por algo invisível, mas que provoca uma sombra das mais pérfidas. Neste pátio tão belo em teoria não consigo ver a luz que se depara diante de meus olhos, não sinto mais a fragância das rosas que suavemente pupulam com um ressoar de ventos longínquos, sim o ressorar destes ares rápidos e apressados das folhas de árvores desconhecidas. Onde estarão indo eles senão de encontro às minhas narinas, e aos meus pulmões que há muito nada conhecem senão o vício torpe e maléfico da nicotina. Vejo que o destino me reserva caminhos desesperadores, me esconderei em min mesmo fugindo ao mundo que me cerca, soarão os cânticos mais tristes, as ladainhas mais cansativas, morrerei! Sim por certo é isto que me ocorrera. E não irão todos à este mesmo poço? Não acabarão todos suas ações ineficientes, improdutivas e inócuas sobre a terra. Vejo que se porventura, oh, mas que pensamento, se porventura alguém pudesse ler o que penso estaria perdido. Sim, a pessoa se perderia juntamente comigo, talvez eu à levasse donde não quisesse ir, pois tal é a proporção de minha desgraça que vejo influenciar até os que andam comigo: amigos, parentes ou mesmo conhecidos. Haverá solução?
Isto foi o que fizemos, entrar na mente de Américo enquanto fumava por alguns instante, de sorte que percebemos a dimensão de seu aspecto grave e medonho, mas este não foi seu derradeiro fim, senão começou a perceber que trabalho era bom, mas não era tudo o que dispunha na vida. Era uma pessoa inteligente, mas há muito parecia ter perdido a sabedoria para o discernimento exato do que podia fazer para bem viver. Decidiu, num ímpeto intuitivo fazer um curso de pintura, de fato, nunca havia pintado antes, no entanto vendo um anúncio no jornal sentiu-se por momentos incitado a logo virar à outra página a ler as terrificantes notícias do diário policial, mas sua idéia veio a calhar quando numa espécie de surto epilético sua mão não quis obedecer-lhe a ordem que seu cérebro enviava em transmissões sinápticas, o que no momento julgou bastante curioso, ficando incomodado e ao mesmo tempo encabulado já que à esta altura estava no metrô, e todos o olharam espantados não exatamente por ele não haver virado a página mas sim pelo modo como ele franziu o cenho, como se estivesse tomado de repente por pensamentos que não lhe agradavam, isto é o que pensaram os circunstantes do trem do metrô. Após este episódio tragicômico decorreu que o fato de não haver conseguido virar a página fez com que ele desse, ao acaso, um pouco mais de atenção ao anúncio das aulas de pintura, lembrou-se automaticamente do momento em que fumava preocupadamente no pátio no horário de almoço, e relacionando aquela triste situação com o anúncio do jornal, e todavia com a estressante situação pela qual acabara de passar pensou uma vez mais o que teremos a oportunidade de ler, já que a literatura dispõe de determinadas vantagens com relação à muitas outras artes, e com relação à própria vida real:
Mas que merda! Minha mão não quer virar a página, é o cúmulo eu ter chegado à esta situação vergonhosa, assim vou denegrir minha imagem de respeito, e até um pouco de soberba, devo confessar, que imponho lá no trabalho, que são atitudes essenciais para que eu continue mantendo um posto tão elevado por lá. Mas veja isto, que coisa horrível, quer dizer, eu já tinha lido antes, e agora me parece algo aprazivo: um anúncio de cigarros da Mona Lisa, quer dizer, não era isso: Aulas de artes três vezes à semana, e ainda têm mais: Estudos aprofundados da história da arte com seus respectivos momentos de prática artística, venha ser mais um diletante amante das cores e da enlevação do sentir. Mas que palhaçada é esta? Quer dizer, é um tanto diferente, e se possível irei procurar esta escola de cigarr... quer dizer: de artes. Isto é definitivamente inconveniente, se acaso alguém pudesse ler meus pensamentos aqui neste metrô me tomariam como um louco, pois além de não controlar minhas mãos, meus pensamentos parecem tomar uma liberdade inigualável, não, não posso estar sofrendo de personalidade dupla, isto que os psicólogos dizem, estas loucuras... Estarei eu em tal estado de insanidade que penso com tal contrariedade de idéias? Magnífico! Todos olham para min com estas caras patéticas e pasmas, estarão percebendo minhas reflexões? Não, não, isto seria impossível, de fato telepatia é uma coisa que proveio da fértil imaginação humana. Ora bolas, veja só em que situação me encontro, há já está chegando minha estação, vou me vingar de todos levantando-me de supetão, assim estes paspalhos vão se arrepender de ter rido de min, ora, mas que gente sem escrúpulos, gente assim não merece os olhos da cara, olho por olho dente por dente, todo homem têm o seu preço, tempo é dinheiro, tudo tem o seu limite, melhor um pássaro na mão que dois voando. Arrevoir.
Assim, com um bom contingente de pensamentos aleatórios e distoantes Américo levantou-se aos tropeços, pois não notou um grande pacote de um ambulante que estava no chão do trem, aos trancos e barrancos se desvencilhou de tanta gente que por momentos pensou que não iria conseguir sair naquela estação, fato que infelizmente se realizou, tendo ele que fazer uma demorada manobra para pegar o metrô no sentido inverso para efetivamente descer no lugar pretendido. Seus infortúnios eram muitos, sempre colocava a culpa destas desventuras na própria vida, quando na verdade a vida é maravilhosa, sendo ele o culpado de sua tristeza e revolta. Chegou em casa todavia mais preocupado, como se não bastasse o nível de tensão sobrenatural estava já pensando no dia seguinte, documentos importantes à serem entregues na empresa filial, reuniões primordiais para o crescimento da empresa, novos produtos a serem criados e lançados no mercado. Nem cumprimentou a esposa e foi banhar-se, jantou rapidamente o pouco de fome que se lhe deparava nas entranhas e logo postou-se no computador a trabalhar, trabalhou por duas horas em diversos projetos quando à uma hora terminou estava contundentemente exaurido de tudo, sim, do conjunto de situações que se acumularam no decorrer do dia, por momentos aqueles pensamentos sombrios lhe sobressaltaram os lobos diversos do cérebro, provocando sensações de desalento e moleza, não sabia muito que fazer, quando entrou no quarto a esposa já dormia, e nem tempo de falar com ela tivera, o que lhe pareceu uma insanidade, já que concluiu que a empresa evoluía enquanto ele denegria a si mesmo. Nós expectadores externos, podemos ter o privilégio não só de penetrar em sua casa e ver que faz senão em seus próprios pensamentos, o que é uma vantagem adicional na busca dos motivos mais imersos de sua realidade, é isto que muitas vezes faz um conto ser mais interessante que um “Reality Show”, sim, sim, supostamente estamos percrustando as sendas mais dialéticas da mente humana, que as aparências empíricas do mundo.
É horrível isto: trabalho, trabalho, trabalho. Até que enfim me dei conta de que o ócio proporciona a liberdade do pensar, e o lazer de um período de descanso e proveito, minha esposa nem me deu bola, ou melhor: fui eu que nem a cumprimentei direito. Terrível, minha alma se entorpece em sentimentos confusos, pois a vida cai num terreno escuro, gélido, confuso. Há muito minha vida não tem sentido certo. Afinal: O que é vida? Vivemos para construir uma quantia enorme de bens e capital? De que adianta tudo isto se a alma morre aos poucos, e vai desistindo de viver, vai abaixando cada vez mais até ficar olhando o chão e andando sem sentido, pois não mais enxerga o que vai à frente. Almas perdidas, é isto que somos, almas estranhas a si mesmo. Ó tristeza que me assola o coração. Haverá um despertar? Em meio à esta obscuridade de meu quarto, com toda aquela papelada lá no escritório me pergunto de que serve tudo aquilo. Tudo deveria ser mais simples, como, como... Sei lá, talvez como São Francisco de Assis, é, esquecer tudo isto e curtir a natureza em sua essência mais simples e sincera. Tenho saudades de meus tempos de moleque, quando subia nas árvores e fazia castelos de areia, naqueles tempos a vida parecia ser mais alegre e espontânea tudo tinha mais sentido. Minhas pálpebras estão caindo, acho que o sono está me vencendo, é de fato...
Assim nosso personagem cai num sono letárgico e confuso, tendo em si imagens de grandes pintores, conversava com muitos pintores, trocando idéias complexas à respeito de estilos e técnicas, depois teve a sensação de que o mundo era uma pintura, tudo o que existisse era misteriosamente colorido, os movimentos eram compostos por novas pinturas que ocorriam numa tela de proporções infinitas, e quem tivesse um pincel e tintas na mão era considerado um semi-deus e podia criar um monte de coisas no mundo, conforme a criatividade era manejada. Então ele passou a querer um pincel a todo custo, e passou a correr por campos pintados, castelos, cidades, selvas, pessoas e um monte de pinturas do mundo até que por fim encontrou um benévolo homem que lhe forneceu um pincel, assim que teve a aquisição deste poderoso instrumento ficou extasiado, com um brilho no olhar que há muito não sentia, a felicidade lhe vazava dos lábios e os cabelos se tornaram revoltos diante de uma genialidade enevoante, era todo sorrisos, era gargalhada, saiu aos saltos pintando muitas coisas interessantes que lhe vinham à imaginação. Tornou-se um adulto com gênio de criança e sabedoria de idoso. Acordou como se ainda estivesse dormindo, seus lábios tinham uma postura de alegria total, a esposa, ao ver-lhe naquela situação perguntou qual era o motivo de tal alegria, e ele respondeu:
- Minha alegria mulher, é provinda de um lugar mais próximo do que pudera eu imaginar em tanto tempo, da essência de min mesmo, é em min que está contida toda esta vontade de viver e encontrar o que há de melhor dentro de min e pintar no mundo, criando minha própria realidade no mundo, e não me submetendo às exigências que o mundo impõe de maneira forçosa. É isto, este é o motivo...
De fato, aquela situação não era nada comum na vida de Américo, alias era quase utópica, só não era utópica porque todo ser humano guarda dentro de si belezas inimagináveis. Que Américo decidiu fazer o curso de pintura julgo que não precisar-se-á aqui dizer, dado a inteligência e perspicácia do leitor prodígio. Foi então que o tormento se transformou em vida, e a vida vista como inigualável e constante novidade, arte, magia e por fim: Amor!

Vigésimo conto: Quê faz o amor?

Seus lábios são tão belos quando fremiam, que ela parecia por breves momentos estar num outro mundo, num passado ou num ambiente da imaginação. De fato, notavam-se peculiaridades como estas nela. Maria não se incomodava com qualquer coisa, pois era uma pessoa de bem com a vida, seu pequenos olhos, posicionados bastante próximos um do outro pareciam atuar junto com uma coloração azul claro, o que lhe dava um ar de sutileza e meiguice fora do ordinário.
Uma beleza de tal envergadura que deixava atônito aqueles que a viam a primeira vez, e a segunda, e a terceira e assim por diante, numa cadência sucessiva e provavelmente infindável. Maria era tão sutil que sobrepujava em sutilezas à luz esplendorosa do sol, quando transpassava as folhas de frondosas árvores formando luminosidade quase que mística quando em contato com as brumas da floresta. Ora, não é a todo momento que se depara com uma mulher verdadeiramente deslumbrante como esta, sim, não, não julguem vocês que estou falando sob a ação da hipnótica poção do amor, definitivamente não ! Meu critério é tão cauteloso quanto verdadeiro! Tão sincero quanto contundente! Se julgarem acaso que falo com minúcia, é que uma obra minuciosa pede descrição igual.
As belezas deste mundo devem ser vistas com olhos não humanos, mas supra humanos, aqueles que olham para Maria apenas com olhos de homem não a vêem por certo em toda sua plenitude, sequer se dão conta de toda a sua grandiosidade, uns olhinhos azuis tão meigos, que se contemplados verdadeiramente nos fazem cair em lágrimas, num pranto divino, algo que somente os anjos celestes poderiam explicar com maior clareza. Naquela ocasião entretanto tudo desmoronava repentinamente, eu não sabia que fazer, pois não vira jamais aqueles lábios finos tremer daquela maneira tão desoladora, sua boca pequena estava mostrando certa amargura, e eu sentado num banco do jardim não sabia que fazer, já que mesmo estando lá, diante dela,não a conhecia senão por muitos momentos de um amor ou uma veneração contemplativa. Dela sabia tudo, ela porém nada sabia de min.
Com um medo besta e estúpido atravanquei minha meu corpo que mais parecia uma carcaça de boi jogada ao campo, num gélido temor senti a mácula de minha vergonha. Tanto hesitei que ao tentar andar dei um paço em falso, e acabei por tropeçar pateticamente em minha própria perna, caindo quase no colo de Maria, fiz, pelo que notei, com que ela se olvidasse do que sentia, pois naquele mesmo momento parou de chorar a ver que tipo de ocorrência, ou que louco era aquele.
- Desculpe, acho que caí Maria. Errr. Nem me apresentei, meu nome é Frederico José Antônien Silveira, geralmente não costumo ser tão desajeitado ou descuidado, no entanto quando andava por aqui ocorreu-me de contemplar parte daquele lago ali na frente e inesperadamente tropecei naquela pomba que ali está, como a senhorita Maria pode mesmo ver com seus próprios olhos, aquela ali, não, a que está comendo umas migalhas de pão. Sim, se está demasiado longe para que eu pudesse ter pisado nela é porque de tão aterrada deve ter voado rapidamente para longe de min, pode inclusive a senhorita notar que nela há algumas penas esvoaçantes, fato provocado seguramente pelas turbulências de minhas pisadas, mas não, não tenha de min impressões negativas, foi absolutamente sem querer, não tive a intenção de causar quaisquer danos à ela.
- Meu caro senhor... Qual o teu nome mesmo? A sim... Senhor Antônien, vejo que passaste uns maus bocados com aquela pomba, que porventura come uns alpistes tranqüilamente à no mínimo um quilômetro daqui, sim, se é isto que diz o senhor não vejo motivos para contraria-lo. Absolutamente não! É bastante plausível isto que me diz o senhor, com excessão do fato de que não consigo enxergar as penas da pobre pomba dado à distância que ela se encontra de nós, mas isto não vêm ao caso, sente-se direito a ver se te acertas, me parece que estás excessivamente nervoso. Claro, claro, mas não custa nada sentar-se e descansar um pouco. Pressa? Não, por favor, tenha a bondade, apenas recomponha-se, aliás: Como sabe que me chamo Maria?
Pode ter sido algo desastroso, o modo como conheci Maria, mas assim foi, em meio a desculpas desencabidas para justificar um nervosismo desmensurado que travei um contato inicial. Foi de grande proveito conhecer suas amarguras, pois assim pude atenuar seus sofrimentos com conselhos que lia todos os dias sem falta numa interessante revista semanal de curiosidades femininas, ela por certo nunca desconfiou das fontes de meus sábios conselhos, ainda que eu tenha me utilizado desta artimanha pouco incorreto do ponto de vista ético, na moral os conselhos foram sempre bastante pertinentes.
Não obstante, este fato considerei uma verdadeira futilidade quando comparado com a sensação que tinha quando me aproximava de Maria, um sentimento agradável, terno. Sentia-me mais leve, embalado de pensamentos esvoaçantes, ficava longe de min. Ela? Ela me conheceu, e notou as minhas inequívocas intenções de uma aproximação mais próxima. Assim, após pronúncias e conselhos dos mais diversos, pela afeição que criamos um pelo outro não foi necessário muito para criarmos um... Um caso, sim um caso, não poderia dizer ser aquilo exatamente um namoro, por uma característica de inconstância. Por isto minha alma sofreu demasiado, ela não me desejava com o mesmo vigor, claro, claro supostamente não me amava, julgava-me um tolo ou desconfiava dos conselhos plagiados... Por muito tempo recalcitrei sobre esta penúria pela qual passava, e quais poderiam ser exatamente os motivos causadores. Tanto pensei que num diz cheguei à uma solução, através de uma suposição bastante lógica: ela estaria agindo desta maneira tão desregrada por um desejo incutido no âmago de sua consciência. Por certo era o próprio amor, o responsável pelas ações incertas e duvidosas que provinham de sua parte. Meus caríssimos leitores: esta genial conclusão me levou a crer que precisava tomar uma atitude o quanto antes, que fizesse comprovar a hipótese, que convenhamos, é tão sábia quanto perspicaz.
Num belo dia de sol, enquanto pássaros alimentavam suas ninhadas com minhocas, e gaviões opulentos pairavam nos céus, estas aves majestosas e silenciosas que voam no topo do mundo pareciam me dizer coisas. Foi de supetão, após sete anos vivendo nesta modesta situação amorosa, aos trancos e barrancos eu a pedi em casamento.
Não foi nada agradável ouvir da parte dela uma resposta negativa, para meu espanto tudo havia acabado. Foi então que contratei um detetive, que descobriu que quando Maria ia à sua casa entrava num receptáculo semitransparente parecido à um globo de vidro ou cristal, insinuou-me através de fotos que ela não era humana senão um ser distinto, que ao entrar neste globo se dividia em centenas de Maria pequeninas, era lá que passava toda a noite, melhor dizer: que passavam a noite, numa semi-luminosidade azul translúcido. Miríades de Marias que pela manhã se uniam novamente. Fiquei petrificado, e duvidei daquele detetive julgando-o um farsante e fraudulento, que podia estar fazendo fotomontagens das mais enigmáticas e fantásticas, duvidei até o momento em que vi com meus próprios olhos.
O pai de Maria certo dia disse que ela nunca poderia se casar comigo, neste dia me mostrou que em sua casa havia um compartimento secreto que levava ao centro da terra, que era muito quente, descemos pela portinhola e escorregamos por um longo tubo até o centro da terra, onde miríades de seres pequeninos perambulavam por uma cidade toda, tudo ao redor era avermelhado com pedras incandescentes. O pai de Maria se dividiu em muitos, e eu fiquei parecendo um gigante. Após conhecer a inusitada cidade o pior de tudo foi ter de subir tantos quilômetros para a superfície, onde com bastante compreensão pude entender e atenuar meus laços afetivos com Maria. No entanto esta estupenda novidade não foi causa de quaisquer infortúnios senão motivo para o aumento de meus sentimentos mais nobres, pois ao invés de uma Maria haviam centenas delas. Agora, somente agora eu entendo por quê o amor faz multiplicar a fraternidade.

Vigésimo primeiro conto: A visão de Izaquiel, o bêbedo

- Sentimentos fraternos, a paz derradeira irá provir de um mártir, eu vejo, eu vejo... Está escrito na face do destino, não há modos de apagar. – Disse um bêbado chamado Izaquiel na rua enquanto era assaltado por um visão angelical de dois arcanjos celestes que traziam um uma harpa que ressoava majestosamente em suas mãos, o outro uma trombeta de sonoridade extasiante.
- Quê dizes homem? Acaso estás tão desnorteado que não tens conciência de tua situação? – Disse Marcondes abismado com as palavras extraordinarias de seu comparça,Marcondes era um homem gordo e atarracado, quase sempre vestido com um paletó verde e uma camisa beje, o que lhe conferia uma harmonia destoante de cores antagonistas, neste momento inusitadamente estava em plena sobriedade, costumeiramente acompanhava Izaquiel em muitas de suas aventuras, assim como era Sancho Pança para Don Quixote de la Mancha.
- Não falo de min, falo da verdade, pois já há muito não me preocupo comigo, o que me importa? Não me deixaram nada, por isto só me preocupo com os outros, com a verdade do mundo. – Proferiu Izaquiel, apontando com mesma mão com a qual segurava a garrafa à um dos cantos da rua, como se a verdade do mundo estivesse ali mesmo e fosse tão palpável quanto a garrafa,
- Vai dormir, já se faz tarde. – Costumeiramente, isto era o que Sancho, quer dizer, Marcondes sempre dizia quando queria indicar que o outro soltava demasiadas asneiras e devia calar-se o quanto antes.
- Dormir? Não, não posso ir dormir, o mundo precisa de min, pois é chegado o momento em que impávidas andorinhas marcharão rumo ao infinito, todos os animais irão junto e até as águas do mundo evaporarão para sempre.
- E quê dia será este? homem de Deus... O dia em que parar de beber? – Disse o outro com sarcásticas gargalhadas, lembrando-se neste exato momento as tantas garrafas esvaziadas naquela mesma noite.
- Está próximo. Vejo a face do destino. – Izaquiel, ao mesmo tempo em que caminhava olhava para o lado, com uma feição estática de dar pavor a qualquer pessoa normal, Marcondes só não se apavorava porque não era uma pessoa normal. Suas pupilas estavam tão fixas que a figura de Izaquiel, quando contemplada parecia mais uma foto que propriamente realidade em movimento. Suas visões eram cada vez mais abrangentes, centenares de arcanjos desciam dos negros céus noturnos, seus olhos estáticos até então se esbugalharam, num fenômeno fantasmagórico.
- E o destino lá é alguém para ter face? – Disse o outro “encucado”
- Acaso não sabes o que é uma metáfora? – Explicou pacientemente o bêbedo
- Estas coisas de previsão do tempo são besteiras que inventam, sabe-se que é impossível saber as coisas antes que aconteçam. Vês como a imaginação do homem é fértil. – Disse o Marcondes num surto explicativo automático, com os olhos fixos no chão, chutando alguns pedriscos graúdos que se deparavam em algumas fissuras oblícuas da calçada.
- Como você é difícil Marcondes! – Reclamou obstinadamente em um tom de voz pouco mais alto e incisivo Izaquiel, crendo insuportável o fato de que o outro não lhe entendia os termos. - Um conceito tão simples e você têm tanta dificuldade de assimilar, não posso perder tempo explicando detalhes à você.
- Quê é então metáfora?
- É uma força de expressão?
- Hãn? – Perguntou Marcondes totalmente desnorteado com a explicação fornecida, que segundo seu critério pessoal ficara extremamente limitada
- É quando alguém quer dizer uma coisa, só que fala outra no lugar para facilitar o entendimento.
- Claro, claro... Algo tão simples... Como não pudera eu imaginar isto antes?
- É questão de sabedoria.
Alguns tropeções depois e muitas palestras deste mesmo caráter chegaram os dois à um termo único, onde o mundo um dia acabaria, e que todos deveriam se preparar para este dia, em que os anjos e arcanjos desceriam em múltiplas falanges do céu, como numa orquestra de harmonia e melodia de indescritível belezas. Este seria o dia do juízo final, onde os justos seriam congratulados com bebidas às favas e os injustos castigados impiedosamente. Não haviam modos de apagar: a face do destino já estava escrita, a justiça seria o porvir da humanidade, a paz derradeira viria aos bons de coração enquanto os maldosos receberiam o tormento de suas próprias injúrias. Este não só estava próximo como já havia chegado, pois Izaquiel via que os anjos, naquela imensa orquestra o levavam embora, ao céu. E tendo ele na terra esperado seu quinhão de felicidade, tendo recebido somente amarguras no céu teve motivos de se alegrar, não pela bebida que esperava receber às favas, nem pela companhia que impertinente continuou a mesma, mas sim pela derradeira paz que conforme proscrita se fizera verdade. Izaquiel, o infortunado era um homem de Deus.

Vigésimo segundo: O sonho de todo artista.

As cores se mesclaram numa bela e fulgurosa imagem, como sinos que soassem com duas notas elas se misturaram formando um todo harmonioso. O pintor certamente era um doido varrido, sim: uns olhos arregaçados, babando por vezes sem saber, cérebro fervilhando, sempre ocupado com mil e uma imaginações, indagassões que o perseguiam e assaltavam, assim de súbito sem pedir licença. Era como se vozes diversas, todas de maneira desorganizada e precipitada falassem-lhe ao cérebro. Um louco do mundo, que colocava nas cores aquelo que há muito já era a mais viva verdade de sua alma, extraía dos sentimentos mais escondidos, dos detalhes mais profundos a essência, e ali pincelava, numa tela, que antes em branco agora de beleza indescritível. Sua mente borbulhava em reflexões diversas, as dúvidas existenciais acalentavam um lugar específico: seu coração, as muitas vozes falavam em devaneios diversos, com nexo e desenvolvimento dialético, quebrando estas regras em algumas ocasiões. Tudo o que era sentido e pensado era pintado:
Qual é a tua verdade?
Não tenho verdade, sigo andando...
Mas quem raio eres? Queres perder-te no abismo da vida? Estás insano?
Absolutamente não, ninguém pode dizer uma bobagem assim.
Assim como o que?
Que alguém têm uma verdade
Infâmia, somente isto, estás fora da normalidade...
Infâmia é perguntar à alguém qual é seu caminho, pois assim supõem-se um caminho existente, quando na verdade todos os caminhos são em potencial flores, que se abrem conforme o que se quer. Pus uma prerrogativa, pois para caminhar há de querer, a vontade é no ser humano o que lhe dá o acontecimento, que no fundo não passa de uma interpretação, uma interpretação ora escassa ora vivaz, à isto se resume a vida, pois se tudo podemos fazer, dependendo somente de escolhas e vontade é certo dizer que somos tudo em potencial, se posso ser tudo é o mesmo que não ser algo somente por não ter feito aquela escolha. Assim está posto o teatro da vida.
Não digas asneiras! Até parece que alguém poderia entender teus pensamentos.
Estes pensamentos não são meus!
Não? – Este não foi proferido em têm absurdamente irônico, de modo que surtiu certo enfado por parte do pintor. – Quer dizer que não és tú o difusor de tais atrocidades intelectuais? Então que raios de ser poderia, se enredar em terrenos tão obtuzos, confusos senão até fétidos?
Não exageres, pois tuas palavras me chegam em tom ofensivo, explicar-me-ei adequadamente, para que não restem dúvidas: Minhas palavras são fruto de idéias intuitivas, por isto não são exatamente minhas.
Está certo, queres então dizer que a intuição é um evento que se localiza fora e não dentro das pessoas, e assim não pertencem à elas propriamente ditas?
Bastante perspicaz da sua parte.
Como ousas fazer “picuinhas”de minha pessoa?
Não eres sequer pessoa, e sim pensamento como eu.
Bem, é verdade, talvez tenha eu me precipitado um pouco, mas o fato é que fizeste mal caso de minhas idéias, crendo-me um asno ou sonso... E isto não agrada a ninguém.
Claro, claro, minhas desculpas.
Isto só não basta para alegrar-me.
Mas que então fartará a tua felicidade, se sempre estás à contrariar minhas idéias?
Nada, nunca estarei satisfeito, aliás, sou como um saco sem fundos, quanto mais coisas me dizes menos colocarei fé naquilo que é dito.
Isto é, absolutamente, um verdadeiro opróbio! Ou... Quem será o insano?
Não venhas tú novamente com teus desaforos, o fato é perfeitamente explicável: vejas tu que acaso temos: no pensamento haverão lutas perpétuas na busca de um consenso absoluto de realidade, consenso este que jamais será atingido, pois o sujeito que busca entender a realidade está em constante transformação. Assim, passa-se que o pensamento dialético digladia-se infinitamente na busca da verdade.
E onde está esta verdade?
Qual verdade?
Ora, a verdade do mundo.
Não está nos teus bolsos?
Deixa eu ver. – Breve instante de silencia mental - Não, não está.
E no outro?
Deixa eu ver. – Outra pausa no pensamento – Também não.
Condúi-se daí que não está com você, se não tens a verdade ela está fora de tí
No mundo?
Bem, se você imaginar que a verdade do mundo, como diz o nome é pertencente ao mundo é esta a resposta, mas julgo que sejas um tanto tola esta sua colocação, pois não busca a verdade do mundo senão a verdade da realidade.
Humm?
Falo com uma criança de quantos meses? – Muitas risadas e gargalhadas, pois o pensamento não pode se conter – A realidade é algo mais abrangente que o mundo, e que o próprio universo, pois constitui a divagação de sensos perceptivos diferenciados do que é conhecido.
Neste âmbito posso concordar, e proponho um desafio. – Disse, mesmo sem entender, mas fazendo-se de esperto, justamente para não deixar muito tempo para descobrir-se sua total ignorância no que fora dito
Alegro-me finalmente, um desafio me parece algo instigante.
Disse antes nunca alegrar-se ou algo similar...
Err... Força de expressão, na verdade nem me alegrei muito, fiquei digamos: um pouco extasiado
Compreensível.
E o desafio?
Que desafio?
Ora bolas... Aquele que acabaste de dizer que irias propor.
A sim, quase me havia esquecido: Um grande coelho de bronze, sim, tão grande deixando grandes edifícios pequenos, uma bela escultura, na qual estão muitas corujas soturnas prostradas, numa noite gélida e escura, notam-se apenas os centenares olhos de cá para lá, vigiando todos os cantos de uma praça. Decifra?
Me parece um tanto banal esta sua colocação, certamente julgaste algo me entreter com tuas histórias estapafúrdias?
Não estou aqui para entreter, senão para desafiar.
Sei disto, fiz esta jogada a ver se percebias meu blefe.
Não pasmes diante da dificuldade, apenas digas tua interpretação.
Há! Então era para interpretas?
Supostamente.
Nas cidades de hoje me parece faltar um punhado de arte, por isto está o coelho gigante, que simboliza um animal bastante gracioso, o que traz certa infantilidade na conotação geral de teu enigma. assim deve ser a vida: tendo arte e alegria.
E as corujas? Acaso olvidaste?
Não, por suposto que não amigo meu.
Acaso temos nós toda esta intimidade?
Não somos pensamentos do mesmo cérebro?
Somos, somos sim, mas isto não quer dizer que estejamos assim tão afeitos, por favor, eu lhe peço gentilmente: mantenhas certa distância, para que apenas confabulemos aprazivamente.
A última coisa que pudera eu pensar é criar atrito, atrito jamais, mas sim contravenções e contraposições, se assim não fosse estaria morto o próprio ato de pensar.
Bem, que assim seja, responda agora o resto do enigma. – Falou, ou pensou? O pensamento com impetuosidade.
Bem, as corujas, s corujas... São... Sim: As corujas são seres noturnos, e representam a magia e beleza noturna, compondo com a estátua e a noite uma imagem tétrica e pitoresca, inesquecível, veja que este é um animal majestosamente trajado, não deixando de concorrer com os gatos mais belos que possam existir, seus olhos estão acesos porque olha à noite.
Algo mais?
Não. Isto só já não basta?
Claro, tenhamos bom senso, tuas ponderações atingiram interessante patamar de discussão, ainda que não tenhas divagado sobre vêem os olhos.
Mas isto é evidente. Oras...
Não tão evidente quanto parece.
É sim
Não, não é! Os olhos não vêem a cidade que se depara diante de si, senão o universo por completo, com estrelas, nebulosas iridescentes, sóis incandescentes e galáxias por completo. Isto é o que vêem os olhos das corujas, com todo seu esplendor e poder.
Absolutamente, esta parte não pude concluir.
Há coisas que não possuem lógica coerente, ainda que assim seja elas se efetivam e se fazem presentes.
Exausto, após finalizá-la, o artista fica extático diante de sua obra. Embasbacado por sua criação haver fugido em tamanha proporção de suas intenções e talvez até de seus consentimentos. A ilusão de todo artista é por certo criar algo que seja maior que si mesmo, usufruir de inspirações profundas e fugazes, cantar ao sons de sinos, com notas que se mesclam em sinfonias inimagináveis. Voar num mundo de cores da aquarela que se tornam tão vivas que com ele e com seus pensamentos movimentam-se numa infinita ciranda da aquarela. O sonho de todo artista é voar com sua arte a céus desconhecidos, ver estrelas, galáxias, luas, corujas, estátuas, mares até então desconhecidos, para que depois em tudo isto, tendo usado sua vontade de criar e haver seguido o caminho da criação deleite na margem de seu coração as lágrimas de mares já nadados, de obras já realizadas.

Vigésimo terceiro conto: O amor de todos os tempos!

Os clamores das cornetas celestiais anunciavam: era o momento da chegada, sim a paz derradeira por fim estaria presente. Os espíritos dos reis de todas as dinastias e períodos do mundo se levantaram de seus túmulos para receber dos céus a luz divina. Um mistério impenetrável havia ainda: de tantos reis, qual seria aquele que ficaria com a coroa doada pelas mais requintadas potestades?
Assim certo temor anuviou os pensamentos dos que ainda estavam vivos, e dos reis que levantavam-se de suas tumbas, bastante melancolia soava no ar, como longínqua música, todos deixavam-se invadir por esta sensação que a pesar de guardar grandes segredos em si proporcionava certo descanso ao coração.
Foram em cavernas das profundidades mais longínquas da terra que notaram-se mudanças, pois lá, onde somente prevalecia obscuridade e medo surgiu uma luz bastante forte, consoladora e terna a luz inundou muitas câmaras dos abismos terrestre, deixando mostrar seres mágicos e mitológicos que até então eram vivos apenas na imaginação humana.
No mundo dos homens houveram muitas festas, mas nenhuma se igualou em esplendor à esta que agora se fazia presente, pois a luz foi tão intensa e bela que os muitos que se deixaram extasiar decidiram muito festejar. Era uma dádiva, talvez os tempos finais, pois um amor fraterno permeou todos os corações dos homens. Uma festa séria, a festa que os céus tanto haviam esperado para trazer aos homens.
Após muito festejarem, os homens pararam a escutar que viria depois. Um silêncio como jamais havia-se sentido antes vigorou por tempo indeterminado, até que finalmente as refulgências celestes baixassem à morada terrena, ali nas nuvens começaram-se a ver formas distintas, com muita claridade, anjos de diversos tamanhos e tipos de asas descendo, os mitos e deuses das profundezas da terra saíram de suas tocas, a buscar a redenção.
Foi então que o silêncio permeava-se de ruídos misteriosos, poderiam ser almas ainda não redimidas, ou ruídos trazidos de tempos remotos, avivados por lembranças tormentosas. Isto porém não durou muito, pois dos céus e do centro da terra vieram as palavras finais: - Todos serão libertos de seus receios, sua amarguras e tormentos serão apenas passado, o presente será de Bem Aventuraça, venham reis e plebeus à min, venham mitos e deuses à min, venham anjos e potestades à min. Chegou a hora: seremos todos um só, assim como no início será o final, e será o novo inicio, como assim se passa na infinidade do tempo.
- Não, eu não quero ir! – Disse uma alma arredia, relutantemente enquanto batia com os pés no chão enraivecida com seu destino
- Como não quer ir? Quêm ousas me contrariar? – Disse impetuosamente Deus, com uma voz incisiva, que não podia ao certo perceber de onde provinha: se da própria consciência ou local externo, a pergunta fora tão arrebatadora que aquela alma estando antes resoluta e firme em seu intuito balbuciou alguma coisa ininteligível e logo disse cautelosamente.
- Não... Sabe o que é? É que... que eu achei que o final dos tempos seria diferente. – Falou aquela alma, tentando ser um pouco mais simpática, não pretendendo sinceramente criar quaisquer atritos ou aborrecimentos eventuais à Deus.
- Diferente? Como assim? – Perguntou a voz trovejante, bastante curiosa pela audácia daquele ser ínfimo e petulante.
- Ha! Sabe como é que é, né Deus, a gente vive, vive e no final tudo tem que acabar e começar de novo, interminavelmente? Isto é absolutamente patético! Err... Quer dizer, creio que seja um tanto estranho ou inesperado.
- Você é uma alma um tanto inoportuna, pos parece haver contrariado todas as regras que até então estabelecí, vejas tú como todos vêm à min como criancinhas boazinhas, at
- é aqueles que não prestaram muito vem aqui comigo ter, mas você. Quê raios de loucura te assola?
- Nenhuma, é que parei, refleti e concluí que não vale a pena começar tudo de novo, com todo o respeito, o senhor deveria fazer estas leis um pouco diferentes, algo um pouco mais “light” sabe?
- “Light”? Quê quer dizer isto?
- Sutil, suave, ameno, delicado, sensível ou aprazivo. Algo em que pudéssemos nós mortais nos embaldar duma alegria soberba.
- Não! Não! Isto não, pois a soberba é extremamente pecaminosa, gostei deste negócio de “light”mesmo a pesar de não ter sido uma criação prorpiamente minha, seria uma criação da criação. No entanto erra muito quando diz querer ser um soberbo, como queres tu isto, ser repelente, se tampouco isto possuem os reis de teu mundo?
- Me precipitei, eu quis dizer elegante.
- Aqui está sua elegância – Ouviu-se um som de estalir de dedos e subitamente aquela alma, que já trajava alguns farrapos carcomidos por vermes que por centenares de anos perpassaram aquele corpo em trajetos dos mais variados, fazendo retalhos dos mais variados, aquela alma subitamente viu-se num belíssimo “smoking” como nos tempos da juventude.
- Aí está tua elegância, mas agora venha que já é hora, depois do final tenha muito trabalho a fazer, pois como vê novamente irei iniciar o mundo.
- E nós?
- Nós quem? Filho arredio...
- Nós eu.
- Nós eu? Não há nexo nestas tuas palavras, venha logo e acabarei de uma vez por todas com isso.
- Não vês, tu que és o Deus, que são as súplicas que saem como sangue de min?
- Bem, já que tu tanto insiste, e como minha imparcialidade hoje não está lá muito convicta de si, aliás não sou mais o de antigamente, é: na época de Moises sempre fui bastante imperioso, a humanidade tanto me transformou que tratei de mudar minha postura, hoje meus braças estão abertos até se for o caso para trocar uma lei ou outra. Não dizem por aí que o meio faz o homem? Pois veja você, que o meio foi tão influente que até à Deus fez. Não vou no entanto falar muito à você de detalhes supérfluos, pois sou Deus, e tenho de uma maneira ou outra de demonstrar certa imponência, ao menos para deixar uma boa impressão, sabe?
- Claro, claro, senhor Deus: tu és o pai e a mãe do universo, sem ti o nada ainda seria nada, e sem ti nem tu serias algo pois é evidente que criaste a ti mesmo.
- Muito te enganas tu mortal, em verdade, em verdade vos digo: Foi o nada que me criou, e não eu que criei a min mesmo.
- Mas que diferença isto faz?
- Muita! O nada têm o poder inicial, a alavanca de partida do universo, é por isto que quando tudo chega ao seu devido final tenho de reduzir a nada novamente, para que seja criado uma vez mais.
- Que coisa estranha, parece não fazer muito sentido...
- Há coisas que não têm mesmo sentido, meu filho – Disse Deus ternamente – E temos de nos contentar com isto, vejas tu, que até eu, sendo o Deus único e poderoso do universo, tendo tudo o que quero aos meus pés, não interpretes ao pé da letra, quero dizer pés metaforicamente, pois além de tudo sou abstrato e imaterial, logo condui-se que não tenho pés. Pois então: mesmo eu, ainda não descobri ao certo o sentido da vida.
- Ai meu Deus! – Falou o espírito rebelde, aterrado pelo que ouvia de Deus, seria o mesmo Deus que ele tanto imaginara enquanto vivo? Logo pôs-se a pensar o quão ignorante era aquele Deus, entretanto como Deus tudo sabe, e dele não se podem ocultar segredos senão aqueles que não se sabe, Deus leu os impropérios que à ele eram dirigidos em pensamento como se estivessem sendo recitados em som alto e claro.
- Quê dizes de min? Burro e pateta? Mas quê espécie de palerma eres tu ó criatura ínfima e pequena?
- Não penses isto de min ó querido e amável Deus... – Desconversou o espírito, que argutamente apercebera-se da ocorrência inesperada. – Eu estava justamente pensando sobre um outro Deus...
- Se é assim, não há quaisquer motivos para reencarnar-te como uma lesma ou lama.
- Dalai Lama?
- Não, lama de terra molhada.
- Que desagradável, eu ficaria logo resfriado!
- Sim, possivelmente! – Falou Deus convicto de sua vitória, quando na verdade estava sendo ludibriado, pois o outro inventara o suposto “outro Deus” quando apercebera-se de sua crítica situação diante do Criador.
- Bem já se faz tarde, eu devo ir indo...
- Indo não! Vindo! Veja ao seu redor.
- Não há nada ao meu redor, só um branco infinito, uma luz monótona e linear que se faz presente em todos os lugares. Quê luz é esta?
- Sou eu!
- Estou em você.
- Ora estas, é claro que sim! Não somente estás em min como és parte de min, pois eu sou minha própria criação.
- Quê acontecerá agora? Tenho certo receio de perder à min mesmo...
- Não te apavores, irá ocorrer tudo o que já ocorreu até agora: da vida se fará mais vida, da luz se fará mais luz, do homem se farão mais homens, e do amor se farão todos os tempos.


Vigésimo quarto conto: Suspiro de desespero

Onde estão? Onde estão? Estou desesperado, pois tenho dúvidas infindáveis, que me causam amarguras, dissabores, infelicidade e desventuras. Oh! Quão enganosos são meus passos, quão perdido estou. Quê será de min? Por este caminho vamos, o caminho das possibilidades, nada é certo, a segurança é apenas uma sensação criada pela mente humana. Haverá um dia, uma vontade que tenha um fundamento verdadeiramente sólido? Uma pretensão totalmente justificável? Terá o ser humano este privilégio? O privilégio da sabedoria...
Onde estão? Onde estão? Onde estão as verdades de minha vida? Onde estão os motivos nos quais me agarrei com mãos que de tanta força que fizeram entraram em espasmos violentos, minhas unhas encravadas naquele solo que antes julgava fértil, de tão encravadas tão profundamente naquela terra em que acreditava haverem sementes das mais diversas criaram fissuras das quais muito sangue escorreu, manchando minha vontade de um enfraquecimento descabido.
Não posso me conter, a verdade que busco é muito maior que aquela que consigo encontrar. Por isto os tormentos da alma são muitos, por isto me desespero. Pudesse eu encontrar aquela verdade, que encontrando-a no momento de minha morte, num leito obscuro e distante de tudo muito me alegraria, sim, em ir-me já tendo encontrado a verdade, de terminar o que foi começado, não obstante é tão audaz minha imaginação que se antecipa à realidade, à verdade. Assim que jamais comecei eu alguma coisa sequer, pois tudo o que começo é infundado, por isto não o é. Qual é então? Qual é a única verdade que nos faz viver senão a própria vontade? Nada existe de palpável na natureza do mundo senão a vontade humana, o resto são ilusões criadas por mentes ávidas de uma vida, que na verdade sempre foi infundamentada, sempre foi lúdica. O mundo é lúdico! Tudo senão a vontade, esta coisa que vêm antes de tudo, este princípio, é vã ilusão é criação da imaginação.
Onde está? Onde está? Onde está a verdade à qual devo correr como uma criança à mãe? Onde se incrusta a verdade da minha vida? Onde se localiza esta suposição que ainda não existirá enquanto minha vontade não fazer andar o trem da imaginação? Onde? Podereis vós responder?


Vigésimo quinto conto: As muitas vestimentas do imperador Gasildo

O imperador de Gasildo teve certa vez a intenção de melhorar sua aparência, para que nas festas de seu palácio pudesse ter boa fama. Seus súditos então não paravam de dar-lhe sugestões das mais diversas, após algumas semanas sua aparência já era totalmente diferente, tão diferente que se alguém que antes o conhecesse não soubesse da mudança, de fato, não o reconheceria.
Na história da humanidade a aparência sempre representou uma característica preponderante na aquisição de poder, honra, glória e até boa índole. Não precisamos nos abismar com esta informação, já que a visão é dos sentidos a principal fonte de percepção da realidade, assim, todos os seres humanos têm um fraco de deixar-se impressionar pelas aparências. Iverossivelmente é correto dizer que quem vê cara não vê coração, seria precipitação julgar um livro pela capa, não quero dizer com isto que o rei esteja errado em vislumbrar-se diante do espelho diariamente como um pavão abobalhado, mas que existe a possibilidade de que sejam distoantes alma e matéria.
Gasildo confabulava certa feita com uma fada, pois tinha manias diversas, num pitoresco e exclusivo linguajar conversava com fadas, gnomos e houveram ocasiões, segundo as bocas mais ruidosas do palácio, em que Gasildo travara longos embates com gigantes de pedra. Seu dialeto tratava-se de um emaranhado confuso de termos, que em momentos específicos se transformavam em cânticos, como também podiam estar num termo tão antagônico ideológicamente que acabavam por perder qualquer possibilidade de nexo ou sentido.
Esta fada, cujo nome era Vrina lhe concedia dicas e opiniões das mais diversas, no entanto neste dia bastou somente uma sessão de risos para que Gasildo percebesse, de maneira prodigiosa e perspicaz que algo estava errado: Seria com ele? Com ela? Com o mundo? Ou estaria ela desembestadamente louca?
- Há! Há! Há! Vejo o que te fizeram estes palhaços do palácio, mais parece um bando de desnorteados que nunca vi igual, realmente meu rei, tu, portador de inteligência sem igual, não vistes como estás?
- Como estou? Ora estas Vrina, estas fazendo picuinha de min? Não disponho de tempo para coisas fúteis como tuas banalidades, e pensar que tú sempre foste a melhor companhia que pudesse um humano ter...
- Não te iludas, pois percrusta sendas enganosas, o que querem é te devorar, fazer com que pareças um polichinelo, para depois, somente depois te difamarem em público. É melhor que te preocupes com outras coisas que propriamente com tua aparência.
- Desde o dia que julguei oportuno melhorar estas roupas me sinto de fato um tanto estranho, não conte à ninguém, pois este é segredo que ninguém sabe, estou contra minha vontade.
- O quê?
- Me desiludi já , nem precisas tu de largas explanações para me convencer que esta farsa é ilusória. – Quando o rei diz esta farsa aponta suas vestes, que mais pareciam de um palhaço. Extremamente abatido deixa seus aposentos e vai em direção ao grande salão do castelo, em busca de qualquer distração.
Em verdade, aquele dia foi importante, pois deu uma esperança ao rei, que se deixava entristecer profundamente pela maneira como se deixava influenciar por opiniões dos outros. O dilema se prolongou por mais duas semanas, até que num belo dia, logo pela manhã sem se aperceber apareceram dois gnomos ao seu lado, um deles tinha um chapéu vermelho o outro verde.
- É este o homem?
- Sim acho que sim, pela cara de pasmado e um certo ar distante nota-se que parece tristonho.
- Pelos Deuses! Quem ou o quê são vocês? Quê chapéus horríveis, até parecem bruxos ou feiticeiros.
- Somos Gnomos.
- Há sim, Gnomos... E quê querem comigo? Já não basta minha tristeza, esta que me acompanha dia a dia juntamente com meus dilemas.
- Claro, claro... Compreendemos. – Disse um dos gnomos colocando uma das pequeninas mãos no cotovelo, e com a outra o queixo, transmitindo uma expressão de sabedoria e agilidade intelectual. – O que queremos é saber com quê raios de gente estás andando, pois teus trajes mais parecem orelhas de coelho gigantescas, com estribos de cavalo estragados que propriamente roupa, aconselhamos urgentemente que troque isto aí, aliás nunca vi um rei vestir-se de maneira tão inusitada e até desfavorável à sua boa reputação.
- Põe em dúvida minha reputação? Acaso não valorizas tua própria vida?
- De princípio convém dizer que sou, como meu colega, um ser evanescente, feito de ectoplasma, portanto não nos submetemos às mesmas leis que regem o mundo dos homens, não julgues que podes matar um gnomo. Quanto ao caso que está em pauta é bom dizer logo que o conselho é trajar-se bem, pois sabe-se que mesmo que o espírito seja nobre e sincero temos de convir que os olhos são a ferramenta mais potentente do homem.
- E quê relação põe dos olhos com minha reputação?
- O que os olhos não vêem o coração não sente, o senhor deve trajar-se segundo nossas recomendações, do contrário poderás até, em último caso, perder o poder.
Estas últimas palavras foram suficientes para deixar Gasildo aterrado, não imaginava que suas atitudes pudessem ter resultantes drásticas como estas, deste modo decidiu seguir os conselhos daqueles guinomos, que naquele momento lhe pareceram esbeltos e explendorosos. Foi com grande honra que adotou ao pé da letra tudo o que lhe fora citado à respeito de como vestir-se adequadamente.
Para a surpresa de todos, numa das muitas festas concedidas pelos nobres das circunstâncias ocorreu que o rei portava um longo chapéu, uma camisa xadrez e botas de couro, em seu cinturão haviam muitas sacolinhas, que segundo ele eram pós mágicos e poções, cada qual com uma função específica. Foi uma zoeira tremenda, todos riram do rei, muitos não tiveram sequer a preocupação de disfarçar, fato que custou-lhes a própria vida.
Não tardou muito para que o rei se apercebesse que havia cometido grande erro, pois mesmo que aquelas roupas fossem adequadas não eram aconselháveis para todas as ocasiões, concluiu disto que a roupa em si não era fator importante para o bom sucesso e poder, mas sim adequação aos diferentes grupos e modalidades culturais. Não obstante esta conclusão foi tão tardia quando inútil, pois a fama do rei passou a ser de louco varrido e pessoa com falta de personalidade, o que segundo minha opinião não ha base sólida nestas falácias pois o rei buscava em si um valor que lhe tornasse mais famoso, não sabia porém que é a alma quem cresce e domina o mundo e não qualquer destas mesquinharias que são as aparências.


Vigésimo sexto conto: A intuição

Caminhando por uma praia certa vez eu encontrei cinco grãos de areia. É verdade, acreditem em min. Logo vejo que perceberam o quão perceptivo eu sou, não, não perceptivo, mas intuitivo pois de fato intuí que estes grãos estivessem sob meus próprios pés. Que sorte do destino, vejam só: eu lá andando, e eles sempre ali, só fui me dar conte depois de certo tempo de caminhada, por causa da intuição, retornei então todo o trajeto com os mínimos cuidados para calcular com exatidão onde estava quando cheguei à praia. O que não esperava é que minhas pegadas tivessem sido apagadas pelas ondas, malditas ondas, esta foi minha reação inicial. Quando iria eu achar aqueles cinco grãos de areia novamente? Fato surpreendente foi que eu achei, creio que por acaso ou mesmo sorte do destino. Os leitores devem muito estranhar o fato de procurar alguns meros grãos, mas estes eram especiais.
Por quê? Cada grão representava um planeta diferente, planetas sem nome, cada qual ainda tinha em si bilhões de habitantes. Fiquei aterrado, verdadeiramente preocupado quando lembrei-me que ao passar poderia haver não intencionalmente ter pisado em um dos grãos, quer dizer, um dos planetas, e ser um assassino de bilhões de seres. Deveria dizer seres extra-terrestres? Não, definitivamente não, eles vivem por aqui, e devem por isto ser considerados terrestres, mas vivem em outro planeta, digamos um outro planeta que está no nosso planeta, conectado, engajado.
Peguei os cinco grãos na mão com um cuidado extremo, atenção redobrada, não consegui enxergar uma diferença que fosse gritante, ou que indicasse diferença em relação com qualquer dos outros grãos. Fiquei nervoso, pois minha intuição não indicara assim e decidi, emergencialmente leva-los ao microscópio, chegando ao laboratório coloquei os grãos sobre a mesa e fui tomar um café, quando retornei eles não estavam mais lá. Foi de notória surpresa quando lembrei-me que por minha falta de atenção ou um descuido bastante grande havia confundido os grãos planetas com grãos de açúcar, e os havia posto não intencionalmente na xícara, que aterradoramente se encontrava plena daquele líquido obscuro, terrívelmente quente e até pestilento na perspectiva de um indivíduo que fosse adentrar-se num ambiente destes, sim seria hostil.
Com velocidade espantosa despejei todo o conteúdo da xícara numa toalha, antes de causar queimaduras das mais graves nos planetas, notei que muita açúcar se misturara com os grãos, de modo que ficara difícil distinguir qual era um e qual era outro, não há outro meio de saber senão colocando um por um na boca, se não se desfizesse por certo seria areia. Foi isto então que fiz, com perícia e minuciosidade que até então desconhecia.
Transcorrido grande intervalo de tempo consegui separar os cinco planetas, e os pus no microscópio, desta vez até desisti de tomar café, aliás fiquei extremamente arrependido de ter tido esta idéia, pois poderia de maneira avassaladora dizimar miríades de seres em uma atitude aparentemente simples e banal. Estando sob a vista das lentes do microscópio pude analisar melhor aqueles diferentes mundos, foi de muita desventura quando notei sua similaridade com grãos de areia comuns. Teria eu, não intencionalmente, pegado os grãos de areia errados da praia? Seriam grãos de açúcar que não derretiam? Minha mente fervilhava de dúvidas e cogitações das mais diversas.
No outro dia retornei ao mesmo lugar da praia, preocupadíssimo com a possibilidade de alguém haver massacrado os cinco planetas originais. Estando já no mesmo lugar olhei bem para o chão e prestei atenção à todos os detalhes da areia, percebi logo que haviam uns grãos que eram relativamente maiores que outros, alguns também tinham uma certa transparência, e outros ainda que julgava numa primeira instância serem grãos eram na verdade pequenos pedaços de conchas. Dentre esta vasta gama de variedades encontrei três esferas de tamanho igual que um grão, mas de formato totalmente esférico. Claro! Estes deveriam ser estes os verdadeiros. Pretenciosamente coloquei-os no bolso e retornei ao local base de minhas investigações: o laboratório. Após as verificações iniciais constatei ter anteriormente me enganado de maneira crassa, como pudera eu haver cometido um erro destas proporções? Pegar os grãos errados? Bem... então o que se passou foi fenomenal, sem igual, desta vez nem cogitei tomar o café e fui direto ao assunto, os pus no microscópio, quando focalizei os planetas notei que cada qual era de uma tonalidade avermelhada bastante vivaz, quase como se emitissem luz por si mesmo. Aí fiquei observando por meia hora, o que acabou por se prolongar por duas ou três horas, foi quando me cansei e fui tomar um café, desta vez entretanto intencionalmente coloquei os cinco planetas dentro da xícara de café e tomei o café por completo, sem medo nem piedade, até queimei a garganta, de tal forma degluti aquela bebida que antes nunca me notara tão afoito e desesperado por tomar um café. Óbviamente enguli os planetas junto, sim, já estava farto de toda esta história, cansado e exausto de intuições fui viver o dia.



Vigésimo sétimo conto: Homenagem aos gênios

A vida está em constante mudança, ora estamos em situação favorável, ora desfavorável. No entanto tanto numa quanto na outra situação o sujeito que as vive é o mesmo, de modo que sua essência é sempre a mesma, estando sempre em desenvolvimento linear. Uma tristeza imensa toma minha alma hoje, até parece que os dias floridos de ontem não passaram de sonho inócuo, algo há muito dissipado. É detestável chegar ao patamar de não ter nada para fazer, nenhum projeto, nenhuma vontade, nenhuma ambição. Me parece que o ser humano depende disto para sentir-se animado, a alma se embebe de vida quando somos acometidos por novas idéias, vontades ou sentimentos. O novo é uma necessidade do espírito para bem viver, tudo deve ser novo todos os momentos, do contrário a vida se transforma em monotonia e velhacaria. Para que então o homem não perecece em decorrência de sua fraqueza natural, em virtude de sua pasma inatividade, uma modorra inerente à todos, um estado estático e fraco Deus decidiu trazer de vez em quando certos naipes de pessoas que alterariam este modo de viver destrutivo e desvantajoso ao coração humano, assim que prestamos esta homenagem parca e miúda, diante da grandeza de cada um destes músicos. Pois tais foram suas façanhas criativas que nos prontificamos de maneira decidida a embasbacarmo-nos com tamanha grandeza e veracidade de espírito. Que Deus nos conceda ao menos o infindável prazer de conhecermos seus trabalhos, suas obras perenes e suas incontestáveis verdades morais, pois tal é a essência que na arte se incrusta. Os artistas são homenageados através de contos que procuraram retratar através de expressões linguísticas as suas frases musicais de envergadura vasta e latente em nossas mentes, em nossos corações.
Brahms, Elgar Mussorgsky, Hector Berlioz, Smetana, Mahler, Edvard Grieg, Beethoven
Brahms: Bem, dados jogados à mesa... Qual será o resultado? Aquele que sabe atua conforme sua sabedoria, isto é inevitável. Se sabes tu que todo ser humano vive um inestimável “script”, aventura profunda e tocante, história inigualável de proporções avassaladora. Vive pois o teu teatro, chora a tuas lágrimas e ama os teus circunstantes, agüenta o que te vier e têm a convicção de que estás dentro de uma jornada de grande sentido, um caminho há de ser percorrido, com princípio meio e fim. Faz como os atletas que correm: percorre a tua aventura, perpassa os dilemas, as amarguras e dificuldades da senda com cabeça erguida, se cair levanta-te e segue, mas por favor, nunca esquece, custe o que custar: lembra-te de que há um nevrálgico sentido na vida, pois a vida... A vida é uma aventura!
Elgar: Oh! Quanta ternura, quanto!? Quanto... Como poderei descrever? Quanto sentido! Talvez cantando poderia melhor me expressar, pois a música vai até onde a linguagem não pode chegar... Passou-se a tempestade peçonhenta das dúvidas que antes me provocavam tristeza e amargura, quantos males e nadas me abatiam... No âmago de minha vida está o suspiro derradeiro: aquela nota que se apresenta, e ressoa de maneira profunda chegando ao coração, as plantas que em noite silenciosa iluminadas por uma luz mágica de noite estrelada me parecem falar mesmo sem boca para qualquer palavra proferir e mais entendo elas que à qualquer outro que me queira contatar. Serão elas minha própria consciência que voa a silencioso lugar, silencioso porque a profundidade é silenciosa, no abissal fundo do oceano criaturas soturnas vivem um eterno silêncio, nas horas vazias de barulho da noite há tanta vida do espírito que chego à me extasiar com suspiros que saem de meu peito involuntariamente. Estarei eu a chorar? Choro a tristeza do mundo, é na lágrima triste e nos suspiros que antes as provocaram terna e profundamente que sinto a luz do sentir. Óh lágrimas humanas! Chorar a aventura humana, impetuosamente, veementemente, tempestuosa e forte como um touro é esta onda de sentido e certeza que me entra como uma torrente, o sentido da vida... Qual é? Me parece que é chorar... Pois enquanto choro nada mais é necessário, tudo o mais seria brincadeira.
Mussorgsky: Então penso que a aventura da vida é a todos amar. Tão simples e singelo que não sei como não pude nisto antes pensar.Ela é muito grande, não se resume à isto de forma tão simples, há algo misterioso no ar, que jamais vamos nós resolucionar, pois mistérios foram feitos para se perpetuar. Que dirá aquele que descobrir uma verdade existente para ser um mistério? Terá alguma “graça”a vida deste? O mistério é uma questão nevralgica na vida do ser. Não existindo nenhum mistério faltará certamente algum ingrediente na vida. Fadas, magos, gnomos, elfos, curupira, saci-pererê e caipora. Lendas, mitos, contos e histórias para lá de cabeludas. Que graça há por vezes nestes contos, muitas travessuras, muitas historietas divertidas e interessantes Uma marcha fúnebre é a trama do ar, a trama de nossas vidas: intrincado caminho inter-relacionado que demanda de nós a inteligência e perspicácia para solucionar, pois: Quê é nossas vidas senão o maior de todos os mistérios? O mais instigante! Acorda amigo! Acorda para as questões da tua vida agitar e destrinchar. Se ficares si como moribundo certamente vais desfalecer e perder-te em caminhos inócuos. Num trabalho árduo, como um escravo, cavalos suando e bois carregando pesadas charretes, é assim que vejo a vida meus amigos, viver é tarefa imprópria para fracos, ainda que hajam lá seus momentos banais e descartáveis, outros até desprezíveis, umas brincadeiras e frivolidades. Impera no entanto o grande vôo: que indica um caminho profundo de inesgotável sentido, sagrado, religioso, aterrador e silencioso num só tempo. Esse é o caminho verdadeiro do homem que se presa, que se valoriza. Um abismo com corda bamba é isto que vejo como sendo vida: difícil de ser tranpassado. A verdade palpita de meu peito: Sentes tú o que sinto? V6es tú o que vejo? Se não ao menos escutas para notares a proporção de tudo que ví de tudo que passei no decorrer de minha vida, escutas, escutas, eu clamo. Falarei baixinho para os outros não escutares.... Sabes? As paredes por aqui podem ouvir, e há certo temor, um estranhamento nisto. É só a ti que quero dizer. Muito sofri, muito chorei, se contardes todas as vezes e as lagrimas juntares poderás certamente fazer um lago bastante grande num descampado e nele nadar, ou até de remo brincar. Sou feliz porque sei que no final da vida u momento haverá em que minha alma se alegrará, uma grande porta se abrirá, ofuscante como pérolas a brilhar, talvez até com amigos já mortos a me recepcionar. Óh como brilhará minha alma de satisfação, poderei até um pouco mais chorar, não mágoas tampouco amarguras mas sim por um novo caminho encontrar, que estarão sinos a ressoar não posso negar, é por isto que não me canso de lutar... Sabe? Me aventurar pela vida em caminhos dos mais diversos, abrindo trilhas aqui e acolá. Que sejam as aventuras de nossas vidas os caminhos mais interessantes, belos, proveitosos e misteriosos!
Hector Berlioz: Sabe que às vezes, num tépido dia de verão começo a observar o longínquo horizonte, numa paisagem natural ou mesmo citadina e acabo por perder-me dentro de min mesmo, é aí que sou acometido de uma dor no abdômen e certa desolação emocional, uma tristeza vazia e desgraçada, alguns devem me olhar e a si perguntar: - Que é que têm este sujeito estranho e peculiar? – Olhando e notando ao meu lado uma pitoresca e interessante figura eu lhe disse: - Homem nada tenho que não esteja dentro de meus hábitos diários, nada que seja lá alguma coisa considerada alarmante. Alarmante... Ah se tu soubesses o quanto minha alma se entristece por um amor não correspondido. Mas isto não vai querer escutar, é assunto triste e sem graça... Que pode haver de interessante na alma de alguém com a desventura que tenho eu? Que poderá me acalentar além de minha singular tortura? Aliás esta não me acalenta senão causa grande sofrimento, estou sempre parado por todos os cantos, meado em multidões nada vejo senão aquela que é motivo de minhas flagelações. Em momentos, a impressão que tenho, de que sobrepujam laivos de esperança, que me fazem dar uns sorrizinhos de vez em quando, ora estas, de qualquer forma toda gente com quem ando estranha pois quando falam sobre um assunto específico estou a sorrir, mesmo que o assunto não demande ou requeira esta atitude, é aí então que a suituação se torna imprópria e até inconveniente. Quê direi eu à eles? Que estava distraído? Isto não pode ser considerado uma distração senão a questão que me assola, um ponto ímpar na minha vida, aliás nem tenho vida, pois se esvaiu junto com minha amada. Não me faça lembrar... Quanta dor... Eu prometo que nestas noites de verão estarei a compor poemas para você, assim ao menos, fictíciamente estará meu coração pouco mais consolado, não minha mente, pois esta sabe do que é amor platônico. Não posso no entanto perdurar numa auto ilusão, haverá um momento limite! Talvez bastante sombrio, neste momento só aí estarei liberto, pois o amor prende e não sedejo sinceramente ver-me toda vida a lamuriar pelos cantos a ver desvanecer diante de min a imagem da alegria. Os clamores subirão de forma bombástica, gritarei desesperadamente, como um louco atroz tomado por acesso de fúria que meu desespero se consumou até as últimas conseqüencias, que este seja o momento derradeito ounde até uma certa hilaridade se mescle com toda esta explosão. Definitivamente: Não é a loucura hilária? Certo temor me sosobrou após tanta energia dissipada de forma estrondosa, certo dia tive de me apoiar numa parede em meio à uma festa, os que viram me chamaram a retornar seus assuntos fúteis e veniais. Quê fazer? Parece que estou doente, é um pouco pálido, não me alimento bem nos últimos dias, até tenho uns pesadelos terríveis esporadicamente, acho que vou morrer... Os cáusticos clamores que ressoam em minha alma parecem lutar de forma misteriosa contra forças ocultas, surgem então os laivos de esperança mais belos que se possa imaginar, aliás é nestes momentos que percebo que em minha vida nunca passei por momentos tão afetuosos, sutis e digamos enternecedores... Por que está a luz tão próxima da obscuridade cruel e sórdida? Talvez seja uma dependente da outra, mas que óbvio! Tão óbvio que faz crer-me um pateta por não haver antes pensado nisto... Fui certo dia assistir à uma corrida de cavalos, até fizemos algumas apostas, e lá tive certo esquecimento de tudo que ultimamente vêm me acometendo, inclusive alguns olhares de uma dama belíssima recebi, fazia calor, e estava com tal disposição de espírito que até retribuí os elogios recebidos com outros tantos, situação corriqueira, banal e até um pouco supérflua que adquiriu a partir de então todas as minhas atenções, todo o meu coração!
Smetana: O mundo têm um compasso de harmonia e beleza inigualável! Certa vez andando por uma rua atulhada de gente parei, estanquei diante de uma vitrine fantástica: Uma confeitaria, minha boca salivou de ver as belas tortas doces, doces de todas as cores, sonhos de chocolate. Que delícia! Eis que neste momento extasiei-me, fiquei desnorteado e embevecido quando notei que dentro da loja encontrava-se minha bela amada, um olhar meigo, terno e úmido ressoou de meu coração em direção à sua alma, os doces, por mais coloridos que fossem ficaram mudos, por mais saborosos que pudessem ser tornaram-se uma sombra, pois via cores, sabores, sons e belos odores nuns olhinhos pequeninos e risonhos. Que mais podia eu querer senão o mundo?
Mahler: Andava firmemente, compassado e constante, numa trajetória linear pré-estabelecida. É assim que era aquele sujeito, assim que todos o percebiam, até que inesperadamente parou, e reviu muitos de seus conceitos, decidiu sair por aí sem sentido certo, numa dança confusa e improvisada, até tropeçou algumas vezes em pedras e arbustos, pois de tal maneira foi dançando que desviou-se da estrada, caiu e se levantou muitas vezes como se bêbedo estivesse. Sem que ninguém esperasse retornou à estrada e prosseguiu seu caminho da mesma maneira que antes fizera, com a mesma conduta linear,programada e compassada., alternava ora uma atitude ora outra, nos momentos em que tinha-se a impressão que andava desnorteado, tal como um louco ou um debilóide fato era que abria um largo sorriso afetuoso e belo. Sentia-se que estava tão feliz que até dava uma vontade de fazer igual. Certo momento pareceu encontrar certo equilíbrio, um meio termo entre um extremo e outro, o que particularmente julgo o mais adequado: seu nome era Vida!
Edvard Grieg: Os sentimentos são coisa fantástica, fantasiosa, por isto é que fantasio em torno deles, não, não em torno mas sim dentro, me embebo de sentimentos. Em devaneios mórbidos, em loucuras estonteantes, estático por vezes como uma pedra, olhar vidrado na escuridão e mente enaltecida, embevecida acalentada pelos prazeres do coração. É assim que fico ao ser tomado por ondas de sentimento! Ó quão belas são as potencialidades humanas, bondade, altruísmo e amor, que mais é necessário à moral elevada? O sangue parece correr com mais força, o coração pulsar forte, não descompassado como na paixão, esta fugaz vivacidade da alma, mas sim profunda e energeticamente como no amor, esta faceta mágica do ser humano, este caminho espiritual e brilhante. Que alegria! Alegra-me o coração, o corpo a face sorri de tanta alegria. Que alegria! Numa vivacidade fora do comum quero aos olhos de todos olhar, para passar isto que está dentro de min, mas passa que isto não é uma vontade intelectiva, senão um impulso irracional e quase que instintivo, esta é a alegria mais verdadeira que se possa imaginar, há tempos não sorria desta maneira, querer passar aos outros aquilo que sinto sem ter de pensar que quero isto, é simplesmente uma vontade automática que não exige pensamento, é amor.
Quanta ternura cabe no coração humano? Quantas lágrimas hei de derramar, e hão de pelo meu rosto resvalar, derramas até que como gotas de vida, como pequenas e imensas caiam nos ombros de amigos e amigas? Quanta aventura ha de ser vivida antes do inspirar final? Quantas paisagens hei de contemplar, com olhos enaltecidos e brilhosos? Ímpetos se proliferam de meu peito, uma força irresistível que soa e sai ora sutil ora impetuosamente em cores das mais diversas, cores da minha vida. Ora estas: tanto vivi que já posso dizer que se minha vida um quadro fosse já haveriam certas cores, certa quantidade de variedade relativa, que quem a este quadro vislumbrasse teria certa afeição e um interesse nos detalhes que lhe traria uma felicidade desconhecida, a felicidade de me conhecer. Rujam os tambores para aclamar a verdade que expus!
Beethoven:
- Venham todos conhecer! Eu saliento: venham antes que seja tarde, pois os últimos tempos estão próximos e os tempos próximos serão os últimos a se perpetuar
- Ora estas homem, deixe de besteiras, parece mais que estás a perder teu tempo, veja lá o que vai dizer, caso contrário... Há é melhor ficar calado, não diga nada.
- Miserável! Quê pensas tu? Porque trabalhas? porque faze tanto alarde em torno de nada? Cala-te e vai!
- Ora estas seu paspalhão, vamos ver aqui quem têm a razão, certo dia estava eu num lugar ermo e fui acometido de tal vertigem que no chão caí, tudo pareceu acabar, até meu corpo não mais senti. Muitos pareciam gritar noutro momento não percebi mais o tempo passar...
- E então?
- Homem de Deus, falo do sofrimento que nos atazana dia e noite, se não olhares o seus olhos nunca perceberá que é que digo, ele sempre ali está, eu corro com ele desesperado, como quem está a lutar pela sobrevivência, é assim que vivo.
- Não é certo exagero?
- Não, a própria vida é um exagero, tudo é imponente, basta que assim vejamos.
Após esta conversação um silêncio profundo tomou o lugar, a impressão era que uma tempestade era eminente, e nuvens pesadas cobriram o céu sem sequer um ruído, é, um vento fazia alarido numas árvores e nas janelas da casa, mas a impressão de silêncio era de tal forma dominante que os presentes não se apercebiam das peripécias dos espíritos que com o vento brincavam. Brincavam? Mais pareciam gemer num lamento triste, constante, monótono e pesaroso. Todos de maneira corriqueira e costumeira daquela casa foram à cozinha, pois já era hora da janta, e a grande família sempre se reunia naquele horário, naquele lugar. O fogão crepitava fagulhas e ali mesmo uma criança se prontificou com uma vareta e o fogo brincar, ninguém com ela implicou, mas sim um pouco podou, para que não se queimasse. Tanto o tempo passou que comendo todos se saciaram, anunciaram que as festas haveriam de chegar pois era páscoa e uma grande comemoração iriam montar, a maior festa de todas, a maior que se podia imaginar, que se podia com muita vontade montar. Era isto! No dia preciso todos dançaram insaciavelmente, a matrona mandou fazer petiscos e comidas das mais diversas, todos sorriam entre si desejando-se bem, querendo bem uns aos outros. Aquela tempestade? Aquelas nuvens? Não houve chuva sequer uma gota, sim houve certo momento que choveu no salão, onde diversos grupos de cavaleiros e damas dançavam chuvas de confetes e champanhe, para todavia mais comemorar. O dia da festa foi o dia de intensa chama no coração de todos! Não é este o objetivo da vida? Perpassar as idiotices, bestialidades e burrices do mundo para encontrar o aconchego no amor? Não é esta a grande festa? Querer aos outros um bem e estima infinito, e isto exprimir por sorrisos?


Vigésimo oitavo conto: Meio embasbacado!

O homem tava ali, parado como uma árvore, com uns olhos esbugalhados que parecia que iam saltar para fora, olhar fixo, nem as pálpebras nem sequer via-se movimento nas pupilas, que estavam fixas como pedra. Até me abismei um pouco sabe? É... essas coisas assustam um pouco a gente, ver este tipo de louco assim por aí, até parece que esta gente não têm miolo, não pensa direito, e... deixa eles assim por aí pode até ser que não seja nada, mas eu quando vi fiquei pasmo, realmente pasmo. Nunca tinha visto um desses assim. As pestanas começavam a demonstrar expressão, não de pânico pois o susto era meu e não dele, mas sim de uma ternura de doido, pois ele não tinha lá motivos para tal, nem tinha ninguém na frente dele. É, mas sabe que o Lucas falou que este daí já fazia tempo que tava tendo estas manias, até a tia dele certo dia reclamou e jogou umas e outras blasfemas, e ele? Não... Não ouviu nada. Todos aí dizer que não ouve direito, quer dizer, quando ele ta desse jeito e aí de doido, até assusta, e quem não conhece passa longe.
Me pergunto se é possível. Quarta dimensão! Penetrar no mistério Divino, um mundo oculto onde estão todos aqueles que daqui já se foram, e ou ficam a perambular por perto ou vão à sendas mais distantes e desconhecidas todavia. Me pergunto se é possível e difícil é satisfazer meu senso crítico, não me basta explicar isto ou aquilo, elucidar e mostrar-me muitos livros e complexas teorias, eu, como um ser humano qualquer, como qualquer pessoa com um mínimo de senso real: Quero ver! Sentir, cheirar, pisas, voar, entremear-se neste mundo que dizer ser o espiritual. Aí então estarei feliz! Não entendo como até os seguidores das mais diversas crenças, muitas vezes se satisfazem com pouco, saciam-se numa crença cega, com razão mas sem a experiência empírica.
Este é o grande mistério do entendimento cabal: O sentir, ver e vivenciar no sentido real desta palavra não somente as verdades éticas e morais, como também a experiência transcendental, ultrapassar os conceitos deste mundo, ver e ouvir espíritos já mortos, isto é que me satisfaria, e até hoje não me sinto completamente satisfeito por causa deste tormento nevrálgico que não foi solucionado. Se preciso correrei até o pico das mais altas montanhas, sangrarei e sofrerei, mas solucionarei esta dúvida tormentosa, desagradável e essêncial antes de morrer.
Ali tava ele outro dia! Fiquei até um tempo para ver se ele ia se mexer da cadeira e nada, o homem ficava estático, estagnado, até parecia que tinha morrido. O Lucas falou que era assim mesmo que ele fazia, eu assustei, o sangue até gelou quando imaginei que ele devia tar passando mal ou coisa parecida, mas não, depois de uma hora ele se levantou com um sorriso de invejar, sabe quando cê percebe a sinceridade no coração, foi assim mesmo, é. E depois eu até perguntei se ele tava bem, e cêis sabe o que ele disse? Que melhor impossível!
Na vida a maior preocupação deve ser a morte! Evidente, tão óbvio que os que fogem a isto são uns patetas, ou mesmo bem ignorantes. O fato é que fogem por medo de enfrentar as questões mais importantes da vida. Meditar é entrar em contato com a quarta dimensão, faz certo tempo que percebi isto, assim que julgo estar no caminho certo, segundo minhas pretensões, pois meus fundamentos não são meramente teóricos mas sim também sensíveis. Porque na bíblia vemos tantos milagres, tantas visões, tantas luzes misteriosas e sagradas? Porque é uma verdade possível! Não são linguagens metafóricas, são verdades que há muito tempo foram olvidadas pela humanidade, passamos a não saber interpretar a bíblia corretamente, e o mais importante não vivencia-la assim como ela está escrita. Ver luzes é ver luzes, escutar anjos é escutar anjos e disto vou correr atrás, nem que minhas pernas desfaleçam.
Pois então é este o grande mistério espiritual: correr dentro do caminho de solucionar as questões, pois dizer que no momento da morte tudo será descoberto é muito simplista, aí será tarde de mais, deve-se solucionar o enigma antes, pois se não saber qual é a verdade da vida viverás conforme o quê?
É agora eu até posso entendê. Mesmo assim, tô meio embasbacado sabe?



Vigésimo nono conto: O Céu de Pedro
- Onde estou?
- Você está no além.
- Além do quê?
- Além dos limites que o sr humano julga existires para a vida.
- Não, isto é impossível! – Retrucou nervosamente Pedro – Eu ainda estou vivo! Não Vês? Acaso pensas que não tenho discernimento?
- Não meu querido... – Disse o anjo – O fato de ainda estar vivo é mais que natural, já que a vida continua.
- Este ambiente é tão claro. – Falou olhando ao redor, interessado em algumas nuvens que por ali havia. – Até parece que estou no céu... Será algum sonho?
- Sim, justamente isto, um sonho, pois nos sonhos temos breve acesso à 4a dimensão, e por certo estás no mesmo ambiente que dantes com a diferença que não mais preso ao corpo estás, podes voar livremente por aí.
- Voar? Estás louco? Não vês a altura que está este lugar?
- Não se preocupe, se acaso houvesse algum perigo, este seria qual? Morrer novamente? Não, isto já fazemos na terra, pouco a pouco, morremos diariamente perdendo nosso tempo com atividades vãs, por vezes até destrutivas. De que vale assim viver? Isto é morrer e não viver, ficamos por ali perdidos, sem saber que fazer, ora estas, esta gente sem projetos, outros de coração endurecido começam a dizer loucuras e por aí perdem-se...
- Quem são aqueles ali? - Pedro apontou para uns sujeitos que em roda tocavam alguns instrumentos musicais.
- Ora estas Pedro: Estes são os tocadores de harpa e flauta, sabe, por lá em baixo, se houvesse maior interesse por música de qualidade toda gente seria mais feliz, e até mais benévola, pois música e artes em geral é coisa que diz respeito ao espírito à alma, e chega ao coração de forma incisiva e avassaladora.
Assim que os dois seres espectrais foram, pelas nuvens andando até chegar à certa parte daquele emaranhado de nuvens onde havia grande floresta, e lá era respectivamente a morada dos mortos, aliás, onde os mortos mais vivos que nunca executavam uma série de atividades, uns pegavam frutas de cores variadas, um sujeito tocava uma pequenina flauta, cujo som produzido provocava em Pedro sensação de grande conforto, era como se os sons fossem uma espécie de energia e não simplesmente audíveis. Neste momento Pedro se deu conta de que todo o seu corpo não era exatamente um corpo, mas sim uma consonância de experiências de diversas vidas vividas no planeta Terra, exatamente 357 vidas, das quais, tendo lembrado de tudo o que passara, a única coisa que podia absorver de realmente útil, além de todo o conhecimento é o amor, um sentimento intenso, incomparável com qualquer outro tipo de experiência. Se esbaldou neste momento em lágrimas que se derramaram como chuva por todo seu rosto, abraçou o anjo guia e disse:
- Anjo guia: Agora realmente, graças à seu auxílio, e talvez aos sons estranhos deste homem que toca esta pequena flauta, tendo lembrado de uma série de reencarnações, estou tomado de uma sorte de sentimento muito forte, indescritível, que me fazem ainda compreender que o mundo é realmente belo, que o bem é o caminho linear, a trajetória que todos devem seguir, e... Infelizmente percebo quanto tempo perdi com futilidades e até besteiras nas 357 vidas que vivi na terra. É certo dizer que nos interstícios das vidas pude sempre cair na real, e me dar conta de que tinha feito isto ou aquilo de errado, e que aquela outra coisa deveria ser corrigida com urgência. No entanto é fato que quando me encontrava na carne nunca entrava em contato com minha consciência espiritual para ver as necessidades prementes, caindo assim nas ilusões da vida mundana.
- Veja só! Finalmente viste quem és e onde estás. Vê quantos pássaros cantam em uma alegria inacabável? Acolá os animais campestres vão para todos os lados em busca de seus alimentos, ora estas, não notas acaso que este lugar é o mesmo que o lá de baixo? A única diferença está no fato de que aqui o homem não deturpa seu contato com a natureza, aliás o homem é a natureza. Por aqui vamos aos poucos percebendo que tudo é integrado numa só unidade. É a alma que fala: saudades sempre ressurgirão num insight melancólico de imagens do passado, no presente nos embebemos da mágica da alegria e da profundidade de amar à Deus e à todos. Sempre crendo com força, coragem e perseverança em expectativas de futuro promissor. O porvir é um projeto que mantém a luz do ser humano acesa.
- Peço perdão, oh grande anjo, que me seguiste por sendas duvidosas na terra, enquanto eu errava e perambulava como louco perdido, tu de joelhos orava para que Deus me socorresse. Sou por certo, por este motivo causador de muitas injúrias, motivo de desagrados e até desaventuranças das mais diversas, e agora, nesta forma sutil posso perceber com nitidez qual o peso de tais procedimentos, atitudes dúbias e niilistas, sem valor humano ou divino. Quem sou? Por que estou acima das nuvens e não abaixo da terra? Peço perdão... Peço perdão...
Pedro então, tomando consciência do que é realmente aquilo que se chama vida cai prostrado de joelhos diante do anjo, ainda chorando, mas agora em prantos mais graves, num momento áureo e crucial de sua existência, o que deixou outros anjos que perambulavam por perto com atividades rotineiras extremamente sensibilizados com a comovente cena, estes anjos entreolharam-se, e uns até o lenço pegaram para enxugar algumas lágrimas. Pedro lamentou profundamente seus erros, o que não era o suficiente para corrigi-los mas sim o primeiro passo, e bastante acertado, para seguir num caminho proveitoso de correções. Seu pranto fora tão alardeante, que chegou por momentos a aturdi-lo de tal forma a provocar certa tontura e vertigem. Tanto suplicou, tanto rogou que o anjo se comoveu tão profundamente quanto se arrependera ele, e, num ato de benevolência abençoou-o permitindo nova encarnação. Uma nova vida para a reconstrução de vivências de paz e amor, onde tudo seria válido como experiências de aprendizagens, ainda que sombrias e denegridoras seriam úteis como aprendizado das sendas da vida. Pois a vida é isto: aprender e reconstruir novos caminhos.
Aquele momento ficou marcado na vida de Pedro, pois assim como ele, o ser humano em geral tende a fugir de suas nevrálgicas questões, dos dilemas mais profundos de seu consciente. Procura escapar disto de maneira dissimulada, disfarçada, mascarada. Assim leva toda a vida fingindo estar extremamente intrigado com novidades das mais diversas, esquecendo-se de que na vida o que há de mais importante são as questões perenes da vida.
A felicidade e o amor sinceros serão encontrados somente no momento em que nos prontificarmos à enfrentar, com coragem e determinação as questões que nos atordoam, que nos assolam nas profundezas de nosso íntimo. É lá que estão enterrados os miasmas dos quais fugimos, de modo que assim parecemos uns patetas fujões. A evasiva ocorre não à toa, mas sim pela dificuldade que há em olhar diretamente nos olhos da problemática, pois quem olha nos olhos não enxerga as aparências mas sim o espírito, a essência daquilo, os olhos transmitem a verdade de uma maneira tão intensa e incisiva que os mais longos discursos, as palestras mais acalentadas não poderiam se equiparar ou mesmo chegar próximo desta intensidade de transmissão de verdade. Olhe seus problemas com veracidade, não use as máscaras da vida para ocultar-lhes. Faça como Pedro: Pergunte-se sempre quem és, onde estás. É certo que se fizerdes isto encontrarás tantas novidades há muito ocultadas, que em suma não são novidades senão verdades obumbradas pelas máscaras da vivência humana



Trigésimo conto: Em outro planeta

No início uma absoluta escuridão reinou no universo, por muito tempo, não se saber quanto ao certo, até que um vento soprou e fez um fogo queimar, pois sem este vento aquele fogo não queimava, e ainda ficava invisível sob a escuridão. No momento em que o vento soprou apareceram pontos luminosos, de um vermelho ardente, de onde nasceu o calor. Calor este que não só representava as labaredas do fogo que queimava como também o amor no mundo.
Este calor fez com que o universo, antes um vazio escuro e interminavelmente oco ficasse cheio de vida. O calor que animou o mundo parece olvidado, deixado no esquecimento, as pessoas de si cuidam e não prestam a mínima atenção no sofrimento alheio, quantas pessoas parecem ter nascido mas ainda não ser instituídas de vida, a verdadeira vida, assim ocorre que no mundo o que as pessoas mais precisam é uma orientação, para seguir os caminhos da verdadeira vida, por este mesmo motivo todos andam ansiosos a busca de nada e fundamentados num nada.
Dienis refletiu sobre esta problemática durante algum tempo, mas estava com muita pressa e não pode mais ficar a filosofar, teve logo de arrumar sua mochila de viagem, pois uma longa jornada lhe esperava. Estamos num futuro longínquo, em planeta distante do planeta terra, planeta tecnologicamente muito mais evoluído, entretanto falando-se do aspecto moral não é confiável crer, que aquele planeta fosse mais avançado que a terra, havia muita confusão e desentendimento entre os governantes, o que ocasionava transtornos dos mais diversos aos habitantes. Deflagravam-se lutas e desavenças entre os soldados, e quem pagava o preço destas guerras era a gente comum que não tinha muita culpa na questão das políticas internacionais serem tão desajustadas como eram.
Muita gente que lê este conto pensará que é algo similar ao que passa na Terra, não pode-se comparar muito, já que sendo aquele planeta demasiado desenvolvido tecnológica e cientificamente ocorria que as proporções das guerras eram catastróficas e amplas quando comparadas ao nosso planeta. Assim, mesmo sabendo dos muitos problemas que ocorriam em seu país Dienis não podia resolvê-las, a solução era suportar uma série de situações que não lhe eram favoráveis, e isto sempre o fizera com convicção e até um certo otimismo, ainda que em muitas das vezes não haviam resultados considerados bons, mas que em todo caso serviam como aprendizagem.
Tendo colocado tudo o que precisava na mochila pegou seu veículo de transporte, que seria algo equivalente à uma moto em nosso planeta, com a diferença de que era bem maior e que voava os céus a vertiginosas velocidades, muito mais rápidas que nossos aviões mais rápidos. Voou muito ao alto e seguiu à frente, passando muitos países em muito pouco tempo, era incrível a visão que tinha lá de cima, podia ver muitas cidades que por breves momentos passavam por seu campo visual, via as maiores construções parecerem pontinhos ínfimos. Dienis ficou vislumbrado com aquilo, após pousar aquela máquina se encontrou em local bem distante do qual havia iniciado a viagem com alguns familiares, com os quais tinha de trocar importantes informações, sobrou tempo para declarações sentimentais, pois muito os amava e sempre que podia demonstrava seus sentimentos da maneira que julgava mais adequada para cada ocasião, aquela era uma ocasião de extrema pressa, pois sabia que estaria sendo perseguido por soldados, que tendo verificado uma nave voando estariam atrás para destruí-la o quanto antes, infringira a regra de não passar os limites de seu país. No entanto o fato é que estava tentando um grande empreendimento, além de ver seus familiares novamente, os quais já faziam muitos anos que não via, tentaria prosseguir a viagem até um país mais longínquo todavia, que era resguardado ainda por outros muitos soldados.
Notando a premência do perigo por seu sinalizador interestelar julgou conveniente ir-se dali o quanto antes, despediu-se dos familiares e subindo em sua nave fugiu a toda velocidade daquele lugar, após certo tempo de viagem finalmente se consumaram seus pensamentos mais receosos. Sim, era certo que haviam muitos perseguidores, dos mais cruéis e violentos, Dienis era muito habilidoso com aquela maquineta voadora, havia a possibilidade de ele escapar ileso, e voava tão magistralmente com aquilo que se aquela perseguição tivesse sido filmada por algum cineasta julgaria que ele e a máquina constituíam uma só coisa, tamanha era a harmonia que se formava entre os dois.
Ora virava bruscamente à esquerda, em velocidade vertiginosa, entrando em túneis que se dispunham na constituição da cidade, ora à direita pegando atalhos e passagens que confundiam seus perseguidores malvados e impiedosos, que não dispunham de escrúpulos ou valores humanos, por momentos via-se em extremo perigo, mas em outros conseguia esquivar-se de uma maneira quase que artística de seus oponentes.
Dienis tanto obstinou-se nesta fuga que por fim se viu livre de todos os soldados, logo encontrou à poucas centenas de quilômetros a cidade que almejava chegar, e que até então nunca tivera coragem de empreender a viagem. Que país era aquele que tanto almejara chegar, com o qual nunca travara contato anteriormente, que tinha uma beleza tão bem proporcionada, uma beleza tão grande, uma beleza tão bela que chegarva a extasiar-se, embasbacado com a quantidade de cores que tinha diante de seus olhos, em tons vivos e vivificantes, era um belo país por certo. Seria um mundo encantado? Ao descer sua nave notou que os diferentes sons que se propagavam nos arredores, provindos de animais silvestres e mesmo das forças da natureza formavam um só conjunto orquestral, tudo soava de tal maneira que parou por um instante e fechou os olhos prestando atenção à todos os detalhes daquela sinfonia natural, sorriu com espontaneidade, inesperadamente, ficou surpreso com seus próprios sentimentos, e olhando às cores do céu que demonstravam tonalidades arroxeadas vislumbrou uma beleza desproporcional à sua capacidade de entendimento e assimilação, tendo consciência deste fato julgou-se pequeno diante de tudo, mas logo percebeu que era parte do todo, e que por isto compunha, com sua pequenina contribuição, sua parte naquela orquestra, naquela pintura que era aquele país. Seus olhos brilharam, seus ouvidos se extasiaram e seu coração pulsou como nunca antes havia ocorrido. Creu piamente que tudo o que via, como por exemplo aquelas nuvens de cores diversas iluminadas pelos três sóias que naquele planeta existiam não só se encontravam à grande distância dele como também eram ele próprio, de tal sorte este pensamento perpassou sua mente que ele imaginou não só entrar em contato com o mundo ao seu redor como também ser o próprio mundo Neste momento, entoado por estes sentimentos disse em voz alta: - Eu sou o mundo! - Ninguém ouviu pois ali não havia ninguém ali, a não ser um vento que insistia em correr de um lado para o outro fazendo com que seus cabelos esvoaçassem conforme sua vontade, vento este que fazia as arvores rugirem e suas folhas cantarem tristes canções, vento este que fazia os mares bradares e suas ondas cantarem belas músicas, vento este que por vezes diversas derrubava barracas mal pregadas e até fizera por vez e outra surgirem redemoinhos de ar dos mais fortes, vento este que fizera num dia longínquo do passado queimar uma chama, e a partir de então surgir um fogo no mundo, o fogo da vida, o calor do amor, que era supostamente o que sentia Dienis neste momento, por tudo o que estava ao seu redor e por si mesmo, pois quem não se ama não pode amar ao que esta fora de si, amor este que se impregnou no universo, e que só não enxerga isto os cegos que fazem guerras por cobiça e interesses diversos, causando tragédias das mais diversas. Pois o que há de mais precioso é a vida, depois a busca pelo aperfeiçoamento desta vida que é o encontro do amor, o mais alto grau de humanidade, quem causa mortes por certo não pode amar.
Esta foi sim, uma viagem de riscos diversos. Que viagem é esta senão a viagem de nossas vidas? Que país é este senão o país da felicidade?



Trigésimo primeiro conto: Noites estreladas

Certa feita tive um sonho, sim, almejava ardentemente alcançar as estrelas nas noites gélidas e estreladas de minha cidade natal, uma cidade pequena e rural. Alcançar as estrelas? Mas que coisa mais fantasiosa, uma ilusão que minhas vontades mais sonhadoras criaram, para dar-me quem sabe algum deleite na vida, sim: deleite! Pois é isto que fazem os sonhos em nós, nos fazem ficar com aquele olhar vago e impreciso, um olhar apaixonado pelo prazer de sonhar, sonhar por si só já vale a pena.
Que maravilha eram aquelas noites em que eu mais um ou dois amigos ficávamos ali, durante a noite somente a olhar as estrelas e a imaginar que existiria nestes mundos distantes, cogitamos civilizações e mundos estonteantes, onde tudo era diferente, e ainda, nos meus sonhos suscitava-se a imagem de que as estrelas seriam reinos de seres de luz, o que quando comentava comigo mesmo atiçava minha fértil construção sonhadora, então logo pensava que seriam estes seres de luz, como se comunicariam entre si em seus mundos de grande esplendor.
O céu, por certo, nos deixa tão pequeninos quando admirados que perdemos a consciência de nós mesmos quando nos prostramos a contemplá-lo. Até a própria vida corriqueira, nestes momentos parece perder seu tamanho de importância. Entretanto é certo que em alguns momentos quando ali contemplava que a imensidão de brilhos e luzes diversas me perdia em min de tal maneira que parecia haver me transportado para lugar distante, assim como quando ouvimos uma música de caráter devaneante parece que somos transportados no tempo e no espaço até que num ponto não notamos sequer o que ocorre na música mas sim o que se passa em nossa mente, da mesma maneira, não sei se influenciado pela imensidão do cosmos ou o fato de infindáveis estrelas nos proporcionarem uma imagem estética repetitiva e extasiante perdemo-nos em nós mesmos entrando numa profundidade de consciência fora do comum.
É por isto que almejava em meus sonhos alcançar as estrelas, até que um dia mudei para a cidade grande, e ali, não sei descrever exatamente por qual motivo, acabei por perder este gosto seleto pela contemplação daquelas noites estreladas, sim, a vida acabou por ficar atulhada de outras questões a resolver, questões estas que julguei prementes. Noto agora, sob a luz da velhice, que muito perdi de meu tempo deixando este hábito de lado, pois o que faz a vida são estes momentos de devaneios profundos, que fazem com que criemos os valores mais importantes de nossas vidas.
Infelizmente muito tempo perdi, quando resolvi todas as questões da minha vida, entretanto estas não eram as questões nevrálgicas e por isto disse que muito tempo desperdicei num vazio cheio de coisas vazias. Por vezes ainda parecia haver uma escassa lucidez, pois mesmo na cidade, por incrível que pareça, no final da tarde, no momento em que começa a escurecer uma ou outra estrela ousam aparecer no horizonte como se a natureza estivesse resoluta em dizer: - Vejam só, eu estou aqui! – Talvez inconscientemente eu tivesse esta idéia, pois ainda que não me preocupasse mais em ver estrelas, por vez ou outra olhava de relance algumas, como se fosse uma atitude indiferente e às vezes chegando a sentir certa raiva, enfadado, na verdade esta raiva era comigo mesmo, e colocava este sentimento retrógrado nas outras coisas, até nas estrelas que outrora representavam luz e vida. Mas a vida anda, e nós andamos com ela, de modo que as mudanças são diversas, e acompanhamos estas mudanças conforme nossa capacidade de adaptação e nossa força de vontade para mudarmos outras situações e efetivarmos com força construtivas nossos ideais e nossos projetos.
Depois de certo tempo, não sei, talvez vinte anos, ou mesmo trinta, o fato é que eu notei o quão perdido estava dentro de meus ideais, percebi então que os ideais, aqueles em forma de sonho, que tinha enquanto criança eram mais verdadeiros que tudo o que pudera perpassar na vida, digo isto porque enquanto criança sentia-me em jubilo verdadeiro, em alegria sincera com sorrisos matreiros de sonhos encantadores. Assim que na infância vivenciei meus sonhos, e na fase madura não pude sonhar vivenciando um mundo de grande praticidade e parca vida, ora estas, me pergunto agora: Quê é que faz a vida? Quê representa vivacidade? Acaso não é o sorriso espontâneo? Ou mesmo a capacidade de extasiar-se diante do mundo? Pois então, numa sombria nostalgia estas elocubrações recalcam na insensatez humana, de ao longo da vida perder esta capacidade. Ou deveria dizer naturalidade?
As estrelas nunca sumiram do céu, o que sumiu foi o olhar que eu direcionava à elas, aquele aspecto sintilante, brilhante e pupuleante sempre esteve ali, todas as noites e também durante os dias obumbrado pela luz do sol, sim: de maneira efetiva o céu era parte integrante de minha vida, de tal sorte que tinha grande importância no conhecimento que empreendia de min mesmo, pois contemplando-o e fantasiando eu chegava não só a conhecer uma realidade externa como também uma realidade interna.
Hoje ainda creio que o sonho pode ter sua importância em sonhar, não precisa de outra coisa senão da satisfação e deleite que proporciona. Talvez também por isto não tenha conseguido exatamente pegar uma estrela, o importante é que depois de tanto tempo tendo por muito tempo perambulado por um mundo perdido e cheio de nadas, me abstive e notei que em nossas vidas a única coisa que não podemos perder é a naturalidade de deleitar-nos com nossos sonhos mais fantasiosos.


Trigésimo segundo conto: A vingança de Dr. Loc
Numa cidade todos eram verdes, suas cabeças eram desproporcionalmente maiores que o corpo, os leitores julgariam que eram marcianos ou algo deste naipe, entretanto eram terrestres e haviam sido transformados por um cientista louco. Seu nome era Dr. Loc Um homem de olhos esbugalhados com uns óculos grossos como uma lupa. Todos desta cidade eram além de tudo pessoas normais, no que se refere ao cérebro que não havia sido transformado, não obstante havia certa transformação que lhes haviam desagradado, motivo pelo qual muito deles haviam telefonado para o cientista para fazer reclamações, estas situações desagradáveis era devido justamente ao fato de que seus braços não eram mais convencionais, senão haviam sido transformados em formas muito similares às raízes das árvores, o que dificultava para que pegassem alguns objetos de maneira mais minuciosa.
Passaram-se 100 anos, e depois que o Dr. Loc morreu seu sucessor, o Dr impertinent decidiu que os habitantes daquela cidade realmente estavam com a razão e fez por mudar aquela situação, transformando-os todos em homens elefantes, mantendo como antes seus cérebros de seres humanos, o que foi uma má idéia já que todos tendo maior envergadura que o cientista, que era uma pessoa bastante magra, e até de um aspecto sombrio e cadavérico, aproveitaram-se deste fato para entrar em rebelião e amassar o cientista sucessor em uma massa disforme no meio de seu laboratório. Neste momento deram conta de que não dispunham da fórmula para retornar ao normal, e que o único que poderia isto fazer era o próprio cientista Impertinent que haviam matado sem dó nem perdão. Ora estas, estavam pois sós no mundo em forma de homens elefantes, centenas e centenas, até milhares de homens elefantes andando para todos os lados nas ruas sem saber exatamente o que fazer diante daquela situação que parecia irreversível, bem a princípio ficaram muito tristes, depois perceberam que havia algo de errado, e isto foi definitivamente perceptível quando um deles proferiu a seguinte pergunta: - Você não acha que há algo de errado? – A partir deste dia todos acharam que além de suas situações, extremamente desagradáveis, serem irreversíveis notaram que estavam vivendo demasiado tempo, pois a via ia até no máximo, quando muito uns noventa anos, e vejam só que hilário, quando chegaram aos novecentos anos de idade concluíram definitivamente que estavam vivendo acima da média, esta conclusão pode ter demorado tanto para vir a tona por causa de uma certa falta de intelecto, o que é mais que óbvio, mas imaginaram também que esta seria uma das vantagens de ser elefante, a outra vantagem seria poder ter matado o cientista que os havia tão perfidamente transformado-os naquele ser mutante e estranho, o que na realidade não era vantagem, senão desvantagem pois ele era o único que possuía a fórmula secreta para lhes transformar em homens novamente, a verdade é que uns nem queriam mais retornar mais a ser homens, pois julgaram ser mais interessante viver naquela forma de tamanho estrondoso e poder viver por tempo infinito que viver como homem e chegar à uma morte apenas com noventa anos.
Houve uma grande manifestação em torno desta questão na qual os que eram do partido dos homens votavam por inventar um novo cientista que os pudesse retornar na forma convencional, os outros simplesmente queriam continuar como seres mutantes homens elefantes. A manifestação foi um grande sucesso do ponto de vista de difusão ideológica, entretanto não puderam explicar ao certo como fariam para inventar um novo cientista, já que os cientistas eram os que tinham a função de inventar.
Então criaram um concílio, e resolveram eleger um elemento para ser o cientista, o que resultou em tragédia já que sendo considerado cientista apenas pelo fato de ter sido elegido pelo concílio resultou que não dispunha de bagagem científica, e acabou por inventar qualquer fórmula par satisfazer a parte da comunidade de elefantes que queria voltar ao normal. Todos fizeram cara feia, porque o cientista era de fato um falsário, aliás todos que se colocaram sob sua supervisão pareceram intencionalmente querer iludir-se em torno de um ideal que no fundo sabiam ser impossível, mistificado e ilusório.
Todos que se dispuseram ao novo tratamento ao invés de homens transformaram-se e pés de laranjeira, e agora não podiam falar tampouco locomover-se. Não obstante todos haviam esquecido que o anterior cientista Dr. Loc havia sido esmagado por suas próprias experiências em uma campina silvestre próxima à granja da cidade, justamente onde haviam crescido estas novas e excepcionais árvores de laranjeira, fato que fez com que seus resquicios quase inexistentes, em formas de sobras de DNA entrassem pelas raizes das árvores tomando-lhes toda a estrutura, e criando tal tipo de revolução, que as próprias árvores acabaram por serem tomadas pela personalidade de Dr. Loc. Fato que deixou os Eletanto-campônios bastante abismados, pois creram piamete que aquelas árvores fosem normais, mas viram após certo tempo, ao chegar respectivamente o tempo da colheita que ao invéz de frutos sadios aquelas árvores davam horrendas cabeças de Dr. Loc, e todas falavam o qie queriam quando bem quizessem. Era um caos, pois em cada árvore haviam no mínimo umas quinze cabeças. Tudo foi rezolvido com persuação, pois Dr. Loc era uma pessoa inteligente, que dispunha de razão e discernimento, fora feito então um trato em que ele todas as suas cabeças seriam colhidas como se fossem frutas maduras, e ao invéz de irem ao galpão das frutas iriam para uma espácie de recipiente de conserva com um sistema específico de robótica imbutido no qual seria permitido todos eles locomoverem-se como robôs na parte que seria o corpo.
Dr. Loc finalmente conseguiu o que queria, seus restos foram reaproveitados e ele frutificou na exata correspondência deste termo, é certo que um gosto de laranja desagradável sempre ficava em sua boca, mas isto não foi o sulficiente para impedir-lhe de inventar finalmente a formula definitiva a que traria d volta todos os seres como humaos, sãos e salvos, inclusive ele mesmo, o que foi a maior novidade, mas foi considerado como fora de moda e até renegado, pois todos queriam agora viver como elefantes, ou árvores. O que concedeu ao cientista a fama de uma pessoa ultrapassada e perdida.


Trigésimo terceiro conto: Aqueles que não souberam ouvir

Na suposição de que houvesse no mundo uma só cultua construída em conjunto por todos os povos, nações que em conjunto erigiriam uma só verdade, um só pensar, chegaríamos ao consenso de que o mundo seria um tanto monótono. Para que esta trágica desventura não ocorra existe no mundo a pluralidade, ora estas, sendo todas as desventuras trágicas devemos nos ater que esta seria uma desventura como qualquer outra, tão triste, enfadonha e terrificante quanto as outras.
Pluralidade de idiomas, modismos, tipos, e receitas, tudo partindo das idéias. Assim é o mundo. Neste contexto encontramos dois sujeitos na calçada de uma pequena cidade do interior, conversando amistosamente:
- Então Carlos, conforme eu estava dizendo, antes deste interlocutor estranho interferir nossa conversa para fazer esta introdução loquaz e profunda, acho que esta cidade é um tanto estranha. – Falou o primeiro que era um sujeito de extrema obesidade com cabelos de roqueiro e muita dificuldade para falar por causa de sua grande papada e certa tosse da qual era acometido periodicamente, mesmo em tempos de calor.
- Definitivamente Luiz, não vejo grandes motivos para alarde, nossa cidade é por vezes estranha, mas não vejo nada que seja motivo suficiente para criar alarde. – Disse o outro que era um sujeito de extrema magreza e olhos esbugalhados de tão saltados da face que eram.
- Não vê motivos? E os casos de extra terrestres? E as lendas de almas penadas de que nos falam os caboclos das redondezas? E os artistas excêntricos do centro da cidade? E as histórias de homens que por motivos desconhecidos se tornam metade animais metade homem? E as mudanças climáticas repentinas inesperadas por aqueles que mais conhecem os fenômenos climáticos? E as histórias de homens que levitam, conversam com cavalos e têm poderes tele-cinéticos? Quê dizer de tudo isto?
- São baboseiras que contam para deixar mais abismados os mais fracos.
- É certo porém, que por traz de uma asserciva infundada há alguma intenção, seria esta intenção simplesmente assustar? Quê ganha o sujeito que pretende assustar senão um falso prazer, ver o outro crer em sua mentira nada traz.
- São todos uns mentiroso de merda! Que raiva tenho deste que ficam inventando tais besteiras! – Falou o magro totalmente conturbado por um aceso de ira, que o outro não esperava, e que não esperando fez uma cara pasmada e estática.
- Não há necessidades de tantos insultos, lembre-se que um homem sábio nunca confia totalmente em suas próprias idéias.
- Sempre acreditei esta ser uma cidade normal.Luiz, nada destas idéias loucas vão entrar em minha mente.
- Não são apenas idéias, as lendas e mesmo os mitos surgem de um princípio verdadeiro, mesmo que sejam códigos diferenciados de linguagem, como linguagem metafórica ou coisas assim.
Após esta breve e cordial conversa entre Luiz e Carlos um estrondo estonteante surgiu ao redor, parecia uma bomba, mas na realidade era o princípio de uma música bombástica que um dos vizinhos tinha o hábito de ouvir no último volume de seu aparelho de som super-potente.
Apos um susto de grandes proporções decidiram se afastar daquele lugar, pois o barulho da música era de tal modo ensurdecedor que se acaso ficassem poucos minutos à mais ali certamente teriam sérios problemas de tímpano e em todo o aparelho auditivo. Foi o que de fato ocorreu, pois a partir deste dia Luiz e Carlos foram acometidos d surdez parcial momentânea, era momentânea justamente porque não era contínua, ora estas como explicar algo tão fácil de se entender? Em certos períodos não ouviam, e logo a capacidade auditiva retornava ao normal. Isto foi motivo de muitas situações inusitadas, pois começavam por vezes a palestrar com pessoas, e de maneira imprevista eram acometidos por esta desagradável ocorrência. Foi incontestável a confirmação desta contundente e desconhecida doença, fato notório entretanto é que mesmo tendo sido considerada uma doença era bastante proveitosa, pois haviam momentos em que não queriam escutar o que os outros tinham a dizer, e quando calhava de não estarem em um ambiente de conversa proveitosa e lhes ocorria a tal ausência de audição ficavam até felizes, porém não deixavam transparecer este estado de exaltação para não desagradar os circunstantes com os quais confabulavam. Vamos agora presenciar uma destas situações.
- Somos todos uns loucos! – Proferiu o professor Grausélios, um professor de filosofia de certa universidade, que neste momento trocava idéias com Carlos e Luiz.
- Sim, até certo ponto conservo a mesma opinião... – Confirmou Luís após tossir por cerca de um minuto, a ponto de ter de receber o auxílio de seu comparsa Carlos, que com fortes tapas em suas costas o auxiliou a respirar com maior tranqüilidade. – Entretanto sou do partido de que a loucura têm lá certos limites.
- Calma meus amigos, vamos manter a palestra em seu caminho mais adequado, veja bem Luiz, o homem, na sua busca pelo mundo muito se aproxima de caminhos obscuros, perpassa todo o sofrimento, muito erra até encontrar a glória. A vida têm uma infinidade de ritmos e o ritmo da loucura está tão próximo do ritmo da genialidade que sequer percebe-se a tênue diferença, se é que realmente existe alguma diferença.
- Professor Grausélios, - Disse Carlos já um pouco conturbado com aquelas colocações, que em sua linha de raciocínio não tinham nexo. – Não entendo definitivamente o fato de o senhor colocar duas idéias, que imagino serem antagonistas, tão próximas uma da outra. Que raios o partam! É uma verdadeira falácia isto que o senhor está dizendo, acho mesmo que a tua filosofia chegou a tal ponto, que não tendo mais o que ultrapassar contentou-se por inventar besteiras das mais diversas, por isto transformou-se numa loucura. Não quero insultar-te, mas o senhor, mesmo sendo relativamente novo caducou. Quantos anos têm? 40? Pois é, e ainda por cima têm apenas esta idade, pobre coitado, que tua família e teus companheiros tenham piedade de tal alma.
- Quantos exageros meu amigo Carlos, não é necessário tanto para refutares minhas idéias, basta dizer que não concordas e pronto.
- Pois então: não concordo! São esquisitices do senhor.
- Quem me dera então, meus amigos Carlos e Luis, se todos fossem assim pouco esquisitos, o mundo certamente seria um pouco melhor, e não constituído apenas de pessoas que se adequam aos moldes propostos pela sociedade.
- Neste aspecto devo concordar com o professor. – Falou Luis. enviando um olhar comprometedor e acusador à Carlos, fazendo com que ele se sentisse levemente constrangido por descordar por 90% do que dizia Grausélios.
- Se você concorda comigo é porque o que digo faz sentido. O objetivo do homem no mundo qual é? Quais são os sonhos que mais almejamos em nossas vidas? Quais são, das profundezas de nossas vidas, as coisas pelas quais devemos lutar para conquistar? Existe algo para conquistar? Por que o ser humano não consegue viver sem criar metas? O quê é a realidade? Qual é o sentido da tua vida? Qual é a tua filosofia de vida personalizada? Meus queridíssimos colegas, a vida se fundamenta no conhecimento que o homem cria para si mesmo e não simplesmente do conhecimento que absorve de fontes externas. Por isto a vida nasce primeiramente na imaginação, já pararam os senhores para refletir sobre o por quê das crianças acreditarem tanto em suas próprias imaginações? Por quê as crianças brincam tanto e são tão felizes? E quando adultas e idosas são tão tristes e enfadonhas. Por que tal sorte de desgraça ocorre com toda a humanidade? Oh! Quantas desventuras não serão devidas à falta de capacidade imaginativa. Chego a dizer que a vida é a própria imaginação, tenhamos meus amigos consciência disto. Viva a imaginação!
- Viva! – Gritaram os outros dois em uníssono, mesmo tendo sido acometidos durante toda aquela larga palestra de uma surdez temporária, o que para Grausélios passou despercebido pois conseguiram dissimular magistralmente que estavam ouvindo tudo, pois enquanto Grausélios falava faziam feições de pessoas super atentas, os olhos até ficaram meio avermelhados de tanto esforço que faziam por manter-los no nível máximo de abertos, as pálpebras ficaram até relativamente doloridas, a sorte foi que a surdez havia se dissipado justamente no momento em que o professor proferira: Viva a imaginação! Isto correspondeu à um tempo suficiente para raciocinarem em velocidade fabulosa e responderem aquilo que responderam.
- Notei, meus queridos. – Retornou Grausélios com grande enternecimento, por se sentir correspondido. - que vocês são dotados de grande força de entendimento, vejam vocês que tais tipos de pessoas não se encontra comumente, por isto quero parabenizá-los.
- Obrigado senhor professor, mas no momento acho que estamos de saída, justo porque temos certa pressa para tal e qual compromisso, muito obrigado pela palestra, creio que estejamos agora verdadeiramente transtornados, err... quer dizer: transformados pelas elocubrações de importância preponderante à qualquer ser humano. Bem, devemos nos ir, nos vemos por aí. Thau! – Falou Luís utilizando uma capacidade pantomínica que até então desconhecia em si mesmo.
- Já que vocês têm presa fiquem com meu contato pois assim poderíamos confabular muitas outras vezes mais, muito obrigado, adeus.
E assim, a dupla foi para um lado enquanto Grausélios extremamente satisfeito direcionou-se à faculdade a dar suas aulas. Fato foi que nem Luis nem Carlos entenderam o que o professor falava naquele momento áureo e culminante de sua palestra, e tampouco queriam buscar por entender, pois este foi mais um daqueles momentos em que julgaram interessante conciliar a surdez temporária como forma de um auxílio para não ouvir o que queriam ouvir. Quê é senão isto que fazemos nós em nossas vidas, quando não mais brincamos como crianças, depois de transformar-mo-nos em adultos e idosos patéticos e mórbidos, donde a vida já perdeu a graça por uma extrema falta de imaginação, e o mais importante: acreditar na imaginação, e com sabedoria saber ouvir e procurar entender aquilo que é diferente e aparentemente louco.



trigésimo quarto - Pássaro de luz
Vida vida corre vida, corre para lá corre para cá e se esvai, se esvai. Engrandece cresce. O pássaro de luz era um menino, uma criança. Que ensinava às pessoas muitas coisas, dentre elas como viver em paz. É fato que não é incomum as crianças ensinarem algo de proveitoso e correto aos adultos, mas dentre as lições mais grandiosas por elas ensinadas estão a alegria e a vivacidade, alegria pela vida e vivacidade da alma.
Não se sabe ao certo por que os adultos se sentem tão diferentes das crianças, como se estes estivessem fazendo atividades mais interessantes que elas, na verdade a vida das crianças se fundamenta no constante descobrir o mundo e a realidade. Há um ponto da vida, entretanto, em que o ser julgando tudo conhecer cessa com sua admiração do mundo, é neste momento em que não somente a admiração das coisas novas se acaba como também aquela que é direcionada às coisas já conhecidas. Sim, pois estas últimas, a pesar de terem sido vivenciadas são constantemente repassadas de maneiras diferentes.
Este menino era de luz porque de seu corpo emanava maravilhosa luz branca, não cegante senão agradável aos olhos de quem o via, no entanto eram poucos os que o conseguiam enxergar.